Ouço o senhor PGR dizer ao país que há crianças de 6 anos que vão para as escolas com armas de fogo, bem como outras centenas, munidas de facas. Mais reparo que apela à resistência contra o medo das denúncias, porque os alunos de hoje serão os cidadãos de amanhã e até os que em nós mandarão. Louvo a coragem. Mas não esqueço.
Ainda há pouco passava pelos corredores da minha escola e tinha que reparar que, num escaparate, estava a carantona de um qualquer Valter Lemos, a cores, na capa de um jornal qualquer, dito de educação, onde o ilustre homem do aparelho proclama que a excelência e os resultados são os objectivos deste governo. Noutra montra, a última entrevista de um qualquer senhor director sobre a última reforma ilhoa, de que ele foi consultor e avençado, louvando a modernidade dos respectivos ditados. Mais adiante, outras balelas do educacionês e universitarês que nos vai lurdizando, socratizando ou gagando.
Reparo que alguns jovens adjuntos deste regime, entre o PSD e o PSD, ainda há uns anos foram também objecto de processo da PGR, só porque invadiram certas propriedades alheias, levando os senhores professores atrás, em procissão de medo, onde se incluíam altos dignitários do salazarismo cobarde. Os dois ou três jovens professores que protestaram sofreram as consequências do eterno regime do medo. Foram e ainda estão condenados ao ostracismo.
Repito o que, a propósito, escrevi em 1999. Porque ainda serve para a cobardia situacionista de hoje. "Estamos, neste momento, a viver a crise típica dos estados febris que se sucedem a certos vazios de poder e à sublimação das tendências recalcadas que precedem as movimentações para a conquista ou para a manutenção em certos poderes políticos, universitários ou sociais (tudo com minúscula, assinale-se).
Nem sequer a crise é apenas da escola, dado que, sobre nós, confluem, talvez freudianamente, crises de outros círculos maiores da nossa instituição universitária, de outras instituições universitárias, onde coincidimos individualmente, e, sobretudo, de muitas carreiras e correrias pessoais, que provocam um ambiente propício à pequena demagogia dos pretensos césares de multidões, com emanações de terrorzinho de salão, de assembleia, de corredores (na expressão correspondente do inglês), de cartas anónimas e de telefonemas com grunhidos animalescos, onde já funcionam as ameaças e as interferências na própria vida privada de quem não quer ser formatado pela corrente.
Não me parece que os tempos do estado febril da sociedade, sejam eles adolescentes, adultos ou serôdios, se mostrem propícios a decisões de médio e longo prazos, necessariamente harmónicas, que reconheçam e dinamizem a poliarquia de paradigmas que, neste momento, conforma a escola.
Talvez não convenha cedermos aos tempos onde a raposa passa a usar as garras do lobo e a serpente a querer voar como as rapinas. Nem sequer vale a pena a linguagem das pombas a abater ou dos cordeiros a imolar. Não acredito nos animais falantes.
Apenas manifesto a minha dor pelos desenvolvimentos recentes do poder infra-estrutural. Pelas consequências da conquista e manutenção do poder na rede institucional em que estamos inseridos, todos poderão ver, amanhã, a constelação causal e as acções reversíveis do processo em curso.
Declaro, com toda a frontalidade, em nome da normativista "moral de convicção", que tanto não aceito o autoritário "quem não está contra mim, está a favor de mim", como repudio activamente o totalitário "quem não está a favor de mim, está contra mim". Os fins não justificam os meios...
Concordarmos com um bom fim e até da "reposição da legalidade" historicamente esbulhada, não significa concordarmos com os meios usados pelo poder estudantil associativo actualmente dominante na escola. E só um pensamento binariamente linear pode, em seguida, concluir, que quem assim pensa e actua tem necessariamente de apoiar a intervenção policial na própria escola.
Num Estado de Legalidade e numa Escola de Legalidade não me parece educativo que se utilizem tanto a via revolucionária da acção directa, de quem ousa fazer justiça pelas suas próprias mãos, em nome da primordial vindicta privada sem os limites da legítima defesa, como o vanguardismo da lei de ferro da oligarquia partidocrática.
Num Estado de Direito Democrático, onde a Escola deve integrar-se, não considero justo que se ceda à pressão da nostalgia revolucionária ou dos candidatos a princeps que mimeticamente confundem o pretérito perfeito com o futuro aventureiro.
As regras da democracia representativa e pluralista não admitem excepções para o corporacionismo universitário, estudantil, burocrático ou professoral. Prefiro o sufrágio universal (do voto secreto), a liberdade livre (dos liberdadeiros) e o respeito pelas minorias (da poliarquia). Repudio a tirania das maiorias, o elitismo de salão, a ditadura da moda, o império do vazio e o ostracismo.
Já pratiquei estes princípios de cidadania quando corriam os crepúsculos autoritaristas e os consequentes ventos da moda da tradução em calão do nosso pensée 68 ou do pretenso PREC do jacobinismo leninista à portuguesa.
Continuarei a praticá-los mesmo que a degenerescência invoque sinais ideológicos contrários em nominalismo, mas iguais na metodologia, nos gestos e às vezes nos próprios figurantes da cena. E muito menos cederei se o processo for marcado pelo nihilismo. Quem tem razão a curto prazo, pode não tê-la tanto a médio prazo como a longo prazo. E só é moda aquilo que passa de moda.
Não tenho medo de estar de acordo comigo mesmo, ainda que venha a estar em desacordo com todos os outros. Tanto é mau o despotismo de um, ou de poucos, como o despotismo de todos.
Julgo saber analisar laboratorialmente os invocadores da pequena Razão de l’Etat c’est moi bem como os pretensamente "lúcidos" praticantes da "moral de responsabilidade".
Também percebo a vontade de poder dos que dizem querer salvar a cidade, apenas a pensar na paróquia, no quintal, na casa, na bolsa, na barriguinha, na inveja ou nas vaidades. E entendo o libidinoso de muitas ânsias dominandi, o dogmatismo de acaciana pacotilha e o indisfarçado desejo quanto à imposição de um paradigma único, de um pensamento único e de um politically correct tribalista.
Prefiro, neste tempo dos tais homens "lúcidos", ter "a lucidez de ser ingénuo".
Já fui julgado pelo tribunal da oclocracia e a sentença foi publicada no dazibao. Só falta o sanbenito e a queima da efígie.
Com efeito, um cobarde comunicado da pequena inquisição revolucionária veio insinuar a mais nojenta das acusações: a de que fui acolhido e tolerado nesta instituição. Não tenho tolerância para ser incluído na caderneta das criaturas toleradas! Ninguém me pode "doar" aquilo a que tenho direito, por concursos públicos, provas públicas, escritos públicos, conferências públicas e aulas públicas! E nem sequer peço solidariedade àqueles colegas que se prontificarão a lavar as mãos como Pilatos. Numa escola de política não pode haver pulhítica.
Vou continuar a viver como penso, sem pensar muito em como viverei aqui. Apenas reclamo o direito de continuar a cumprir o meu dever de professor. Não venho aqui oferecer a minha cabeça na bandeja para a vindicta dos que, por outras razões, me pretendem transformar em bode expiatório. Venho assumir a coragem de ter comigo uma ampla minoria constituída por mim mesmo".
Os meninos que foram então processados são, hoje, adjuntos dos que mandam. O senhor professor que promoveu o assalto já foi à televisão denunciar o presente clima de violência escolar. E não o fez depois de um almoço bem regado. E os protestantes continuam protestantes. Continuam a ser processados como heréticos pelos engenheiros de cunhas, à esquerda e à direita. Não tarda que chegue a noite de São Bartolomeu, quando Robert Mugabe voltar a ir, de vitória em vitória, até à derrota final. Depois, convida um qualquer bonzo, enfrasca-o de vinhedo no palácio presidencial, convida-o para um discurso e goza que nem um perdido com as delícias do Estado de Direito. Obrigado senhor PGR. Não aceite cunhas e fustigue com justiça o fundo da cobardia. Mugabes, nunca mais!
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