Uma dúzia de breves princípios fundacionais para combate de concepções do mundo e da vida
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Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...
DELIBERADOS REENCONTROS
Olhei para a noite e repensei nas palavras do António Alçada naquele nosso almoço em Sintra. Pensei nelas, num sentido histórico, tal como as interpretei. Creio que na historicidade do Saber, há bem mais do que a esperança na mudança da vida que se vive.
Em rigor, acredito num aperfeiçoamento não interrompido, num formar-se uns aos outros dos sentires e nos entendimentos nucleares, o que torna possível estabelecer condições de exigência inegociáveis face ao que nos rodeia; mesmo que a inegociação só exista de nós para nós, já é um princípio de luta cerrada ao que nos desgosta os dias.
Um dia, chegado a Veneza, caiu um amigo comum, o Luís, numa profunda e negra melancolia. Realçámos, eu e o António Alçada, que o que o tinha salvado na estada, fora a ingenuidade que por lá não encontrou. Salvou-o que todas as gondoleiras fossem meretrizes. Salvou-o que a terra tenha sido originariamente um mar, ou o inverso. Salvaram-no as imprecisões lucidas, o eu vejo tudo e já não sou amante. Salvou-o a construção de um carrocel em forma de árvore numa das ilhas que visitou perto de Murano. Afinal, só assim e sem dono nem eira certa, soube cuidar da dinastia dos cantores de rua que por lá encontrou.
Lembrámo-nos, neste almoço, que uma das canções dos cantores de rua, deixara o Luís muito impressionado pois que o refrão dizia numa generosa tradução «Ó amados meus, perdoem-me de que sou culpado? Que mais quer a vossa vida de preço trivial para me condenar depois de atado?»
Olhei a noite de novo e sorrio à pseudo-obediência de que todos somos capazes sem análise de culpa. Recordo agora as palavras de Pascal: «o género humano deve ser considerado como um mesmo homem que subsiste sempre e aprende continuamente».
Nesta constatação, António, também está o sorriso de Deus, ou como dizias, Ele ri-se mas é daqueles que andam por aí a fazerem o mundo como está.
Teresa Vieira
29.12.09 – sec.XXI
CINTILAÇÕES
Um dia espreitei Alexandre o Grande. Ele sabia do seu posto de vigia que mundos eu espreitava e que ele unira como uma tribo que em comum afinal possuía a religiosidade.
Um dia espreitei Alexandre o Grande e senti o quanto ele se separou dos seres intermédios na busca do significado armilar dos mundos com vocação de abraço.
Um dia espreitei Alexandre o Grande e entendi um especial significado sagrado e simbólico de matar para entreabrir portas como quem oferece o beijo quente do êxtase inaugural de um conhecer.
Um dia espreitei Alexandre o Grande e toquei no início dos caminhos dos grandes sistemas que explicam o que se prescreve e se permite e o quanto a história nos fala também num tom piedoso e repreensivo como quem nos diz que afinal, um dia, não se pode evitar fazer de outra maneira e só na caça cumprimos os vestígios do nascimento do homem, sempre que o homem não mate apenas para obter a presa.
Um dia espreitei Alexandre o Grande e ciumei o seu perceptor Aristóteles e a sua Macedónia e o seu ímpeto de unir impérios e fundar Alexandria onde hoje procuro uma vez mais o Livro.
Um dia espreitei Alexandre o Grande aquele que expandiu o helenismo também rumo ao Oriente, aquele que erigiu Bucéfala no actual Paquistão, em memória do seu fidelíssimo cavalo que se assustava com a própria sombra e se deixou domar contra o Sol: cintilações.
Um dia espreitei e escutei Alexandre o Grande através do Somewhere in Time, disco da banda inglesa Iron Maiden e creio ter intuído o Helesponto, a actual Dardanelos, estreito na vida de cada um com o grande passo por dar.
Um dia, eu quero espreitar cada um a desembainhar a espada com a qual cortará o nó górdio que impede a revelação das múltiplas verdades, esse que impede a alma do ofício do entendimento, e sem nunca revelar o mistério completo, eu quero espreitar a grande nobreza a prometer-se de novo no Ano que chega, a despedir-se do ano que finda e a cumprir-se na notícia do tempo que todos os seres vivos têm para a mudança.
Um dia espreitei Alexandre o Grande e soube disso na caça de uma palavra evocativa do…Que sabias realmente?
Teresa Ribeiro Bracinha Vieira
África, mulher - mãe de consistência
África
Que o teu criador não te fez à semelhança de nada
África
Generoso enigma da razão solta
Quando antes da partida já meu corpo se quedava
África
Meu ciclo de esperança
Minha sedutora ladra que me roubaste de mim
Para me levares às essências
África
Renovadora incessante do desejo
Extensão sólida, miragem real
Com que critério viver-te ?
África
Minha emergência de reconciliação
Meu grande olhar iniciático
Às tuas formas adiro e descalça
Obedeço ao teu pulsar
África
Meu coração central
Tua receita secreta
Aventura de mim a ti a erguer-se do nada
África
Meu frágil dormir
Quando teus sons próximos e longínquos
Me dão a ilusão do silêncio
Enquanto os bichos homens, bichos mulheres
E bichos por superioridade
Feitiçam tuas noites de fortes cheiros
Ai! África mulher-mãe de consistência
Tua lei, minha morte satisfeita
África
Sem intervalo
Melodia lavrada à extensão de perder de vista
Iluminura na bíblia dos meus dias
E sempre novas maravilhas atiçam
Danças de alquimia ao fogo
OH! África
Conclusão do meu destino
Recorte do meu corpo
Espírito exposto ao tempo próprio
Começo sem limites onde já descanso meu cansaço
África
Das cores fortes com nome
Ser tua amante sob as luas
É saciar minha avidez chamada mundo
OH! África
Das trovoadas que rebentam em partos de vida
Universidade inesgotável de saberes
Deixa que enfim
Por mim mesma
Evoque o imperativo de me aceitares
Um pouco
tua.
Teresa Vieira