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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

8.4.08

Um homem revoltado é um homem que diz não. Mas se ele recusa, ele não renuncia: é, assim, um homem que diz sim, desde o seu primeiro movimento


As centenas de leitores que diariamente percorrem estas linhas e que se habituarem ao meu estilo, compreendendo-me em comunhão de causas, devem notar que, há quase trinta e três anos, tenho o mesmo e único patrão (o povo que me paga, através do Estado, e dos variados capatazes que assumem o estadão). Dono de um "cursus honorum" publicamente concursado, onde nunca me escondi numa só linha de ocultação profissional e cívica, até fui, entre os vinte e pouco e os trinta anitos, adjunto político de meia dúzia de governos deste país e, antes da queda do muro de Berlim, e por breves dois anitos, dirigente cimeiro de um dos partidos do nosso arquito constitucional, de que, aliás, me tornei dissidente, sujando as mãos em sucessivos oposicionismos e nalgumas malogradas fundações de partidos e movimentos cívicos do contra. Ainda no século XX, nos primeiros dias da década de noventa, larguei a função pública clássica, no alto da função de assessor, para me dedicar, sem acumulação, à universidade, onde também entrei por concurso público e onde, de concurso em concurso, cheguei, antes da viragem do milénio, ao topo da carreira. Aliás, sublinhe-se, enquanto adjunto de governos, nunca fui militante, ou filiado, de nenhum partido. E só voltei a filiações depois de ter feito toda aquela parte de uma carreira que implica promoções, para evitar confusões.


Tentando cumprir o lema de procurar viver como penso, sem pensar muito como vou vivendo, apenas gostava de cumprir o que penso ser a minha vocação e, mais do que isso, a minha missão, tentando casar a bela raiva da honra com um pedacinho de inteligência, dando entusiasmo ao pensamento, isto é, procurando ser um homem livre numa universidade livre e procurando continuar livre, mesmo que a estrutura esteja condenada a deixar de o ser. E não é por acaso que, desde Maio de 2003, isto é, há quase cinco anos, que, quase quotidianamente, utilizo a blogosfera como uma espécie de extensão universitária, ou serviço à comunidade, através de uma militância cívica e necessariamente crítica, onde a solidão da cidadania tem enfrentado a nudeza dos sucessivos donos do poder, num combate de ideias que me tem gerado sucessivos incómodos, algumas persigangas e até inevitáveis encruzilhadas de saneamento, em circunstâncias que, na maior parte dos casos, não tenho publicitado, nem sequer para o círculo íntimo e familiar que me sustenta. Daí um abraço de total solidariedade ao meu querido filho, Francisco, que hoje teve notícia da primeira grande injustiça sistémica de que foi vítima. Para que resistas na procura de um lugar onde possas viver como pensas e que me desculpes pelo exemplo de vida com que te procurei educar!

Quero apenas confessar aos meus fiéis leitores que não desistirei de viver como penso e que continuarei estas reportagens íntimas que, quotidianamente, sublimo, neste, ou noutro, blogue. Este programa de vida cívica e pessoal, este meu sagrado, obriga-me a correr riscos de cidadania a que não renunciarei e que me vão obrigar a lutar até à última fibra vivente e que nunca passará pela cedência à cobardia dos que torcem para não quebrarem. Hoje, usando o elíptico, apenas me apetece concluir com os ensinamentos de meu mestre Camus, com a sua passion du relatif. Porque a revolta é uma das únicas posições filosoficamente coerentes, até porque a função do intelectual é esclarecer as definições para que se desintoxiquem os espíritos, contra todos os fanatismos, incluindo os da contra-corrente. Porque um homem revoltado é um homem que diz não. Mas se ele recusa, ele não renuncia: é, assim, um homem que diz sim, desde o seu primeiro movimento.