a Sobre o tempo que passa: Nisto de santos e santinhos, andamos pior do que nas taxas de desemprego e de inflação

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

12.11.07

Nisto de santos e santinhos, andamos pior do que nas taxas de desemprego e de inflação


Apesar de não conseguir obter adequado "nihil obstat", não posso deixar de referir o puxão de orelhas que o Papa deu ao nosso episcopado, acusando-o de não cumprir os ditames do concílio do Vaticano II e insinuando excessivo clericalismo. Assim, se encerrou a semana de visitação dos bispos lusitanos aos corredores, salas de audiência e gabinetes do governo universal daquela entidade que a si mesmo se decreta como a Santa Madre Igreja e que assume os respectivos fiéis como o dilecto povo de Deus, capaz de missionar os gentios, infiéis, heréticos e demais agentes das trevas, da desgraça e do pecado.


É evidente que não sou católico e que até nem escondo alguns laivos de tradicional liberalismo anticlerical, tal como sou um inequívoco adepto de uma aliança de homens de boa vontade, entre o humanismo católico e o humanismo laico, bem longe dos que pretendem enforcar o último padre nas tripas do último papa. Portanto, não posso deixar de referir que as críticas agora expressas pelo minucioso e hierárquico aparelho do Vaticano, o tal que é capaz de escrever a palavra da encíclica, ou de concluir o formidável processo burocrático das beatificações e santificações, vieram ao encontro do óbvio.


Julgo que os nossos bispos, que não seguem as teses de Lord Acton e de D. António Alves Martins, contra a infalibilidade papal, nada poderiam dizer se a NATO criticasse a desorganização e a mentalidade das nossas forças armadas, ou se o comissário Almunia continuasse a mandar palpites contra as previsões dos nossos ministérios das finanças e da economia. Por outras palavras, tanto Sócrates como D. José Policarpo estão sujeitos à supranacionalidade de repúblicas maiores, cujos aparelhos lhes podem passar atestados de incompetência.


As declarações de Bento XVI sobre a nossa desorganização eclesiástica e o consequente problema de mentalidade, são menos do que a atitude do rei de Espanha, ao mandar calar Hugo Chávez, na cimeira ibero-americana do Chile, onde Cavaco e Sócrates saudaram os dez por cento da Galp no buracão do poço Tupi, ao largo das costas da Terra Brasil, dita de Santa Maria.


Por mim, fiquei apenas impressionado com a hipótese de Nuno Álvares Pereira ser finalmente canonizado, impedindo que a ASAE venha a fechar a Igreja de Campo de Ourique, hereticamente dita do Santo Condestável, embora seja de lamentar a circunstância de os três pastorinhos não conseguirem suficiente cunha de D. Saraiva Martins para subirem ao altar. Que nisto de santos e santinhos, andamos pior do que nas taxas de desemprego e de inflação, e tanto o FMI como a UE não fazem previsões de rápido crescimento na sagrada congregação.


Aliás, há quem desconfie da hipótese de alguns dos nossos santos serem mesmo portugueses. Santo Antoninho é reclamado por Pádua e Prodi, o São Francisco Xavier é definitivamente basco, mesmo sem ameaças da ETA, e a própria Rainha Santa, com tantos problemas de adultério, do plantador do pinhal de Leiria, não deixa de ser aragonesa.


O Santiago, que era matamouros, ficou-se na Galiza e, para nos ajudar na reconquista e na resistência, tivemos que pedir ajuda à aliança luso-britânica e invocar São Jorge. De São João de Deus e de São João de Brito, apenas resta a memória de duas igrejas lisboetas, a Santa Maria Adelaide, lá para os lados de Gaia, ainda não teve direito a carimbo do Vaticano, a Soror Maria Alcoforado é o preciso contrário dos mandamentos da lei de Deus e até o bom Padre António Vieira foi vítima da Inquisição. Por outras palavras, restam-nos outros encontros imediatos com a divindade, da Senhora da Rocha à Senhora de Fátima, embora nenhum papa tenha feito peregrinação a Carnaxide.


Porque até a aparição de Ourique, com as cinco chagas do escudo nacional, foi injustamente considerada como "fake" pelos historiadores dominantes. Cá por mim, pouco dado a hóstias e a consagrações, resta-me comemorar, muito patrioticamente, o dia de Todos os Santos, antes de passar para o dos Fiéis Defuntos e o natal pagão. Ainda bem que o Vaticano veio dar razão a alguns críticos lusitanos da lusitana clericalidade. Nem todos os que não fazem parte da secção portuguesa deste povo de Deus querem repetir o erro da imagem supra.
Nós, que também lemos "Igreja e Sociedade Portuguesa do Liberalismo à República" (Lisboa, Grifo, 2002), "Nas origens do apostolado contemporâneo em Portugal - A 'Sociedade Católica' (1843-1853)" (Braga, 1993) e "A Igreja no tempo - História breve da Igreja Católica" (Lisboa, 1978), de D. Manuel Clemente, apenas desejamos que, do Porto, venha o impulso para que os homens de boa vontade não caiam nas habituais rasteiras dos congreganismos e dos jacobinismos, de má memória.