a Sobre o tempo que passa: setembro 2006

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

26.9.06

A lulização em curso, com memórias da democracia coroada e dos fundadores maçónicos, nos momentos finais desta campanha

Leio num jornal de Lisboa que, aqui, no Brasil, a democracia está em perigo, ao glosar-se a intervenção opinativa de alguns importantes militares que, desafectos a Lula, decidiram fazer como os senhores bispos e denunciar a corrupção que estendido as suas teias à turminha do presidente. E reparo como alguns confundem as árvores com a floresta, porque o próprio Lula chamou bandidos aos seus colaboradores, apanhados com a gestão de quase dois milhões de reais para a compra de um dossier que iria implicar os chefes da oposição.

A questão é grave, mas tão grave quanto outros processos do género que estão em investigação, e a rede dos meandros escabrosos atinge tanto o PT como o próprio PSDB. Aliás, por aqui, em qualquer lugar e em todas as forças políticas, a invocação da ética constitui um lugar comum que se vai gastando pelo uso e até prostituindo pelo abuso. Só que o povão conhece todos os pormenores destes casos, as denúncias têm resultado, as demissões sucedem-se e vai manter-se o situacionismo, porque, do mal, o menos.... Talvez fosse melhor alguma serenidade analítica e repararmos como por cá as coisas são bem mais transparentes do que as peripécias da mesma dimensão que afectaram a nossa democracia pós-revolucionária em matéria de financiamento de partidos e de campanhas eleitorais, onde os episódios de Macau continuam em nebulosa de monçaõ, com muitos olhos em bico. Apenas direi que também por cá todo o Bloco Central tem as mãos pouco limpas e quem tem telhados de vidro pode atirar pedradas, mas pode também concluir que as suas também ficaram quebradas.

Curiosamente, entre o PSDB-PFL e o PT, continua com vigor o PMDB de Sarney, com os seus governadores da velha guarda, marcados por uma espécie de terno neo-coronelismo, como o foi Roriz aqui no distrito federal, um animal político devorador de sucessivas vitórias eleitorais que não consegue mais uma, porque já não pode recandidatar-se e decidiu correr para o Senado, não sem antes pedir votos para os da sua linhagem biológica e política.

O Brasil não é só presidente, mas uma realidade federal, onde tanto contam os Estados como os cinco mil municípios que, numa originalidade constitucional face ao modelo norte-americano, fazem parte da própria federação. E nesta mistura entre federalismo municipalista com poder moderador, surge um oceano político federalista, onde a imaginação continua a ser um elemento que aqui faz alguma diferença. Até o presidencialismo tem muito a ver com a velha herança imperial, da democracia coroada ou da monarquia republicana, onde os presidentes tentam reassumir esse sentido de pai dos pobres, à imagem e semelhança do Senhor D. Pedro II.

Não se estranhe, pois, que para além do prestígio histórico do Império, ainda haja militantes da causa, como deparei no Senado, onde dois ilustres assessores constitucionalistas se assumem ainda como monarquistas. Isto é, neste lado do Atlântico ainda sobrevivem fiéis da antiquíssima legitimidade liberal, mantendo-se viva a memória dos pais-fundadores. E também não é por acaso que o culto da tradição maçónica é enraizado, invocando-se as patriarcais figuras de Cayru ou de José Bonifácio. Não faltam até os que, em nome da Inconfidência Mineira, recordam Tomás António Gonzaga, o da Marília de Dirceu e de um Tratado de Direito Natural, com textos que ficarão para sempre ligados ao relançamento que deles fez o nosso Manuel Rodrigues Lapa.

Isto é, para chegar à alma do Brasil, mesmo um português tem que fazer um esforço de conversão interior que o tente compreender, não como terra estranha e estrangeira, mas como algo que, provindo da mesma raiz se reproduziu noutras direcções e com outras gentes, mas a que nos continua a prender uma irmandade de afectos que gera esta profunda comunidade de significações partilhadas que, em paralelo, nos pode permitir caminhar, de nação em nação, para a super-nação futura.

Senhores observadores lisboetas, isto é bem mais complexo do que a geurra de vencedores e vencidos de uma campanha eleitoral, onde se perdem cerca de três dezenas de partidos. Isto é bam maior do que alguns quintais. Mesmo com as vitórias do PT e o carisma encenado de Lula, que se comparou a Cristo, para Fernando Henrique Cardoso logo lhe camar diabo, o Brasil não está lulizado. Tem horizonte demais para cair nas teias de uma mudança revolucionária ou contra-revolucionária.

25.9.06

Onde a chegada da andorinha pode fazer a Primavera no sertão

Aquilo que aqui, no hemisfério do cruzeiro do Sul, é o fim do Inverno e a chegada da primavera corresponde nametade do mundo que vive sob a estrela do norte, ao fim do Verão e à entrada no Outono, assim se confirmando como tudo é relativo nesta esfera da Terra, onde um papa já não pode fazer nota de pé de página sobre um imperador bizantino que não gostava de ser invadido. Mas aquilo que vem em todos os manuais da geografia e do pensamento, quando sentido no próprio sítio, em dia de eclipse solar, permite que todos possamos confirmar a teoria perspectivista do conhecimento, segundo a qual não há factos, mas apenas um eu, o pensante, diante das circunstâncias, do movente, pelo que apenas temos interpretações dos factos que pensamos ver, sentir e ouvir.

Que aqui, com pancadas de chuva no cerrado, anunciam-se vagas de calor provocadas por El Nino, que é coisa que vem do Pacífico. De qualquer maneira, com as pancadas se lavou a poeira e reverdeceram as ervas e as árvores, voltando a emergir as flores da secura do sertão. É por isso que desliguei dos relatórios que recebo de Lisboa dos ilustres especialistas em engenharias curriculares, sistemas de avaliação e manuais de planejamento estratégico, com muitas traduções em calão de fotocópias importadas, ou de copy and paste pirateados da Net.

Reparo que ser professor em plenitude implica esquecermos tudo o que analisamos e sintetizamos em relatórios metodológicos e palhas curriculares, feitas para se garantir o cursus honorum, quando, esquecidos dos concursos e das obediências do temor reverencial, já conseguimos comunicar à comunidade científica algo do nosso acrescentamento criativo, alguma coisa da nossa emergência inventiva que vá além do baralhar e dar de novo, do sistema sebenteiro sintético-compendiária. Esse algo a que chamamos cultura, porque cultivamos sobre aquilo que herdámos.

Tal acontece sempre que ao darmos uma aula ultrapassamos o sumário ou programa e sentimos que naquela fecundação do eu professoral com a circunstância dos aluno passamos a vibrar criativamente, chegando, de novo, ao sétimo dia da criação, como na plenitude dos próprios actos de amor. Como quando a imaginação nos mobiliza e o sonho já marca o ritmo do discurso, desse logos, a que demos o infeliz nome de raisonner, quando conseguimos acalentar a frieza bibliotecária quase cadaverosa, transformando-nos nas pedras vivas do tempo que passa.

E tudo aqui reflicto para agradecer à meia centena de inscritos no curso de extensão que aqui comecei em dia de chagada da primavera, na sala B-132 do complexo João calmon desta cidade universitária, quando pensava que a propaganda de um cartaz de papel que a Net reproduziu, dois dias antes, não trazia tantos vibrantes auditores, com alguns mobilizados pelo próprio boca a boca.

Porque, para professor, primeiro está a aula e depois o capítulo, como ensinava Mestre Hernâni Cidade, decidi abster-me das questiúnculas decadentistas que, por mail e telemóvel, me chagavam de Lisboa. Até porque também assinalava a chegada de uma andorinha que breve me trazia sinais de um sonho que posso viver.

A universidade lusitana,apesar de marianamente gaga, continua muita confusão de carreirismos, dependentes de sucessivas maiorias conjunturais, nessas associações de egoístas chamadas conselhos científicos, onde não se faz ciência, mas fingimento de democracia num sistema que tanto é corporativista como hierarquista. A minha análise sobre a campanha eleitoral brasileira vai continuar. Peço desculpa por esta interrupção. O programa segue dentro de momentos.

21.9.06

Retalhos da vida quotidiana deste Brasil democrático

Tenho passado grande parte dos meus dias de trabalho na biblioteca do Senado brasileiro, para completar meu trabalho sobre a cronografia do pensamento político, que penso editar até ao fim deste ano. Não tenho qualquer cunha ou recomendação que me permitam aceder a este templo da democracia brasileira. Pego o táxi, desço, entro na recepção, digo que quero entrar, pedem-me o bilhete de identidade português, passam a maleta pelo raio X, dão-me um autocolante de visitante, dizem-me boa estadia e é entrar e circular por todo o lado das duas câmaras, sem qualquer desse sentido de "bunker" securitário que se respira noutras paragens. Viva a democracia. Reparo como é francamente interessante o balanço das publicações parlamentares, com inúmeros estudos plurais sobre a realidade política brasileira, com particular destaque para as origens do pensamento político, onde os grandes nomes lusitanos, com coincidência de labor com os inícios deste Estado, são talvez mais bem tratados do que na pátria madrasta. Aqui, Silvestre Pinheiro Ferreira é mestre, José Bonifácio, um estandarte e até se conta a história de Avelar Brotero, o jurista, não o botânico, o tal que para aqui veio em 1825, depois de uma actividade de magistrado na pátria de origem, e que se transforma no primeiro lente da Faculdade de Direito de São Paulo, onde foi secretário durante quatro décadas.Será que nos esquecemos dele, só porque pediu a nacionalidade brasileira em 1833.Mas mestre Agostinho da Silva sempre exibiu, até morrer, o seu passaporte da terra de Vera Cruz...

Deparo-me com a reedição da antologia do pensamento político de Walter Porto, dita "Conselhos aos Governantes", onde alguns portugueses têm as suas obras, como Sebastião César Meneses, D. Luís da Cunha ou Sebastião José de Carvalho e Melo, ao lado dos gigantes como Platão, Maquiavel ou Frederico II, num universo de apenas uma dezena de autores, coisa que espantaria muitos dos nossos tradutores em calão da "political ttheory".

Felizmente que nestas bandas o pensamento consegue lançar raízes. Que consigamos retomar as saudades de futuro. Mas outras imagens me são transmitidas com a força da verdade, como a impressionante reportagem que vi na televisão sobre os catadores de carangujos dos mangues do Nordeste, assim se confirmando como continuam válidas as observações de Josué de Castro sobre "Homens e Caranguejos". Continuo também a devorar os debates políticos, achando curiosamente arqueológica a intervenção de um representante da frente de esquerda de Heloísa Helena, com esquerda revolucionária, folclórica e comunista, ainda invocando o legado de Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Florestan Fernandes. O que leva o próprio Partido dos Trabalhadores a se assemelhar cada vez mais ao nosso PS dos primeiros tempos da pós-revolução, coinfundindo-se com o grande Bloco Central, dito social-democrata.

Contudo, mais de metade do tempo dos noticiários, impressos, radiofónicos e televisivos, passam-se com a denúncia do mais recente escândalo que envolveu a classe política, neste caso do PT, com declarações sucessivas que esperam a salvação vinda dos operadores judiciários e policiais, num modelo que ameaça transformar este país numa espécie de Estado de magistrados e investigadores policiais, enquanto os tradicionais tutores da moralidade e do bem comum, como os militares ou os eclesiásticos se ficam por declarações tipo música celestial.

Imaginativos são alguns segmentos da campanha, como a utilização daquilo que aí, no Porto, chamavam cabeçudos e gigantones, com os bonecos dos candidatos, os quais se vão passeando aos saltitos pelo centro da cidade. Entretanto, o líder do Movimento dos Sem Terra trata de proferir uma conferência na Escola Superior de Guerra, onde foi aplaudido por grande parte da elite militar. O resto são sucessivas declarações daquilo a que chamam justiça trabalhista, uma invenção de Getúlio, que não anda à cata das tradicionais vigilâncias sobre as justas causas para os despedimentos, que aqui a legislação é bem mais liberal, mas antes do renascimento da escravidão e da chaga do trabalho infantil. Vale-nos que em Alagoas, as eleições costumam ser violentas e já se despachou para o território tropa federal, num sítio onde o coronelismo ainda usa arma e não aprece haver bala perdida, porque todas elas costumam ser eficazes na eliminação do adversário...

19.9.06

Depois do mensalão e das sanguessugas, agora é Freud...

Em plena quentura da campanha eleitoral, rebentou aqui mais um escândalo que levou à demissão de mais um assessor do presidente Lula, eventualmente implicado na tentativa de compra de um dossier que visava comprometer gente do PSDB, o principal partido da oposição, na questiúncula dos sanguessugas, isto é, da rede de compra de ambulâncias. Ao mesmo tempo, foram descobertos grampos (escutas) nos telefones de ministros do Supremo Tribunal Eleitoral. O povão, conforme a reportagem de rua que fui fazendo, está informado do processo, não gosta, mas mesmo assim vai votar no Lula, que lhe matou a fome à família que deixou no Nordeste, embora não tenha ensinado o povo a pescar, através do sonhado desenvolvimento. Até a Heloísa, essa versão tropical do Louçã, insinua que a rede destes corruptos e corruptores, com o mundo do crime infiltrado nos traseiros da classe política, pode estar ligada a coisas tão horríveis como o narcotráfico. Isto é, nada de novo nesta terra do verde-oliva, um pouco amarelada, onde o mulhor que a política tem diz respeito ao imediatismo das denúncias e à sua ntensa publicitação, embora os mecanismos do Estado de Direito levem a inevitáveis atrasos. Pelo menos, por cá, existem efeicazes comissões parlamentares de inquérito que não decidem conforme as maiorias vigentes, transformando o corpo dos deputados num efectivo conselho de fiscalização do executivo....

17.9.06

Na principal potência metafísica da Terra, com um abraço armilar

Não consigo escrever sobre o que se passa dentro de Portugal, assim fora de Portugal e por isso continuo obsidiante sobre este ambiente que me rodeia. Reparo como o Brasil é, ao mesmo tempo, a principal potência católica do mundo e o sítio onde há mais espíritas, à Kardec, com direito a banca de divulgação nas universidades ou nos "shoppings". E também não é por acaso que, por cá, as actividades da maçonaria são tão naturais como o ar que se respira, ao memso tempo que os canais evangélicos nos entram pela casa dentro.

Por outras palavras, esta mistura do português sonhador, à procura do paraíso, com a nostalgia das nações índias, dos afro-descendentes e dos muitos e variados povos das outras partes do mundo, gerou esta complexidade crescente, cada vez mais metafísica. Uma entidade espiritual que, começando por ser o mero mundo que o português criou, se tornou, felizmente, uma criatura liberta do criador que foi e continua a dar novos mundos ao mundo, cumprindo seu destino como comunidade nacional ao serviço do universal, como sítio de passagem para a super-nação futura.

E eu, português antigo, refeito nestas paragens como português à solta, conforme a definição de brasileiro dada por Manuel Bandeira, me revigoro de cosmopolis, sendo quem sempre fui, mas procurando diluir-me em todos os outros, de acordo com o conselho de mestre Gilberto Freyre.

Daí que não comente a citação que o papa Bento XVI fez de um imperador bizantino sobre Maomé e as religiões que usaram da violência. Todas a fizeram, a começar pelo próprio cristianismo. Contra outras religiões concorrentes e contra os heterodoxos domésticos.

Sem assumir o tradicional anticongreganismo, feito á imagem e semelhança do próprio congreganismo que dizem combater, prefiro mergulhar nas raízes do nosso pluralismo de crenças, como o mundo ocidental devia ser, para poder ser digno do abraço armilar. Tenho medo das sextas-feiras, dias trezes, quando os poderes instalados decidem decapitar pretensos eixos do mal, esquecendo-se que eles podem disseminar-se e persistir.

Como heterodoxo lusitano, passível de condenação por heresia, é com uma cumplicidade de afectos plurissecular que assisto a este cadinho de explosões metafísicas que é o Brasil. Até em plena campanha eleitoral se vislumbra o processo, na maneira como é tratada a questão da própria bio-energia, longe desses ecologismos importados do mundo anglo-americano.

Apenas espero que o Brasil sonho tornar-se na principal potência espiritual do mundo. Porque assim o nosso compatriota comum, o Padre António Vieira pode voltar a ter razão.

15.9.06

Brasil é Ruy Barbosa mais Chico Xavier... sabem quem são, gentes do Puto?

Uma revista de grande circulação, cá do Sul, a "Época" decidiu escolher os mais destacados brasileiros da história, tanto pela escolha feita por um júri de 33 personalidades, como por uma votação popular, via Internet. A elite escolheu Ruy Barbosa. O povão preferiu o espírita Chico Xavier. Reparo, como entre os candidatos da elite, aparecem nomes como José Bonifácio ou o Padre António Vieira, bem como escritores como Machado de Assis e os outros habituais heróis brasileiros, de Juscelino a Getúlio Vargas, enquanto o povão andava mais pelo Ayrton Sena e pelo Pelé. Isto é, num tempo de crise de personalidades, o Brasil vai ao passado buscar os seus signos unificantes, assim se demonstrando como uma nação é uma comunidade de significações partilhadas.

Reparo como vão decrescendo os símbolos comuns à lusofonia. Noto como nas bancas populares ainda circulam em edições de bolso alguns dos nossos clássicos como Eça e anoto que Pessoa ainda aparece num qualquer supermercado, mas temo que a nova era da globalização nos pode distanciar, dado que não me parece que baste Saramago. Vale-nos São Futebol, onde o nome de Scolari faz sempre primeira página e onde também aparece o Deco aqui e ali, mas já sem memórias de um Otto Glória e de outros da mesma geração que nos ensinaram ao processo artístico do pé na bola e muita finta.

Ganhou o Ruy e muito bem. Pelo menos recorda-se alguém que foi quatro vezes candidato a presidente da república e perdeu sempre, quando os adversários da república musculada e militarenta lhe chamavam o Rui Verbosa, só porque tinha razão antes do tempo e clamava para esta terra a tripla exigência do abolicionismo, do civilismo e do federalismo. Que viva o baiano que, quando em 1916 foi apresentado o projecto de código civil ao congresso, num trabalho de Clovis Bevilacqua, decidiu trabalhar até altas horas na sua residência, com candelabro atado ao pulso por uma argola, e fazer cerca de mil e oitocentas emendas ao texto. Isto é ficaram mais as emendas do que a intenção de Clovis, para que assim se revogassem nesta terra os restos de Ordenações Filipinas que continuavam em vigor.


E tudo isto para continuar a confirmar que, em muitos casos, o Brasil que resta é mais português do que o próprio Portugal. Desde o direito, por causa da permenância das Filipinas, até meio século depois de termos aprovado o Código de Seabra, até ao próprio linguajar. Segundo os peritos, Camões teria mais sotaque português do que o actual ritmo da nossa preponderância da sílaba tónica, engolindo o resto. Que isto das periferias dos Impérios é mais fiel ao passado do que as antigas metrópoles. Até um professor de origem japonesa aqui da UNB me confirmou que Tóqui vem aqui estudar o japonês do pré-guerra, entre os emigrantes do Sol Nascente estacionados nesta terra de Vera Cruz...

14.9.06

Neste Brasil, cadinho de muitos povos e espelho do mundo inteiro

Mensalão, sanguessugas e ambulânciassão as palavras de maior carga emocional da política brasileira da actualidade, quando a corrupção se tornou palavra de todos os dias, gasta pelo uso e prostituída pelo abuso, nomeadamente pela invocação de uma vaga ética, destinada precisamente a corrigir o que seria natural na actividade política. Só que as denúncias de corrupção são eleitoralmente neutras, dado que todos os partidos têm titulares ou assessores implicados. Porque há oleosidades de mafiosa solidariedade que até levaram à recente decisão parlamentar sobre o fim do voto secreto dos congressistas, até para impedir que alguns se livrem de cassações.

Contudo, o drama do quotidiano parece estar mais interessado no que vai acontecer à taxa de juro e não é paradoxal a circunstância do recente pacote habitacional do governo Lyula ter recebido entusiástico apoio dos banqueiros. Porque nesta terra, com cerca de 70% de excluídos, é natural que a maioria eleitoral apoie um governo que lhe deu subsídio para não entrar na fome, apesar de tal entrega do peixe não significar que os subsidiados tenham aprendido a pescar, através do mirífico desenvolvimento sustentado. Aliás, Lula não se cansa de proclamar que cerca de três milhões de brasileiros entraram na classe média, graças às medidas que tomou.

Já um terço da população, o grupo dos remediados, aqui dito da classe média, vai girando em torno do discurso das chamadas eleites, cujo dicionário discursivo nem sequer é ouvido pelo tal povão. Porque é neste grupo que se situam as tradicionais divergências de tucanos, PMDB, PT e outros mais, nomeadamente o partido que foi de Brizzola e tem como candidato à presidência o professor Cristóvão Buarque, antigo reitor da UNB, e que invoca o velho nacional-desenvolvimentismo, citando os antigos correlegionários Paulo Freire e Darcy Ribeiro.

Entretanto, esta dinâmica democracia constituiu , a aprtir da sociedade civil, uma plataforma de luta contra a corrupção que imediatamente emitiu uma cartilha de medidas práticas de denúncia contra a corrupção eleitoral, ao melhor estilo do que foram os códigos e associações de consumidores das décadas passadas.

E talvez não seja por acaso que por aqui há 20 milhões de seguidores da religião espírita, de Alain Kardec, aqui actualizada por Xico Xavier. Dizem até que o fenomeno está agora a penetrar em força na classe média e nas próprias eleites.

É por via destes paradoxos que poucos repararam na reunião cimeira do Brasil, Índia e África do Sul, aqui ocorrida há dias. Este símbolo de uma emergente realidade que pode levar ao estabelecimento de um novo processo de relações entre o Norte e o Sul, com estas três grandes potências a mobilizarem o tertium genum reunido em torno dop grupo dos vinte. Todos querem esquecer as Tormentas e assumir a Boa Esperança.

O Brasil tem a vantagem de se assumir como uma espécie de espelho do mundo inteiro, este cadinho de povos entre o Velho e o Novo Mundo, onde a fome de justiça que se manifesta pode ser o sinal de um amanhã pós-ideológico, sem os falsos messianismos que mercaram o sectarismo do século XX.

13.9.06

Por aqui ainda há povão, carroças e saloios

Todos os dias quando acordo, aqui na residência universitária, vejo da janela uma família que habita sob um oleado, encostado ao parque de estacionamento do "campus". Mais adiante, vai chagando carroça com um desses saloios dos arredores que vem à cidade vender verduras e fruta. Reparo como o povão destas grandes massas ainda vive em regime de "docta ignorantia", não entendendo o discurso da elite politiqueira, mesmo a que vai cantarolando a causa operária. Também aqui este zé povinho não entende o exotismo de quem faz desta terra sítio de episódico turismo tropical que procura manconha, espiritismo ou sexo abrasador, quando burgueses e "yuppies" do mundo WASP se embedam de hedonismo terceiromundista, apagando, com dólares, euros e cartões de crédito a ética do puritanismo protesto que os fazem produtores austeros e cidadãos pacatamente silenciosos no dia a dia dos seus cinzentos nórdicos.

Porque o grande espaço deste Estado Continental, sem perspectivas hegemónicas ou expansionistas, apenas está condenado a crescer por dentro, transformando o povão em baixa classe média, mas correndo o risco de se fechar sobre si mesmo, sem assumir a missão que lhe cabe no mundo, que é a de contribuir para a mobilização da comunidade lusíada e, a mesmo tempo, sustentar a solidariedade com o mundo dos hispanos, para que valores universais como a democracia e o pluralismo, não continuem a ser traduzidos pelos calão, do anglo-americano.

Por tudo isto, sabe bem não saber novas da lisboetice capitaleira e politiqueira, dos cavacos, mendes e socráticos, desses que pensam ter como missão o civilizarem o que resta da nossa província, desde que deixaram de sai vapores da foz do Douro para o Brasil e bacalhoeiros, de Aveiro para a Terra Nova. O pior é que nesta ambição neocolonizadora os capitaleiros vão continuando a oprimir o que resta das nossas serras, assumindo-se como agentes colonizadores das novas potências da globalização. Felizmente que durante uns tempos continuarei liberto dessas teias de aranha mentais que vão entretecendo o que resta de uma classe política de pretensos controleiros da nação.

12.9.06

E que viva o Reino Unido!

Aqui continuo neste grande mar do sertão, onde os bandeirantes deram aos locais deste novíssimo mundo os nomes dos ventos de Atlântico Sul, aqui onde navegar é preciso para que viver possa continuar a ser possível, através de uma inevitável submissão para a sobrevivência, através de uma gestão das redes de influência em que se vão fragmentando as teias dos donos do poder. Onde quanto mais localmente feudal se situa o senhorio mais este tem de disfarçar-se de estadão.

E foi assim que assiti ao fim da carreata de Roriz e da sua candidata Abadia, ao estádio Mané Garrincha, coisas que ninguém fala aí entre as reportagens da macropolítica que só contabiliza tucanos e pêtistas, esquecendo que há um maior partido brasileiro, tipo saco de gatos, o PMDB, que aposta forte nas candidaturas locais e estaduais, nesse processo de contínua actualização do coronelismo e do federalismo. Porque nunca quis ser governo e dono da presidência, só uma vez a atingindo pelo acaso, quando Sarney teve de substituir Tancredo.

Digamos que, por cá, pouco interessa a leitura dos documentos fundamentais dos vários partidos e movimentos. Como diria o marechal Castelo Branco, na prática, a teoria é outra, isto é, a música celestial das doutrinas não explica como Lula virou liberal ou os tucanos, providencialistas, nesta plástica tão brasileira do submeterem-se para sobreviverem.

Reparo como o jornal principal cá da capital federal, retoma o título de uma gazeta liberal lusitana, "Correio Braziliense", quando o sonho da mesma revoluç-ao liberal ainda se conjuga em reino unido, congregando elites de aquém e de além mar, antes de comerciantes de grosso trato animarem a estúpida perspectiva nacionalitária do "passe bem, senhor Brasil", gerando estúpidos separatismos nos dois lados do Atlântico e não atendendo ao sonho de Silvestre Pinheiro Ferreira.

Muitos esquecem que a mudança da capital de Lisboa para o Rio de Janeiro não ocorreu por pressão de Junot, dado que a mesma era uma alternativa estratégica desde 16140, várias vezes acalentada por D. Pedro II e aparecendo até no Testamento de D. Luís da Cunha como objectivo nacional.

Porque nesta banda lusíada do Atlântico Sul, naquilo que foi a América Portuguesa, sempre se publicaram obras de exílio da Europa Portuguesa. Desde os trabalhos do miguelista José da Gama e Castro, ao primeiro volume dos Ensaios de António Sérgio. Por aqui peregrinaram ilustres nacionalistas místicos de estirpe maçónica, como Jaime Cortesão e Agostinho da Silva ou densencantados do 28 de Maio como Fidelino de Figueiredo. E por cá até morreu Marcello Caetano, semeando discípulos como Ubiratan Borges de Macedo, por acaso ligado familiarmente ao próprio Fidelino.

À esquerda e à direita, entre os sonhos do progresso ou as nostalgias da reacção, o Brasil sempre foi espaço, não de exílio, mas de refúgio e alento para transfigurações e redescobertas da arte de ser português. Sem este espaço de alento, conforto e reconciliação, com doçura tropical, muito do que melhor se produziu entre certos portugueses tinha ficado no limbo das boas intenções. Espero que a vida continue. Navegar é preciso. Viver também.

É que por cá se não cravaram fundas as garras inquisitoriais, ou o clericalismo anticlericalista dos que proíbiram vestes talares ou o toque de sinos. A tolerância é condição ontológica do Brasil. O novo mundo só existiu para que os europeus nele pudessem fugir a perseguições de dogmatismos e fundamentalismos,.

Não consta que nesta banda do mundo tenham emergido os totalitarismos, nem por cá se contabilizam democídios, como os que mataram cerca de 200 milhões de seres humanos no século XX, para que as doutrinas se pudessem martelar.

Por isso, o sonho construtivista de cidades voando para o paraíso, onde Brasília tem algo do sonho de Norton de Matos no Huambo, à procura de uma Nova Lisboa, para se transformar num eventual Rio de Janeiro e que algumas vozes da actual Luanda querem continuar, com a edificação de uma Angólia. Porque a terra que tem por capital uma cidade com nome de São Paulo alimenta algumas das sementes deste desejo de novo mundo e de novo grande espaço para o sonho dos que gostam de navegar no sertão. Viva o Reino Unido!

11.9.06

A lulice continua, com centrismo à mistura e radicais que, caso não existissem, teriam de ser inventados

Lá continuo ouvindo pela enésima vez os chamados blocos de propaganda eleitoral, obrigatória e gratuita, que também há a comercial, reparando como se repetem à exaustão os mesmos discursos, onde os tempos reservados ao PT nunca falam em PT, mas apenas na pessoa do presidente em exercício, assim se demonstrando como o antigo movimento plural de massas que se pretendia horizontalista se rendeu agora às maravilhas do verticalismo estadualista. Até ganhou a serena pose de um estadão moderado, que chama radicais aos oposicionistas que, outrora, lhe atribuíam o mesmo epíteto.

Nooto coomo os melhores aliados de Lula são precisamente os dissidentes pêtistas do radicalismo esquerdista revolucionário que com a sua berraria lhe permite colocar-se no centrão da gestão situacionista. Se eles não existissem teriam que ser inventados para o efeito. Porque, seja qual for a sua origem, todo o poder estabelecido tende a assumir o pragmatismo de, ao procurar manter-se, se colocar no âmbito de um discurso centrista, a fim de se disfarçar o conformismo da erosão, com promessas de reforma, feitas renovação na continuidade e permanência na evolução.

Daí que precisem de radicais à direita e à esquerda, para que se desenvolvam fantasmas e preconceitos que façam temer a mudança. Porque enquanto houver um qualquer cidadão sem pão que acredite no poder estabelecido, a situação continua. A revolução só acontece quando sucedem as vacas magras, mesmo que se mantenha a aparente força de outrora, ou se proclame a vitalidade da doutrina.

E aqui, em Brasil eleitoral pouco carnavalesco, sente-se que, apesar de haver natural crise política, se vive em efectiva paz social, dado que se conseguiu a proeza democrática da instiutucionalização dos conflitos, transferindo-se para o teatro visível da democracia o conjunto de frustrações das expectativas e de revoltas pela fome de justiça.

9.9.06

O tempo mudou, a chuva me deu afonia, mas comemorei o sete de Setembro

Afastado de um quotidiano onde podia aceder à net, posso dizer que fui vítima desta mudança de tempo que acompanhou aqui em Brasília as comemorações do dia da Independência, quando a chuva deixou o ritmo ocasional das chamadas pancadas e passou a um constante ensopar de terra, para alegre chilreio da passarada que se vai refrescando nas raras árvores do sertão. E lá se passou o dia 7 com desfile monumental das tropas na esplanada dos ministérios, para reforço do que aqui também se designa por auto-estima nacional, coisa que não é de esquerda nem de direita, nem da burguesia nem do povão, mas que pretende ser de todos. E lá reparei como os antigos gestores da ditadura se tentam reconciliar com a nova classe política, a fim de conseguirem um reforçozinho das verbas orçamentadas.

Aqui verdadeiramente se continua a sentir que a democracia não é o mesmo do que povo, mas mera entidade que o pretende representar, através de um sistema de canalização classista, de marca partidocrática. Mas também as chamadas ditaduras institucionais, que foram além do mero estado de excepção, nomeadamente as dos populismos e autoritaritarismos modernizantes, se assumiam como representativas desse mesmo povo.

A grande vantagem da democracia está na separação dos poderes, no pluralismo e na ausência de sistemas de repressão visível e, sobretudo, na implantação dos mecanismos do Estado de Direito. O grande defeito destas democracias continua a ser o indiferentismo das massas, face À falta de autenticidade dos modelos de participação política, bem como o agravamento da tradicional degenerescência da corrupção, aliada ao sentido de casta minoritária de uma classe partidocrática, também envolvida em processo de negocismo.

E não aprece haver doutrina ou modelo de organização partidária que a tal consigam pôr cobro, tanto à esquerda como à direita, dado que todas as provenções sistémicas acabam por falhar, face à ausência de uma efectiva autonomia moral do indivíduo.

E assim foram passando alguns dias de médicos, hospitais e drogarias, com algumas noites sem dormir, especialmente num país onde também a saúde é negócio e manha para os convencionados. Também aqui, mesmo no privado, saúde é senha na fila, à espera do direito ao atendimento, onde no fim há um burocrata intermediário, atrás de um guichet, com écran de computador e ligação ao sistema das facturas, que me atrasam a relação directa com a função, das batas brancas e antibióticos. Vale-me que li aqui artigo, no "Correio Braziliense", um artigo de Frei Beto, o tal teólogo da libertação que, outrora dizia que cristão é comunista sem o saber e que comunista é cristão mesmo sem o querer, para quem a salvação já não vem do Estado, das ideologias e dos partidos, mas da auto-organização da sociedade civil.

Por mim, sem voz, no plano técnico, devido à afonia, e sem voz num país, apesar de tudo, estrangeiro, nem sequer posso exercer pelo berro o meu cidadânico direito à indignação, que é coisa que, com garganta folgada, apenas posso ter nos corredores do São José, do Santa Maria e do Santo António. Aqui, no Pronto Norte, apenas tenho o marginal direito ao espectáculo de pedir, ganhando um ar de vítima que finge desconhecer mecanismos do sistema. Apenas reconheço que todos os palácios da saúde a que chamamos hospitais têm sempre este sabor a sombra cinzenta. Porque neste país de largos horizontes, neste grande espaço do gigantismo do sertão, onde a terra é folgada e a vista longa, estou condenado, como tantos outros, a ser encafuado em filas e gavetões.

Para os amigos, apenas digo que afinal a crise já está a passar. Amanhã, ou depois de amanhã, regresso à voz, às aulas e aos telefonemas.

5.9.06

A comunidade de significações partilhadas a precisar de investimento nas raízes...

Para os que continuam a dizer que estou de férias, apenas anoto que entre as 18 horas locais de ontem e as 1o horas também locais de ontem, averbei seis horas de aulas, quatro de pós, para doutores e mestres, e duas de graduação, para além de um prévio estágio no sistema não privado de saúde aqui do país, devido a uma complicação de ouvida, garganto-narigal, depois de sofer estas amplitudes térmicas sertanejas, com chuva e necessidade de hoje usar camisola. Apenas anoto que sabe bem ter que entrar em competição técnica nas minhas áreas com colegas de uma universidade que inspirou a criação em Portugal da ciência política e das relações internacionais, tentando confirmar se temos lugares comuns que permitam o diálogo e suficientes significações partilhadas que nos façam comunidade também universitária. E nada melhor do que sentir o quotidiano dos claustros de escola, quase com as mesmas grandezas e misérias de todo o lado. Vim aqui para ensinar, mas sobretudo para aprender...


Tenho andado a fazer uma peregrinação pelas nossas raízes comuns, em matéria de origem do político, tendo em vista a matéria de relações internacionais. Reparo que aqui chega bem mais seleccionadamente a central de conformação de conceitos do sistema anglo-americano, sendo traduzidos manuais de forma mais expedita, apesar de haver uma geometria variável de aulidades no sistema universitário brasileiro, onde, felizmente, há mais pluralidade de paradigmas do que na pequena casa lusitana, onde ainda são quase esmagadores os mestres-pensadores que nos continuam atraduzir em calão muitas modas que passam de moda.

Bem tenho pensado nesta emergência de um novo mundo lusíada do político e ainda ontem meditava na circunstância da formação do Brasil ter acompanhado a própria emergência do modelo pós-medieva, com Estado e Soberania, coisas que não existiam quando Pedro Álvares Cabral aqui desembarcou, antes de Maquiavel ser ditado postumamente e de Bodin ter teorizado a soberania. Aliás, no âmbito das revoluções demo-liberais do espaço ocidental, as revoluções sul-americanas, ficam situadas depois da inglesa, da norte-americana e da francesa, mas antes da primavera dos povos da Europa Central e Oriental, tendo o Brasil até exportado para Lisboa uma cópia constitucional que, entre nós, durou mais de meio século, nestas trocas e baldrocas políticas que nos fazem irmandade efectiva.

Mandaram-nos para a Lusitânia a Carta Constitucional, o partido dos brasileiros, ou chamorros, vencedor da guerra civil de 1828-1834, e a nossa querida D. Maria II, bem como, depois nos atiraram o positivismo republicano, com os brasileiros Sebastião Magalhães Lima e Bernardino Machado, tal como nós mandámos o Imperador, o Estado Novo e os constitucionalistas de 1976, talvez para compensar a circunstância de os últimos tempos do regime derrubado em 1974, ter sido pautado ideologicamente pelos modelos do Estado de Segurança Nacional de Golbery, para não falarmos nas relações de Gilberto Freyre com o almirante Sarmento Rodrigues, no lusotropicalismo. Está na hora de continuarmos este esforço, agora em conjunto com a própria CPLP. Basta assinalr como hoje foi emotivo o encontro com uma estudante cabo-verdiano, nesta pluralidade de pertenças do espaço de língua portuguesa. Basta relermos o Padre António Vieira, o José Bonifácio ou o Agostinho da Silva, para percebermos a urgência de superarmos a velha retórica dos Estados Unidos da Saudade, dado que os mesmo deixarão de existir se não fizermos investimentos culturais de povo a povo.

É por isso que depois de amanhã irei tentar viver a festa do dia da independência do Brasil, mas bem gostaria de poder ter comigo um arquivo que contivesse o discurso do presidente António José de Almeida, em 1922, quando aqui veio comemorar os cem anos do Ipiranga, proclamando vir agradecer ao Brasil o facto de se ter tornado independente. Precisava de o comunicar aqui no meu espaço de diálogo universitário, antes de poder começar minhas pesquisas na biblioteca do Senado, para refazer o espírito de Silvestre Pinheiro Ferreira e de Morais de Carvalho.


Já agora, faço outro pedido à comunidade dos meus leitores. Precisava que me enviassem para mim, para Universidade ou para outro ponto de acesso público o magnífico trabalho do esquecido António Vianna, Apontamentos para a História Diplomática Contemporânea, especialmente os dois prmeiros volumes, de 1901 e 1922, dado que um dos nossos principais historiadores das relações internacionais, não entrou no comércio das citações, tanto cá como em Lisboa. Mas aqui faz mais falta esse testemunho de um familiar de José da Silva Carvalho, o tal liberalão pedrista e azul e branco, chefe do partido dos chamorros. Se alguém consegue chegar ao Nuno Viana de Siqueira, descendente da família, agradecia. É uma tarefa urgente para a pátria comum da lusofonia. Às vezes, quando nos expatriamos nas nossas próprias origens, mais super-nação podemos voltar a ser.

2.9.06

De Brasília, com pancadas de chuva e visita a sebos

Depois de tantos dias a vinte por cento de humidade, aqui em Brasília, chegaram fortes pancadas de chuva que lavaram o ar e avivaram o vermelho da terra. Aproveito o temporal para dar uma volta pela feira do livro cá da capital, dado que este ano não tive tempo de ir à de Lisboa. Julgo que esta viagem pelos editores e sebos é um excelente revelador do estado cultural deste gigante adormecido e com o qual a língua portuguesa pode garantir a sua força de afectos para os próximos séculos. Noto, sobretudo, a forte presença de editoras religiosas, tanto católicas como protestantes, com o seu caudal de filosofia e teologia, e reparo como já está em saldo a literatura vulgarizadora do neo-marxismo, desde o gramsciano ao porto-alegrense, apesar de poder notar que a cultura coimbrã continua a estar bem representada pelo professor Boaventura, que aqui se diz "Souza".


Volto a sublinhar como por estas paragens sempre se deu grande destaque à produção internacional de sociologia e de politologia, talve por causa da República Positivista que transformou em lema nacional a divisa de Comte e pôs na bandeira o verde que ele propunha para a salvação da humanidade. Mas talvez tenha sido por causa disso que o lado antipositivista aqui também floresceu, nomeadamente o neotomismo maritainista, bem represemtado pelo fulgor de Alceu Amoroso Lima. Nesta terra de contrastes, a sobrevivência impõe que se pratique o pluralismo e impede a unidimensionalidade, mesmo quando o Estado tem uma doutrina e se transforma numa força que a difunde a partir do vértice.

Apesar de bem distante de Lisboa, o celular tocou para eu comentar as afirmações do antigo chefe dos nossos patrões, sobre a eventual necessidade de um novo partido de direita. Reparo também que um grupo de amigos de um antigo, mas jovem, líder de um dos ainda existentes partidos, decidiu emitir um manifesto de direita, arrependido que está de ter ajudado a lançar um partido que não se dizia da direita, mas que agora reentrou em fundacionalismos, exorcizando o pequeno passado que tem. Não comento. Se a direita são os conselhos de Ferraz da Costa e da sua direita dos interesses e o tal manifesto, é evidente que com eles não me identifico. Continuo um radical do centro excêntrico e a subscrever o que está na coluna esquerda deste blogue. Navegar é preciso, viver assim não é preciso...

1.9.06

Trago comigo um nome libanês, sem o saber

Cá continuo vivendo este quotidiano sertanejo em campanha eleitoral unidimensional que à mesma hora e em todas as estações de rádio deste grande espaço nos traz os mesmos candidatos, o tal "newspeak" ao serviço de um "big brother" democrático, numa lenga lenga discursiva onde ninguém consegue distinguir a direita da esquerda, dado que o situacionismo de esquerda assume poses de estadão e a oposição de direita brinca à demagogia esquerdista. Só desalinham as candidaturas marginais da extrema-esquerda, dos religiosos protestantes ou do populismo que usam e abusam do tópico corrupção, com muitas palavras que metem "mensalão" e "sanguessugas". Por outras palavras, nesta campanha não se discute política nem se vende ideologia.

O lulismo perdeu a ganga do messianismo libertacionista que o marcou e o propagandismo tornou-se numa espécie de normalidade não dramática. O povão continua a discutir os casos do dia policiais, onde um assassinato no Rio de Janeiro é discutido num barbeiro da Amazónia, nesta emotiva e avassaladora comunidade de significações partilhadas, onde a comunicação social desempenha um lugar relevante na unidimensionalização das emoções. Acontece também que esta democracia institucionalizada também se tornou enfandonha, sobretudo quando as grandes questões que marcam o ritmo parlamentar aqui no Planalto se recobrem com a ganga juridicista e regulamentarista, naquilo a que infelizmente dão o nome de Estado de Direito.

As grandes massas da geografia da fome continuam aviver num ritmo de multidão solitária, porque se na Europa da UE há dois terços de remediados que vão vivendo menos mal, por cá há dois terços de excluídos, dada a ausência de uma equilibrante classe média. Resta saber se esta gente aparentemente massa não pode explodir de um momento para o outro em revolta. Nem que seja pela fome de justiça. Tudo depende da circunstância da comunidade internacional poder entrar em "out of control".

Por estas razões decidi ontem ir a um comício, por acaso num establecimento policial, promovido pelo modelo sindical deste Brasil do PT, e reparei como o discurso dos líderes locais é bem mais afectivo do que o enfandonho dos tempos de antena. Aborda-se o concreto, nota-se fé no pluralismo e na participação e não existe agressividade ideológica. Curiosamente, ao começo da noite fui a um espectáculo de música indiana, no belo e largo espaço do auditório do sindicato dos bancários de Brasília e reparei como esta intervenção cultural dos sindicatos assume uma dimensão que já perdemos na Europa das centrais sindicais à procura do subsídio do Fundo Social.

E não foi por acaso que fui à música indiana. Onde até havia um violinista chamado Narayane, como o outro. Foi numa viagem à Índia que Pedro Álvares Cabral descobriu oficialmente a terra brasil, foi por causa do triângulo Portugal, Brasil, Índia que demos novos mundos ao mundo, escapando-nos da tenaz das cruzadas que marcava Roma e a Europa do Norte. Decidimos ir além, baralhando e dando de novo, fugindo, então, à tradicional crise do Médio Oriente. Hoje, entramos na fila dos que costuma tratar os assuntos do Levante com os pés.

Também reparei, ao consultar a lista das famílias com o meu patronímico estabelecidas no Brasil desde o século XVIII. As mesmas que também foram para Portugal na mesma época, que o meu nome de família, vem da ilha de Malta ou Melita, um antigo nome fenício para "refúgio", coisa que os portugueses justamente traduziram para "porto seguro". Cheguei assim à conclusão que trago comigo, sem o ter sabido até agora, um nome libanês, dado que nunca acreditei na tese que dava à ilha um étimo grego que quer dizer o mesmo que "mel".

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