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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

7.11.07

O orçamento do convento deu à luz um rato... esperemos pela segunda parte do "show"


O esperado debate orçamental, com a primeira cena do duelo Santana-Sócrates, deu à luz um rato. São Bento ainda não mudou. Até Cavaco sobrevoava o Atlântico a caminho do Chile, confessando aos jornalistas que, se estivesse em Belém, não o seguiria em directo, preferindo os resumos dos telejornais da noite. Por outras palavras, com águias frustradas e dragões em alta, apenas notámos como ontem, antes de termos a PJ deter um argelino que, ao que parece, era barbeiro, eis que um responsável pelas secretas declarava a destempo que não havia operação nenhuma em curso, a pedido das autoridades italianas, mostrando assim o nosso alto nível de coordenação e de tentação para o desbocamento. Julgo que se todas as nossas aulas de licenciatura, mestrado e doutoramento já fossem em inglês, outro seria o nosso nível e, se aplicássemos o rolo unidimensionalizador ao próprio parlamento, melhor seria o "index" de emprego dos tradutores, intérpretes e colocadores de legendas. Que as bolonhesas e gaguices reformem o parlamento!


Verifiquei que a grande dúvida sobre a discussão da principal decisão da democracia está nas comparações do canal-parlamento com o canal-memória e que a autorização que os representantes do povo dão para nos irem ao bolso ficou reduzida à entrega de uma "pen" a Jaime Gama e ao programa "prós e contras", onde até se inclui a potencial concessão das estradas a um privado até o até 31 de Dezembro de 1999. Por outras palavras, a nossa democracia já não tem, na formal casa da democracia, o espelho da nação e, com o parlamento a perder a sua paixão, ainda ninguém anda à procura da democracia perdida por este ritmo de Câmara dos Pares, tendencialmente vitalícios e hereditários.


Seria melhor notarmos como o próprio convento já procura actividades extra-curriculares para a respectiva promoção, desde exposições do espólio do comendador Berardo a concertos de homenagem a Lopes Graça, para, por estes dias, ter tasquinhas do Ribatejo e sessões de fandango, não sei se na Sala do Senado. Aliás, os discursos orçamentais quase se perdem na tinta tecnocrática dos trabalhos de casa, enquanto ilustres deputados vão para a última fila e preferem mobilizar a palavra para artigos de jornal e desabafos blogueiros.


As próprias petições populares já não conseguem furar o bloqueio dos regimentos e as comissões especializadas transformaram-se em câmaras de adormecimento dos "inputs" que vêm da sociedade. A casa da democracia transformou-se numa anónima "blackbox" de um abstracto sistema, cada vez mais afastado do povo dos homens comuns, porque os senhores deputados, em lugar de se assumirem como directos representantes dos povos, apenas dão a imagem de grandes eleitores de orelha marcada que permita a ascensão de um líder partidário a primeiro-ministro.


Mais importantes do que os líderes parlamentares passaram a ser os "entertainers" que os fazedores do "agenda setting" destacaram para os debates televisivos, para fingirem que há pluralidade nesta teledemocracia e neste videopoder, onde os confrontos antes de o serem já o são, conforme os programados encenadores da teatrocracia.


Porque todos temem medir a efectiva falta de autenticidade de um mecanismo, dito regime, onde a mera legitimidade formal usurpou a clássica legitimidade e onde a nudeza dos poderes fácticos comprimiu o espaço da autoridade, da autoridade que vem de autor, da democracia que vem da palavra posta em discurso, de acordo com a origem etimológica da razão complexa, o tal "logos" da "polis" ateniense, onde se reconheceu que o homem era um animal racional porque era o único dos animais que podia comunicar pela palavra posta em discurso, tal como era o único animal que sabia da sua morte, procurando, portanto, o infinito.