É interessante notar o crescendo dos poderes neofeudais, neste momento de decadência de longo prazo

A semana começa em grande para altezas feudatárias do Portugal que resta. Pinto da Costa, tricampeão, pode esquecer os dissabores do apito e fazer discurso regionalista contra as pontes e os aeroportos de Lisboa e dos mouros que não marcam golos como Tárique. Vieira clama contra os árbitros, depois do jogo do Bessa, com o Boavista a não pensar na sanção da descida de divisão. Outro nortenho, que fez o curso de medicina numa universidade pública, foi à Madeira homenagear um professor da Universidade Independente, onde Sócrates se licenciou em engenharia. Faltou o discurso de Jaime Gama a encerrar o congresso dos laranjas da autonomia sem limites.

Lê-se uma entrevista de hoje do presidente do STJ, onde se denunciam os monstrinhos que estamos a gerar com a urbanização e apetece sublinhar essa de não inundarmos os tribunais do Estado com crimes contra a corrupção desportiva. Concordo. Nunca o parlamento português deveria ter criminalizado tais condutas, deixando-as na plena autonomia da ordem futeboleira, se o pluralismo fosse respeitado. Mas também não deveríamos cruzar o futebolês com o politiquês, nomeadamente com subsídios do Estado a tal zona dos agrupamentos humanos.

A revolta contra a estatocracia deveria aliás ser também seguida na ordem religiosa, numa interpretação do laicismo que tanto deveria permitir a plenitude do religioso na praça pública, como negar qualquer espécie de protecção secular do direito canónico, embora aqui a Concordata, como tratado internacional, tenha regulado devidamente esta dupla pertença da maioria do povo português, que tanto é do povo de Deus como do povo da República, em simultâneo. Por isso, com o desportivês, a única solução está numa espécie de pequena concordata que liberte os tribunais da posível contradição entre a justiça desportiva e a justiça estadual.

De qualquer maneira, é interessante notar o crescendo dos poderes neofeudais, neste momento de decadência de longo prazo, a que estamos condenados. Como ontem apareceu no Diário de Notícias, continuo a denunciar esta "ditadura da incompetência" do poder político, "como na I República". E o problema "é que já não podemos emigrar, não há para onde". O diagnóstico é negro: "Estamos numa encruzilhada que pode durar dez anos. O precisamos é de um vendedor de sonhos". Porque, neste deserto de ideias, mais sociedade não tem que ser mais feudalismo e menos Estado. Pode ser mais pluralismo e menos aparelhismo estatista, para que não haja governos socialistas a fazerem liberalismo a retalho, só porque não há moralidade nem comem todos.