a Sobre o tempo que passa: setembro 2007

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.9.07

Pedimos desculpa por esta interrupção, o programa do mais do mesmo, afinal, pode continuar dentro de momentos...



As eleições directas do PSD suscitaram imensos prognósticos depois do apito final dos que não gostam de correr o risco de voltar a repetir os comentários que fizeram antes da mudança. Por mim, corri o risco de aceitar o desafio de vários órgãos da comunicação social e posso repetir à saciedade o que disse antes da mudança. O que comentei para os jornais Meia Hora, Diário de Notícias e Expresso está disponível, bem como o balanço final que fiz no sábado, para a SIC-Notícias, na revista de imprensa.






Disse ao DN: "As directas têm pelo menos a vantagem de permitir uma fotografia exacta do partido. Dessa fotografia ficará a perceber-se que o PSD ficou reduzido a uma federação de caciques e notáveis locais. As bases são uma federação de bolsas de caciques. O partido esvaziou-se em boa parte da sua função. E num partido que não tem função todos ralham e ninguém tem razão. Os principais culpados são os senadores do PSD que lavaram as mãos como Pilatos."






O diagnóstico é feito por José Adelino Maltez. Este professor catedrático de Ciência Política e observador atento da vida interna dos partidos, considera que, apesar da crise, não existe o perigo de uma cisão nos sociais-democratas: "Pode haver ameaças, mas não passa disso. Santana Lopes também andou a ameaçar e não avançou. Porque nenhum deles existe fora do contexto, fora do aparelhismo, nenhum deles existe sem estar naquele sítio.






"A situação interna não é animadora. Mas, segundo Adelino Maltez, o PSD "sempre se habituou" a viver em crise. Na sua opinião, não existem dois partidos dentro deste partido. "Há é uns que se puseram em bicos de pés e uma imensa maioria que se pôs de pé atrás. Quem for agora o líder, será sempre de transição."Há grandes diferenças entre Mendes e Menezes? "Luís Filipe Menezes é um populista com uma agência de comunicação profissionalizada, que lhe faz o discurso. Marques Mendes é um populista artesanal. Ambos são claramente populistas, mas estão ainda na fase pré-populista, que é a demagogia. O populismo implica um actor aceite pelas massas, com um mínimo de carisma. Implica uma certa atracção e uma relação directa com o eleitorado", sublinha Maltez.






Já ao Expresso, salientei: A Democracia exige espaços de diálogo, de consensos, mas em Portugal não temos uma tradição de institucionalização de conflitos... cá é tudo ou nada, numa lógica de amigo/inimigo". Consequência: destes conflitos resultam sucessivas dissidências, os partidos empobrecem, as lideranças enfraquecem, as segundas linhas desaparecem... Antes disto, o PSD estava uma pasmaceira, agora, exteriorizou uma crise que estava latente. Não sabemos no que isto vai dar, mas o PSD vai voltar a discutir política.






Para os que não conhecem estes processos comentaristas, resta dizer que as frases publicadas são retiradas de conversas telefónicas com os jornalistas em causa, os quais seleccionam, quase sempre bem, o que consideram mais relevante. Outro é o processo de intervenção directa na televisão, onde o próprio não o consegue resumir. Sirvo-me da reportagem blogueira que fez o meu amigo e companheiro Rui Matos, mas sempre acrescento o paralelo que fiz com o modelo espanhol, onde o filósofo Savater procura constituir um novo partido com dissidentes do PSOE e do PP e movimentos da sociedade civil, contra o nacionalismo e o clericalismo, enquanto, por cá, um professor de marketing semeia um partido-laboratório pela internet.






Reparo agora que neste país dito de doidos, neste pobre país, o nosso, onde o PS e o PSD são duas faces da mesma moeda do Bloco Central, surgiu agora um actor à procura de guião, coisa que um dos principais representantes do situacionismo, Soares, já qualificou como uma desgraça, esquecendo-se do apoio que deu ao monteirismo, só porque estamos perante alguma coisa que vai além do Tino de Rans, de Fátima Felgueiras, de Valentim Loureiro, de Alberto João Jardim ou de Isaltino de Morais e que constitui uma consequência da chegada ao poder de Paula Teixeira da Cruz. O que significa que pode começar a derrocada deste modelo de fidalgotes e gerontes, misturados nas curiosas comissões de honra, com que os senadores e notáveis tentam controlar ou proibir as directas, reservando a crítica para as graçolas do Gato Fedorento ou dos bonecos do Contra-Informação e não confundindo os silêncios sobre a Birmânia com os apoios a Hugo Chávez. Pedimos desculpa por esta interrupção, o programa do mais do mesmo, afinal, pode continuar dentro de momentos...






PS: Deixo imagem que o Rui Matos me enviou...

28.9.07

Neste regime de agonia, onde o antes de o ser já é o mero não era...


Mendes contra Menezes não são causa, mas sintoma dos tiques de sociedade de corte que vai amarfanhando as canalizações da nossa representação política. Não se trata de uma teia mafiosa, bandocrática nem corruptora, mas antes de uma federação de pequenas quintarolas de micro-autoritarismos e de personalizações de poder que se plenificam em guerrazinhas de homenzinhos que, invocando o nome de Estado em vão, logo se reproduzem como viroses, em vindictas e pequenos clientelismos. E todos se alimentam da energia provinda da luta de invejas e dos espasmos da vindicta, que liquidam a hipótese de mobilização para o bem comum.


Os muitos sinais desta degenerescência são patentes tanto na chamada administração do Estado como até em instituições das antigas sociedades de ordens que o auxiliavam, desde as universidades aos tribunais, chegando ao interior das forças armadas e de outras mais altas instâncias representativas. Todas começam a estar asfixiadas pela fragmentação da ideia institucional e pelo crescendo do neofeudalismo, do sectarismo e do neocorporativismo, os quais vão transformando a democracia e o Estado de Direito em espaços meramente formais, que apenas servem de para o exibicionismo dos poderes fácticos e da hipocrisia.


Esses vermes não percebem que democracia e pátria são valores mobilizadores que fazem com que, pelo prazer da cidadania, o "um mais um" possa ser mais do "dois". E também não percebem que, se nos continuarem a amarfanhar, "um mais um" pode tornar-se em "menos do que zero".


Há crescentes sinais de antropofagia psíquica neste labirinto decadente, ocupado pelos que não reparam como a anedota de Monsieur de la Palisse está reflectida no espelho que relata as nossas circunstâncias, só porque a efectividade da morte anunciada pode ultrapassar o tal quarto de hora e prolongar-se por mais dias, meses ou anos, neste regime de agonia, onde o antes de o ser já é o mero não era.


Porque o presente do indicativo já é realmente pretérito, não havendo sequer condicional que nos permita conjugar o futuro, mesmo que os cadáveres adiados continuem a procriar música celestial e gongóricos exercícios de pestíferos conluios.


Quando os pequenos chefes entram no círculo concêntrico das kafkianas ameaças, apenas querem que as mais valias das criatividade individuais se reduzam a minúsculas peças de uma qualquer abstracção maquinal.

27.9.07

Para além da guerrazinha dos luizinhos e do espectáculo dos pedrinhos interrompidos pelos mourinhos


Ontem, foi dia particularmente sentido. Recomeçaram as aulas em plenitude, sobretudo a emoção do reencontro com uma plateia de alunos, nessa quotidiana aventura de quebrarmos as barreiras da função e de descobrirmos os signos das novas gerações que renovam quem somos, onde quem ensina deve ter a humildade de continuar disposto a aprender. Ontem, também foi a notícia da morte de um mestre de vida e a volta que dei por outra secção da universidade, onde retomei a senda de contacto com mais sábios mestres e mais jovens professores, alguns dos quais meus alunos. Ontem, entre a morte e a vida, a vida continuou sua senda.


Hoje, novo dia. Quem, todos os dias, se escreve publicamente, deixando que todos possam peregrinar suas luzes e sombras, apenas admite que todos passeiam com os pés na lama do caminho, mas de olhos postos no sonho. Porque, nestes meandros que vamos partilhando com todos os outros, podem surgir pequenos retalhos de uma vida que é comum a todos aqueles animais que, por se reconhecerem finitos, trataram de inventar o infinito. Porque, ai de nós, se não assumirmos a história e o mistério dos seres que nunca se repetem, vivendo acontecimentos que também nunca se repetem.


Porque se, todos os dias, chegam sinais de amargura e revolta, quem ousa ir além do ritmo da harpa dos descrentes e do fel que nos circunda, pode envolver-se na própria força da esperança, do querer ir além da espuma do efémero. E nada melhor do que o reforço da solidariedade de velhos companheiros e amigos.


Ontem foi dia de pensar na morte, em nome da vida. E lá consegui continuar a olhar o sol de frente, nesta sucessão de encruzilhadas de que, afinal, é feito o quotidiano de quem não segue a lógica do homem de sucesso e rejeita dividir o mundo entre os bons e os maus, entre os conjunturais aliados das ilusórias guerrazinhas e os pretensos inimigos, com que alguns confundem as ameaças da mudança, os quais, afinal, não passam daqueles diferentes que os opositores recusam compreender.

Porque vale a pena recusar aquela concepção do mundo e da vida segundo a qual tem razão quem vence. Porque vale a pena o diálogo da polémica e da institucionalização dos conflitos da ideia de democracia, de acordo com aquela perspectiva neoclássica dos que não têm inimigos, mas diferentes perspectivas sobre os mesmos lugares comuns e o mesmo bem comum, institucionais, quando ainda há ideia de obra, regras que se respeitam e comunhão de coisas que se amam.




São sinuosamente longas estas veredas da vida que se situam naquela zona onde o público interfere no privado e pensa poder comandar a vida pessoal. Especialmente quando, muito esquizofrenicamente, reduzimos a tal vida ao processual mundo dessas abstracções chamadas relações jurídicas, as tais relações da vida social que o poder do Estado escolhe moldar, para que o teatro da administração da justiça, em nome de outra abstracção chamada povo, finja que o direito se pode confundir com a realidade, dando aos juízos de valores sobre conflitos de interesses, plasmados na lei, a coloração de um certo mínimo ético. É por isso que não comento a guerrazinha dos luizinhos e o espectáculo dos pedrinhos interrompidos pelos mourinhos. Daqui a uns breves espaços de tempo lembrarão tanto como a eliminação dos dragões pelos fátimas e nem sequer serão notas pé-de-página da micro-história.

Há políticos que foram cimeiros porque antes foram presidentes de clubes de futebol e por causa de também antes terem sido comentadores profissionalmente televisivos de jogos de futebol, mas que agora se revoltam com interrupções de directos sobre a chegada ao aeroporto de treinadores de futebol. Aliás entre pedrinhos e mourinhos há o mesmo estilo de chicotadas psicológicas, embora diferentes histórias de sucesso quanto às políticas de imagem e de gestão de carreira. Porque, entre o que parece e o que é, há sempre o risco de não se comandar o "agenda setting", incluindo os figurantes contratados pelo PS a uma ilustre fábrica de palhaços, para ilustrarem um livro sobre as leis da república, onde até liberais como Almeida Garrett e José Estevão lá ficaram militantes do partido republicano-socialista, para risada da história retroactiva, com que nos querem lavar as memórias.


Quando vale tudo na luta do poder pelo poder, resta a demagogia profissional do discurso eficaz e o populismo calculado pelos tecnocratas da comunicação política, pelo que toda a macropolítica pode ser reduzida a um país que está tão são que até pode ficar dependente de quem foi ao multibanco pagar as quotas de duzentos militantes da cidade de Maringa, na Amazónia, sem atender a todos os parágrafos de um parecer do Professor Doutor Jorge Miranda. Estou convencido que se o mourinho se candidatasse enquanto o pau vai e vem, ele ganharia todas as directas, incluindo as da república.

26.9.07

Joaquim Jorge Magalhães Mota


Morreu Joaquim Jorge Magalhães Mota. As biografias oficiais hão-de falar no fundador do PPD, no ministro, no deputado, no militante de ideias. Eu falo nele como alguém a quem devo muito de quem sou. Sobretudo, pelo exemplo de vida. Fui seu adjunto num dos governos provisórios e sempre o considerei como o paradigma de servidor público, misto de inteligência e de honra, com a dignidade da coragem. Talvez o melhor ministro que conheci, pela imparcialidade, pelo rigor do despacho, pela capacidade combativa. Mais: ele foi um dos meus professores de democracia viva e vivida. Nunca fui militante dos partidos a que deu cidadania, nem dos muitos movimentos a que se entregou, mas tive o privilégio de sempre dele ter recebido confiança. Magalhães Mota foi um dos pais da nossa democracia e teve a nobreza de a servir, sem dela procurar servir-se. A melhor maneira de o homenagearmos é continuarmos a respectiva ideia, com a força do sonho de que nunca abdicou. Todos os que com ele privaram, colegas, companheiros ou adversários, guardaram esta semente. É mais um, dos raros, que da lei da morte se libertaram.

25.9.07

"O Mundo é hoje tão complexo e os desafios da economia global são tão grandes que precisamos da ajuda de todos..."



O Mundo é hoje tão complexo e os desafios da economia global são tão grandes que precisamos da ajuda de todos...”, afirmou o presidente de uma certa petrolífera, elogiando o lóbismo de uma certa fundação, à saída de uma audiência de um certo presidente, que disse não querer ser rainha de Inglaterra, com outro ex-presidente, cada vez mais como a passada rainha-mãe, no mesmo dia em que mais outro presidente, não nacionalizado nem nosso, Ahmadinejad, do Irão, na Universidade de Columbia, proclamava: "Nós não temos isto em nosso país. Não sei quem lhe disse isso". Por outras palavras, os devotos e puritanos ahmadinejadistas, se não recebem lóbis académico-petrolíferos, fazem lóbi junto de fundacionais universidades da globalização. Todos os loibos uivam, embora os nossos, no perder é ganhar tudo é desporto, nos tenham emocionado, e bem, com a simples restauração de um símbolo nacional, tal como Scolari, de outras eras, pôs milhares e milhares de outro símbolo, em nossas janelas e varandas. Até eu pus a azul e branca em minha casa da Junqueira, para provocar o meu vizinho belenense que tem Pátio dos Bichos.




Ao que consta, o iraniano não estava a referir-se aos quase oito mil militantes sociais-democratas dos Açores que não puseram as quotas em dia, mas que ainda as podem regularizar, alterando as regras do jogo, já quase nos últimos minutos da segunda parte, embora, para muitos outros, o princípio da igualdade levasse a que fossem menos iguais no impugnável acto. Porque “
em democracia as coisas são assim. As pessoas discutem umas com as outras, têm divergências ou não, mas isso não tem nada a ver com as relações pessoais entre elas”. Talvez por isso é que as futebolistas "nuestras hermanas" do Torrejón, decidiram pedir subsídio às petrolíferas iranianas, pousando em privado olhar patrocinador, como mostra a imagem supra, que hoje ocupa as parangonas dos grandes jornais da globalização, a tal coisa tão complexa como os loibos que hoje vão defrontar a Roménia e que certamente não irão repetir a cena das torrejonetas.
Coisa que engenheirada por um lóbi energético sempre lhes poderia acrescentar o pecúlio de nosso tão complexo mundo, onde o último a rir que feche a porta. Os "cartoonistas" dinamarqueses e suecos que se cuidem. O prometido jogo de futebol para superar a crise do Médio Oriente, conforme proposta de Diogo Freitas do Amaral, já não é a prioridade das prioridades da nossa política externa. Mas um jogo em Teerão entre os lobos, trajados de forcado, e as torrejonetas, como vieram ao mundo, com o patrocínio de Madail, de fato e gravata, bem ajudava que discutíssemos as energias alternativas e as alterações climáticas, sem recurso a escutas da Universidade Independente ou a bagatelas de gémeos e mugawianos...

Breves notas, mui metafísicas, contra os bacanais do ódio


Ontem, impressionou-me o discurso de Gordon Brown ao "Labour". Não tanto pelo que disse e mais por aquilo que a cultura política do respectivo ambiente o obrigou a dizer. Disse o que poderia dizer um "tory", pelas mesmas razões que levam a que as ideologias passem e as culturas fiquem, quando assumem que só é novo aquilo que se esqueceu, porque só é moda aquilo que passa de moda. De facto, não há pensamento sem pátria, sobretudo entre os filhos da primeira das revoluções atlânticas que conseguiu ser eficaz porque, como ensina Hannah Arendt, foi uma revolução que fez o exacto contrário de uma revolução.


As revoluções apenas servem para que os escravos prefiram a utopia, dos sítios sem lugar, à subversão da justiça e à eficácia das reformas. Pior ainda são os serôdios revolucionários frustrados que, decretinamente, nos despacham contra a lei e o direito, cumprindo aquela previsão do meu saudoso amigo Mário Sottomayor Cardia, quando falava na subversão a partir do aparelho de poder...


Porque os nomes nunca conseguiram fazer a coisa, eis que o hábito de reformador, mesmo que usado por um revolucionário arrependido, não gera, por si mesmo, o monge criador de qualquer "ratio studiorum", sobretudo quando esta impõe que se faça crescer para cima e para dentro.


Há palavras que só podem acontecer, sentidamente, quando se vive como se pensa. E há dias de, assim, viver o segredo de viver. Dias em que voltamos ao prazer da criação. Dias de olhar quem somos, em sinfonia. Neste esvoaçar da metafísica de um som que nos dá sonho. Para colhermos, na emoção da paisagem, uma simples semente de liberdade.


Há dias peregrinos, de todo o mundo ser espaço de passeio, neste caminhar por caminhar, sem procurar chegar. Há dias de sorver todo o azul que nos trouxe o tempo de mudança, dias de viver inteiro, sem que os muros nos detenham.

Porque hoje não apeteceu sulcar os meandros eruditos, académicos de tantos livros que não li. Preferi recordar Antígona: não nasci para odiar, mas para amar. Há húmidos caminhos do sublime, esse fluido dos deuses onde, vencendo os limites, não varamos as regras eternas e imutáveis que ninguém sabe como surgiram e que, de nenhum decreto, tiveram vigência.


É esse o sinal distintivo da criação. Que seria de nós, simples mortais, se não ousássemos, de vez em quando, o mais além? Sem esse prazer de viver, viver não teria sentido...


Sou tanta gente antes de mim que, quando por mim dentro me procuro, é em todos os outros que me confundo. E assim, com os outros, em comunhão, sou bem mais do que me penso.
O antigo já foi moderno, de que o moderno há-de ser antigo. Só há o verdadeiro no tempo, mas fora do tempo...


PS: Chagall, com toda a metafísica cumplicidade

23.9.07

Quando os moribundos voltam a ser aparições... o importante não é ser ministro, mas tê-lo sido


Abro os jornais de domingo e deparo com uma parangona onde se fala de dois políticos muito à esquerda que aumentaram os respectivos rendimentos declarados de forma directamente proporcional ao negocismo: um passou de 9 mil para 172 mil euros e outro, de 36 mil para 371 mil, assim se confirmando o dito de Almeida Santos, segundo o qual, em Portugal, o importante não é ser ministro, mas tê-lo sido. Entretanto, um dos luíses denuncia a circunstância de ter sido assediado para uma conspiração de almoçadeira por um dos três principais mosqueteiros do outro luís, mais luizinho, seu rival, o tal que considera o anti-otismo como nova dogma de fé do principal partido da oposição, assim declarando como heréticos todos os laranjas do Centro e do Oeste, liderados pelo professor doutor Manuel Lopes Porto.


Por outras palavras, o situacionismo parece cada vez mais enredado num situacionismo serôdio, onde o rejuvenescimento parece vir das visitas à Lusitânia dos comissários da ONU para os refugiados e para a luta contra a tuberculose, Guterres e Sampaio, ou para as actividades lobístico-petrolíferas da fundação do antepenúltimo presidente da nossa república, aprofundando as relações com o regime huguista que ainda recentemente condecorou o mais citado e mais dos nossos investigadores de ciências sociais. Enquanto isto, outro monstro sagrado da globalização alternativa, o galego Fidel, passa de moribundo a aparição, cem dias depois da última descida à televisão, agora para apoiar a nuclearização do Irão e aquecer a defunta guerra fria.


Com o bastonário dos nossos advogados a assumir-se como arrazoador de uma das partes do mais mediático e global dos processos de investigação policial da nossa história, onde os respectivos pergaminhos penalistas garantem a natural imparcialidade da pessoa colectiva pública que representa, resta-nos comentar a gestão da carreira de José Mourinho. Apenas reparo como toda esta sucessão de disfuncionalidades já transformou o nosso sistema de gestão da democracia num espaço de cadáveres adiados que procriam os métodos de "killer instinct" dos perfumados abutres que aguardam, por trás do reposteiro, o momento exacto para que, mais uma vez, Talleyrand coloque no trono um qualquer pateta que lhe possa manter o estatuto de traidor perpétuo.

21.9.07

Não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las


Depois da tempestade com que trovejou o começo da noite, chega a bonança da madrugada, as ruas lavadas, o ar limpo e o silêncio que precede o bulício da cidade. Espreito as notícias do dia, tento descortinar os signos que mobilizam o "agenda setting" e as bandeiras que se agitam nas guerras informativas. Até reparo que a nossa presidência da União Europeia já não é o "jogging" de Washington, mas a possível visita de Mugawe a Lisboa, ou a nomeação do bastonário dos nossos advogados como defensor dos McCann, sempre com Gordon Brown em fundo e com a saída de José Mourinho do Chelsea, enquanto Menezes queima os últimos cartuchos da sua saga antimendista. Desvenda-se o nome do académico com experiência empresarial que vai suceder a Paulo Macedo como Senhor Impostos e o novo Código do Processo Penal continua a ser confundido com as parangonas dos preventivos que têm de ser libertados. Espero que a Autoridade Nacional da Concorrência não abra um processo às universidades públicas que, em vaga, decidiram aumentar as propinas quase até ao máximo legal: perdoaram 14 euros...


Já mergulhado em plena "rentrée", apenas tenho saudade dos passeios que dei no Parque do Castelinho, da mochila, das sapatilhas dos "jeans", ouvindo as rolas e as gaivotas e o som dos galos de além fronteira. Recordo o lançador de morteiros à beira-rio, na festa de nossa Senhora da Ajuda, a azáfama das zeladoras dos altares de rua e os mordomos e mordomas que desenhavam flores diante da Igreja, usando chá verde, segundo as técnicas das mandalas budistas.


Por isso tento esquecer os bacanais de ódio que certa face invisível do poder estabelecido costuma provocar, esquecendo-se que assim se gasta pelo mau uso e se prostitui pelo abuso, quando coloca os instrumentos aparelhísticos disponíveis a nível da cloaca. Apenas noto, como dizia mestre Herculano, ao definir o essencial de um liberal: "Há uma cousa em que supponho que ate os meus mais entranhaveis inimigos me fazem justiça; e é que não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las".....


Repito o que já aqui observei: tudo parece continuar como dantes, entre aqueles resignados cujo destino sempre foi o de comer chicote, calar cenoura e esperar por mais, admitindo a hierarquia dos filhos e enteados, especialmente quando quem manda depende do levantamento mediático que instrumentaliza o pedibola, ou que faz assentar o financiamento partidário na barganha dos resultados e das arbitragens, nesse conúbio mesquinho onde continua a pagar o justo pelo pecador, para gáudio místico dos vendedores da banha da cobra, que tanto comentam a encíclica como o défice, como se Jesus Cristo percebesse alguma coisa de finanças. E quase apetece passar para o estado de activa intolerância face aos hipócritas e falsários que, refugiados no colectivismo moral da seita em que se inscreveram, nos querem condenar às grades da dependência.


Os restos da sociedade de corte provindos do salazarismo têm redobrado de actividade. Sabem que o poder em Portugal não é uma coisa que se conquiste, mas uma teia de relações de cumplicidade, quase todas discretas e algumas delas secretas. Utilizando a linguagem de Michel Foucault, podemos dizer que há uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto.


E entre esses vários micropoderes feudais e patriarcais, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução, onde, para além dos controlos dos meios de comunicação social, há que salientar os gestores de conversas de salão, gabinete e conferências, desses pretensos "gurus" que, pintando-se de "mahatmas", não passam de almas policiescas, ávidas do caceteirismo expurgatório. Por mim, resisto.

Há sempre o tal poder que, segundo Robert Dahl, é "qualquer meio pelo qual uma pessoa pode influenciar o comportamento de outra". Em sentido amplo, qualquer meio utilizado por um actor para aumentar as suas possibilidades de atingir o objectivo pretendido. Um meio de que dispõe o sistema político para transformar os "inputs", das reivindicações aos apoios, em "outputs", em decisões.

20.9.07

O Estado já não somos nós...


Ontem e anteontem, em termos futebolísticos, perdemos quase tudo e não ganhámos em nada. Até José Mourinho foi despedido pelo russo que manda no Chelsea. O reitor dos reitores acusa o governo de estrangular as universidades e uma universitária de Coimbra parece ter sido degolada por ciúmes. Aquilino já repousa no Panteão, enquanto teorias da conspiração de há mais de um século tudo reduzem ao "simplex" maniqueísta de republicanos contra monárquicos, ou do bem contra o mal. O parlamento reabre e tenta fintar o óbvio: grande parte dos portugueses não é situacionista nem oposicionista, mas cada vez mais indiferentista, ainda sem exibir o gesto de revolta do Zé Povinho.


É assim o homem comum dos tempos de decadência. Fecha-se sobre si mesmo, faz cálculo utilitário e procura o máximo de prazer com um mínimo de dor. Diz que a política é para os políticos, descrevendo-a como uma guerrazinha dos homenzinhos que andam lá pelas alturas. E assume o abstencionismo activo. O problema é deles, dos que brincam ao chicote acenourado, porque "L'État c'est lui". O Estado é um inferno dos outros que nos pode queimar.


O novo Código do Processo Penal é deles, foram eles que o fizeram, são eles que agora gastam energias em discussões do sexo dos anjos. Eles, a corporação dos políticos instalados, eles a corporação dos operadores judiciários, os magistrados, os advogados, os polícias, os funcionários judiciais, os governantes, os deputados. A administração da justiça em nome do povo já não é do povo, mas das enferrujadas canalizações da nossa representação política, desses filhos de algo que estão instalados lá nas alturas. O Estado já não somos nós.


Entretanto, vai decorrendo o processo eleitoral polaco, a preparação do ambiente que pode ou não levar ao Tratado de Lisboa. A Europa também é deles. E o Tratado quase a mesma coisa que o nosso Código do Processo Penal. Ambos podem ser excelentes diplomas, mas estão cheios dos ácaros das negociações de alcatifa. Quando, afinal, o que pode estar em causa são as relações entre antigas superpotências e, sobretudo, o processo de renegociação do novo acordo comercial entre a União Europeia e Moscovo.


O povo português e o povo europeu assistem como simples audiência ao "share" que nos dá o "jogging" de José Sócrates em Washington, em Moscovo, ou em Pequim. Pedimos desculpa por esta interrupção, a grande maratona de Lisboa regressa depois do interregno. Dizem que José Mourinho pode ir para o Barcelona. Ninguém diz que ele pode vir a substituir Scolari. Quem meteu o golo ao Sporting foi o Ronaldo. A vida continua.


19.9.07

Haverá actos de violência menos violentos do que certos estados de violência?


No dia em que os restos corporais de Aquilino são recolhidos no Panteão Nacional de Santa Engrácia, num gesto simbólico de homenagem a que me associo, sermos pátria seria colocar sob o mesmo manto de comunhão os restos de el-rei D. Carlos, para definitivamente enterrarmos o magnicídio de 1908, porque o ricochete desse acto acabou por matar o Sidónio Pais em 1918, por produzir a Noite Sangrenta de 1921 e o assassinato cobarde de Humberto Delgado em 1965. No século XX, todos matámos e morremos. Já chega!


Por isso, prefiro recordar o perfume de palavras de paz que nos trouxe a visita do Dalai Lama. O mesmo que veio dizer que os portugueses não têm que ser budistas, sugerindo que peregrinemos pelas nossas raízes a fim de redescobrirmos as tradições que nos podem dar futuro. Mas acrescentando que todas as religiões, incluindo a dele, se assumem como uma verdade absoluta, pelo que cada uma delas está condenada a respeitar as outras. Por isso não vou falar de fantasmas carbonários ou preconceitos buissidentes, porque teria de fazer uma comparação entre religiões universais e religiões seculares.


Porque nisto de confrontarmos absolutismos já tivemos Tárique antes de haver cruzadas, conquistas de mouros antes de haver monarquia da reconquista, donde até se fez Portugal. Tal como houve inquisição e queima de igrejas, judeus baptizados à força no Palácio dos Estaus e mártires cristãos. Até o Dalai Lama ainda não excomungou a guerrilha tibetana contra o ocupante chinês, falando antes, e justamente, na tortura a que são sujeitos os seus fiéis, quando procuram exercer a liberdade de expressão contra a morte lenta do genocídio cultural, a que a paciência pós-totalitária condenou o Tibete.


Claro que aprendo mais com o Dalai Lama do que com o secretário-geral do PCC. Claro que prefiro o budismo ao confucionismo vestido de marxista-lenininista-dengpiaoista. Mata menos. Mas também mata, nem que seja para sobreviver. Porque todas as religiões universais admitiram guerras santas, expressa ou tacitamente. E sempre em nome do que, um dia, proclamou um conhecido teólogo da libertação, bispo católico: há actos de violência menos violentos do que certos estados de violência. E foi em nome deste silogismo escolástico que surgiram as justas resistências aos totalitarismos. É em nome deste absolutismo que se fez a Guerra do Iraque.


Não conheço filósofo que tenha resolvido o paradoxo destes passados reais. Todos gravitamos em torno da polarização que vai da ética da convicção à ética da responsabilidade. Porque se estes nos dizem que podemos perder a alma para salvar a cidade da Razão de Estado, outros há que, querendo viver como pensam, vão para o "ashram" dar o exemplo, antes que um qualquer fundamentalista o assassine cobardemente. Por mim, não tenho latim que me permita candidatar àquele Prémio Nobel da Paz que vai ornando o "curriculum" de alguns antigos terroristas.

18.9.07

Mais um protesto liberal contra o capitalismo sem alma a que chegámos...



O Dalai Lama, o Papa de Roma, um ilustre rabino ou um teólogo islâmico são vozes daquele passado presente que nos dão semente de futuro para aquilo a que muitos chamam Espírito. Todos reforçam aquela componente de humanismo de que carece a presente sociedade de casino deste capitalismo que, perdendo as suas raízes de ética protestante e de uma concepção liberal do mundo e da vida, deixou de ter alma.




O tal capitalismo dominante chama-se, na China, Partido Comunista; na ex-URSS, Putine; por estas bandas, bloco central, entre o, agora, badalado Paulo Teixeira Pinto, e o, agora, silencioso, Pina Moura. Daí que subscreva palavras de Henrique Neto, noutro dia, na televisão, quando dizia que o pior que nos tem acontecido é misturarmos a ignorância com o poder, com Joaquim Aguiar, ao lado, a explicar, mais uma vez, como o actual sistema partidocrático está rigidamente cadavérico, porque o bloqueio existente apenas é o que melhor serve a plural rede de interesses que o sustenta.




Claro que tanto não sou situacionista como não alinho nas lamúrias ideológicas da globalização alternativa à Porto Alegre, que tem candidatos e gurus do Bloco de Esquerda como porta-vozes e profetas. Muito menos, quero ficar entalado entre o Engenheiro Ângelo Correia e o banqueiro Manuel Dias Loureiro, cada qual com o seu luizinho, tal como não me iludem as sucessivas novas tecnologias porteiras. Isto é, não me satisfazem as bissectrizes deste paralelograma de forças e até já não tenho idade para comer ideologias, incluindo a que já pensei ser minha. Sobretudo, as que retomam o suicidário dos confrontos maniqueístas entre a direita e a esquerda, sem quererem olhar de frente a complexidade do real, que continua a ser desfocado pelas lentes de um perspectivismo que não consegue assumir a coragem da aventura e do pragmatismo.




Há momentos de encruzilhada em que sentimos que chegou ao fim o ciclo do interregno. Porque, quando os gestores do "agenda setting" ocuparam o lugar dos anteriores "opinion makers", a opinião pública ficou obrigada a navegar à vista das sucessivas vagas sensacionalistas. Logo, tornou-se inevitável que o presente Estado-Espectáculo ficasse mero teatro de marionetas, com muitos discursos comunicacionais de mera literatura de cordel e outros tantos bobos e fantoches que vão recolhendo os restos das orgias da corte.






De pouco vale que a opinião crítica, dos que pensam de forma racional e justa, tente resistir a este rolo compressor, onde o que parece, e aparece, são aquilo que realmente se oferece ao consumidor de audiências, com os seus figurantes de prós e contras. Ninguém já consegue furar o bloqueio deste poder infra-estrutural que marca a encenação dominante, até porque ela está totalmente dependente daqueles donos do poder que sempre nos condicionaram, desde que fingimos que já não existia o chicote do absolutismo.




Ninguém duvida que o "despotismo" do poder económico, medido pelo "ter", controla o "ser". Basta notar como o dito condiciona o poder político e meceniza a opinião crítica publicável, incluindo a que se dispõe a dar, aos distribuidores de avenças e subsídios, o iluminista manto diáfano daquela ilusão que lhes disfarça as verdades.




Até os antigos refúgios pluralistas do passado se vão extinguindo em regime de morte lenta, como acontece com os espaços universitários, ao serem enredados por uma estadualização que agora está cativa do neofeudalismo e do poder bancoburocrático, os quais, dividindo para reinar, vão asfixiando a revolta dos homens livres, livres da finança e dos partidos, como devia ser uma parcela significativa da chamada autonomia da sociedade civil e dos indivíduos.




E lá voltamos à decadente ditadura da incompetência, com muitos bailados de bonzos, endireitas e canhotos, os quais ainda continuam a canalizar a representação dos incautos para um clube de reservado direito de admissão a que o ministro da justiça, ontem, qualificou como "comunidade política", a que aprovou o vigente Código do Processo Penal, agora em conflito com a chamada "comunidade jurídica", como se a justiça tivesse que estar dependente de tal contrato de barganhas, só porque houve um pacto feudal de controlo da crise entre o PS e o PSD, com a benção presidencial. Esses venerandos e reverendos cardeais que, em suas sacristias e concílios, não reparam que precisam de um venerandíssima e reverendíssima reforma que os remeta para a categoria dos infuncionais. Obrigado, Dalai Lama!

16.9.07

O acesso ao ensino superior

Precisando o meu postal anterior sobre as contas do acesso ao ensino superior, numa área disciplinar que conheço por dentro, estive a discriminar as sete universidades públicas que oferecem licenciaturas em tal universo e verifiquei que, dos quase quatrocentos colocados, apenas pouco mais de duas dezenas o fizeram em primeira opção. Qualquer avaliação da floresta, deveria cuidar-se com um pouco bom senso e menos anúncios coloridos sobre as árvores, as ramagens e os floreados da dita. Por mim, se tivesse que dar parecer experimentado e titulado sobre a matéria, concentrava a oferta pública continental em duas ou três unidades e reduzia as vagas a cerca do dobro das vocações manifestadas, criando concorrencialidade e mobilidade de docentes, através de efectivo concurso público nacional, livre de endogamias, carreirismos e clientelismos, neste misto de mercado, proteccionismo e planeamentismo em que vamos vivendo, onde os troncos comuns disfarçam emigrações carreirísticas. O produto público oferecido poderia assim estar de acordo com a dimensão do país e atender à empregabilidade, enquanto o restante poderia ser espaço de competição para o ensino não público, marcado pela exclusividade das dedicações profissionais. Julgo que, por enquanto, uma "revogada" assembleia de representantes, da presente "vacatio legis", participada por docentes, funcionários e estudantes, mesmo que seja contra a opinião dos conselhos científicos, até pode emitir diplomas que alteram especialidades, incluindo as publicamente concursadas, enquanto também cria novos quadros de grupos de especialidades, numa pedagógica fragmentação, à custa do Orçamento de Estado, que tem funcionado segundo o ritmo da capitação. Julgo que li o tal diploma regulamentar num "Diário da República", tudo ao abrigo da lei velha, já depois da nova lei ser aprovada. Aliás, ainda ontem consultei um pequeno livro do "Forum Estudante" de 2005, onde, expressamente e com assinatura, emiti esta posição, que também repeti formalmente na comunicação que apresentei no 10º aniversário de uma dessas licenciaturas, na Universidade Nova de Lisboa. Julgo que ainda tenho direito a esta eventualmente incómoda liberdade de expressão.

Esta é a história de um lugar mágico que encontrei. Um lugar onde o tempo se vive ao contrário...




Ontem, depois de dois dias de muitos jovens e menos jovens candidatos às bolsas de investigação da FCT me pedirem ajuda e conselho, na descoberta dos ilustres membros do respectivo painel de distribuição de subsídios, coisa que, aliás, quase todos conseguiram saber, sem grande esforço, e coisa que também não divulgarei, preferi dar uma volta pela mostra dos jovens criadores, aqui, na minha rua, para, depois, me sentar num café do bairro e assistir ao encontro de râguebi entre os "all blacks" e os nossos "lobos".


Reparei que na definição distribuidora de dinheiros públicos para a ciência, na selecção dos melhores artistas, ou na escolha do desporto que a televisão propagandeia, há sempre uma espécie de júri oculto que, ora, aposta no "futsal" ou no "futebol de praia", ora prefere os comentários de Seara e Dias, ora segue os discípulos deste ou daquele mestre-pensador, para o estabelecimento dos critérios que permitem dizer quais os que, nesta "animal farm", são mais iguais do que outros. Por isso é que, de repente, surge uma lei de revisão do processo penal, subscrita pelo Bloco Central, a partir da escolha ministerial de um qualquer grupo de missão, apoiada por quase todos os partidos parlamentares que, depois de entrar em vigor, leva a que surja um clamor público de revolta por parte dos principais operadores judiciários. Talvez fosse melhor encomendá-la a um desses escritórios multinacionais de advocacia que, depois, até poderiam fazer propaganda institucional da coisa no respectivo "portefólio".





Prefiro recordar a volta que dei pelas obras dos jovens artistas expostos na Junqueira, onde deparei com alguma autenticidade. Aliás, numa das obras expostas, podia ler-se: Esta é a história de um lugar mágico que encontrei. Um lugar onde o tempo se vive ao contrário... Por mim, cliquei no telemóvel para tirar umas fotografias e saíaram-me algumas das que ilustram este postal. Com efeito, quando os seleccionadores do paradigma dominante dependem da decretina escolha de um qualquer vértice burocrático, temos de concluir que mandam aqueles grupos de interesse e aqueles grupos de pressão do nosso neocorporativismo que conseguem conquistar o despacho estadual que estabelece quais os animais desta "animal farm" que passam a ser mais iguais do que os outros, na definição do melhor lugar na mesa do orçamento.

Claro que não aceitei o convite para assistir ao discurso do senhor secretário de estado da juventude e desportos, na sessão de abertura do evento, preferindo procurar saber se, no centro de congressos, haveria uma televisão disponível para ver os "lobos". Nenhum dos muitos "stewards" me valeu e decidi sair e ir para o café do bairro mais próximo, com canal codificado para a "TV Sport". Reparei que, entre a multidão de clientes do dito, só três pessoas assistiram ao jogo. Uma delas, era um senhora inglesa que vive em Portugal e tinha alguns filhos na expedição portuguesa a essa primeira experiência de uma equipa de amadores num campeonato mundial de profissionais.




Fui depois almoçar com a minha tribo, entre a qual se encontram três filhos, situados na geração que vai dos vinte aos trinta anos, todos em juventude profissional, todos sem qualquer cunha paternal, todos em recibos verdes, entre jovens "webmasters", jovens cientistas das ciências ditas exactas e jovens clínicos do terreno. E todos foram contando da globalização real onde têm de concorrer, dos "callcenters" de Lisboa, dos varredores de ruas com que se encobrem programas estaduais de apoio científico ao ambiente, das provetas e dos microscópios, também dependentes do subsídio e da engenharia do neofeudalismo dos favores. Estavam gentes de variados países e continentes e estava eu, que, sabendo que nada sei, já concluí que tem razão aquele meu velho mestre, quando um dia disse que, em todas as constituições reais, há sempre uma constituição oculta: a que estabelece o critério oculto com que se mede a igualdade, para que alguns continuem mais iguais do que outros. Infelizmente, desse Hayek, acabei por divergir, quando, na prática, descobri que o capitalismo pode ser inimigo do liberalismo, especialmente se reduzirmos o primeiro ao capitalismo de Estado, gerido por pretensos socialistas e sociais-democratas do Bloco Central de interesses, com porteiros a aprovarem Códigos de Processo Penal, suscitados por um discurso presidencial.



Meditando nessas grades de paradigmas que nos dominam, confirmei que, em Portugal, o problema está sempre na abstracta madailização que tem força para escolher os seleccionadores do critério. Nesse real herdeiro do absolutismo pombalino, pintado de democrata, que, quando manda, mantém o ritmo fidalgote de escolha paroquial e endogâmica, dizendo quem é o "who is who?" da sociedade civil que pode sentar-se na mesa do orçamento. Especialmente neste país onde, raspando o verniz da democracia pluralista, persistem os preconceitos e os fantasmas inquisitoriais, pombalinos e salazarentos, do colectivismo das seitas, sejam de esquerda ou de direita, mesmo que aliem filhos da extrema-esquerda com sobrinhos da extrema-direita.

Por isso é que quando consultei a lista de certo universo de colocados em determinados cursos do chamado ensino superior público, reparei que nem dez por cento o fizeram em primeira escolha, a da vocação. Alguns, infelizmente, irão, sem sonho, continuar o ritmo sebenteiro, onde muitos lentes lhes irão ler chouriçadas de palha, ao ritmo da tradução em calão, medindo-os pelos critérios de determinação do QI, ultrapassados há décadas, sem uma daquelas pintas de criatividade que os permitiriram educar para a mudança.





O pior é quando o sistema dos sistemas, onde se vão inserir, passa a depender daqueles planeamentistas que nos querem tornar numa qualquer subúrbio indiano, coreano ou chinês, dado que abdicaram da urgente estratégia nacional de formação de uma elite de sonhadores activos, visando a criação de um "software" que não nos reduza à fabricação do proletariado intelectual que tem como principal objectivo a obtenção de um recibo verde dos "callcenters" das multinacionais especialistas em deslocalizações.

Prefiro dizer que ouvi, há dias, reflectidamente, o menos budista dos nossos publicistas, Vasco Pulido Valente, na TSF, autodenunciando os malefícios da idade que diz ter, porque já não poderia começar a escrever um desses livros que demora sete anos a rendilhar. Ouvia-o falar sobre os inimigos e o culto das inimizades que diz ter praticado, estado de espírito que agora já terá perdido, porque atingiu o estado de já não estar disposto a aturar certas pessoas. Ouvia-o, historiador, a falar nas biografias que foi escrevendo de portugueses de certo antanho presente que nunca chegaram a protagonistas, mas que também não foram meros figurantes, mas vencidos da vida. Compreendi-o. Já não temos desses heróis portugueses...

14.9.07

Navegar é preciso quando, aqui e agora, se procura o paraíso


Leio no "Público" de hoje: "temos um sistema que contabiliza o número de pessoas que lêem uma determinada notícia e atribui uma cor ao texto. Quando ninguém a lê é branca e quando atinge um determinado patamar é preta. No fim-de-semana, apesar de ter havido muito noticiário político, a única história preta foi a de Madeleine". As reflexões são de um repórter polaco e podem ler-se num jornal que, neste dia, nenhuma linha dedica à campanha eleitoral do país dito dos gémeos. Contudo, no âmbito das parangonas pretas, em Portugal, o caso Scolari tornou-se mais preto do que o caso Madi, enquanto a visita do Dalai Lama se reduziu à participação de um deputado do PCP na recepção oficial ao líder espiritual e apagou de todo a reunião de Bob Geldoff com José Sócrates.


Se aceitássemos, de forma acrítica, que, em política, só o que parece, ou aparece, é que é, poderíamos concluir, de forma simplista, que a nossa opinião pública, bem como a opinião crítica que se lhe associa, não quer ler questões da globalização, nada se interessa sobre o problema do futuro tratado europeu e olha com desdém para a disputa da liderança do PSD, enquanto já se esqueceu do problema casapiano e poucas preocupações manifesta quanto ao apito dourado. Sabe que Luís Filipe Vieira e Pinto da Costa interessam mais do que os "luizinhos" laranjas e trata de trancar as portas, janelas e quintal da sua casa e da sua privacidade, salvo se estiver no grupo dos 47 mil candidatos a professores que não tiveram vaga, dos 7 mil profissionais de saúde que não nos vão curar ou dos cerca 50 mil licenciados que não têm direito ao trabalho, porque não criámos suficiente riqueza para os tornarmos formais agentes produtivos.


Os tais planeadores que a todos despediram, em nome do intervencionismo estadual que criou, autorizou ou controlou sistemas públicos de educação ou de saúde, são exactamente os mesmos que fazem, agora, discursos de Pilatos neoliberais, ou discursos futuristas sobre o que é a modernidade. Foram e continuam a ser irresponsáveis, especialmente quando estão sentados nos cadeirões do poder e manejam documentos estratégicos de uma tecnocracia cinzenta, dessa sublimação de planeamentismo que nunca mais compreende que a maioria dos factores de poder que podem gerir já não é domesticamente nacional, mas simples navegações à vista, feitas gestões de dependências e de interdependências desta anarquia ordenada, já sem sementes de revolta pela subversão da justiça e da libertação individual.


Os cadeirões do poder que marcam o estadão a que chegámos são meros tigres de papel que pensam mandar, quando apenas são peças da máquina anónima de uma pilotagem automática, onde os pretensos homens do leme tanto não têm carta como querem saber da rota. Já não ousam dobrar cabos desconhecidos, nem gostam de navegar para a conquista da distância. Isto é, continuam a julgar que o porto seguro está no quintal da endogamia e não nesse prazer do navegar é preciso quando, aqui e agora, se procura o paraíso.


Por isso é que, para homenagear o Dalai Lama, tratei de ler os textos "zen" do meu mestre Agostinho da Silva, um dos poucos lusitanos que se elevou à categoria de português universal, quando se diluiu em todos os outros e se confundiu com os budistas, proclamando que o Quinto Império era o poder dos sem poder, do tal imperador do Espírito Santo, simbolizado pela coroação das crianças. Qualquer documento estratégico das tecnocracias cinzentas e planeamentistas nunca escreveria tal a preto, segundo do ritmo da política entendida como o que parece é.


Daí que Sócrates passe noites em branco por causa de um tratado onde terá feito tudo o que tecnocraticamente deve ser, mas que, agora, parece dependente de um acaso. Tal como os 50 mil, mais os 47 mil, mais os 7 mil deviam reclamar contra o Senhor Estado que lhes prometeu o que não podia cumprir. E não permitiu que lhes fosse dado um misto de aventura e pragmatismo, como sempre foi o humanismo dos sonhadores activos e da consequente educação para a mudança. Prefere ir injectando o nosso dinheirinho dos impostos em sucessivas massas falidas. Porque, parafraseando Almeida Garrett, sempre poderemos dizer que o mundo já não é o que era, nem vai voltar a ser o que foi, dado que, sobre aquilo que ele vai ser, sabe mais o Dalai Lama do que o ministro o Ministro Mariano Gago, que pode ter lume de uma razão dos novos marxistas, mas nunca recebeu a luz eterna dos velhos mestres da sabedoria.


Obrigado, Dalai Lama. Um sorriso vale mais do que mil discursos tecnocráticos.

13.9.07

De Scolari à madailização que nos envolve


Nestes reinos da quotidiana, horária e semi-horária hiper-informação, onde todos somos agentes da Judiciária ou treinadores de sofá, também todos pudemos assistir, em directo, à verdadeira "mentira" do fora de jogo de um esboço de murro que talvez tenha apenas arranhado "um pouquito" quem queria agredir o "menino". Por outras palavras, o senhor Felipão, talvez em homenagem à visita do Dalai Lama, caiu na esparrela de responder a uma eventual provocação e abandonou a sua posição de autoridade, para entrar nos terrenos movediços do poder do murro, isto é, deixou de ser o “mister”, o “professor”, o “coacher” e encenou uma imagem de agressor que agora ocupa todas as parangonas.

O que aconteceu no relvado de Alvalade já sucedeu em sessões de conselhos científicos de universidades entre doutíssimos catedráticos, quando ainda não
havia a hipótese de recurso a jagunços blogosféricos. A rapidez com que se passa de bestial a besta, ou de engraxado a punido, é facilmente demonstrada pela ligeireza com que agora se analisam as volutas cerebrais dos McCann, neste ambiente de “voyeurismo” de uma época essencialmente analisadora; onde o nosso público é zelosamente empenhado em julgar os grandes e pequenos acontecimentos, desde a revoltosa queda de uma dinastia de quinze séculos até à demissão imprevista de um cabo de polícia, também julga os grandes e pequenos homens, desde os heróis de cem batalhas até bagageiros inofensivos: desde César a João Fernandes, para utilizarmos palavras de Camilo Castelo Branco, de 1852.

Gostei mais, ontem, dos comentários, de “muita tranquilidade”, de Paulo Bento, quando confessou estar arrependido de um excesso que cometeu, enquanto jogador, no Europeu de 2000. E preferiria concluir que este episódio não constitui a eventual causa de uma qualquer mudança. Ele não passa de um sintoma da “madailização” que nos invadiu por dentro.

Como já escrevi há uns anos, tanto não tenho jeito para Sancho Pança, como também prefiro usar a lança da palavra, não contra moinhos de vento, mas contra as vacas sagradas que nos continuam a poluir. Não quero é abdicar daquele supremo direito da cidadania que é a liberdade de expressão, mesmo que continue a ter razão antes do tempo e que sofra alguns incómodos de vingativos salazarentos reciclados pela mentira. Neste sentido, julgo que seria uma ilusão tirar-se um bode expiatório da cena, mantendo os bastidores que o sustentam e os autores do guião de que ele é mero executante. Não vale a pena tratar as moscas com insecticida se permanecer, no ambiente, a fonte poluidora de que elas se alimentam.
PS Por mera coincidência, a revista "Sábado" transcreve, hoje, parte de um desses depoimentos que vou prestando, no âmbito da minha função de professor publicista: já não temos pugilatos parlamentares como em 1887, quando o 1º tenente Ferreira de Almeida esbofeteou, em plena Câmara dos Deputados, o ministro da marinha e ultramar Henrique Macedo, que respondeu a murro (7 de Maio). O pretexto da discussão foi um caso de indisciplina verificado no navio de transporte Índia. O Ministro acabou demitido e o deputado, condenado a quatro meses de prisão. Mas a Câmara dos Deputados alterou a sanção disciplinar aplicada a Ferreira de Almeida, que é suspenso como deputado e passa a estar sujeito a julgamento a levar a cabo pela Câmara dos Pares (28 de Maio). Ao que acrescentei: estamos longe de 1909 , quando o deputado regenerador, e futuro ministro de Salazar, Caeiro da Mata, em pleno parlamento, acusa Campos Henriques (um governo de camarilha e de sacristia, presidido por um traidor ) e Manuel Afonso Espregueira (chamou-lhe burlão, por causa de um empréstimo para os Caminhos-de-ferro do Estado) (10 de Março). Tudo acabou num duelo entre Caeiro da Mata e o ministro da fazenda (17 de Março). Também disse: não parece que tenha ocorrido, depois de 1974, a célebre sessão da noite de 16 para 17 de Julho de 1925, quando o deputado João Camoesas, para garantir a presença de deputados pró-governamentais fez um discurso parlamentar que durou nove horas (das 0 às 9 horas). Seguiu-se o deputado Agatão Lança, que começa às 9 horas termina às 13 horas e 30 minutos já do dia 17. Esperava-se a chegada dos deputados democráticos nortenhos no rápido das 14 horas. Mas as chamadas mulas de reforço não chegaram. O governo acabou por perder a votação (49-58), sendo aprovada a moção de desconfiança. Aliás, vários deputados da situação votaram contra o governo do respectivo partido, sendo, depois, irradiados.

12.9.07

Homenagem à Universidade Técnica de Lisboa



Regressei ao chamado trabalho presencial colectivo, inaugurando mais uma série daquelas reuniões universitárias, de que não continuarei a falar. Ao contrário do que alguns técnicos da "intelligence" podem concluir, vou hoje elogiar a Universidade Técnica de Lisboa, através do seu magnífico hospital veterinário, porque quero, sobretudo, manifestar agradecimentos pelo apoio que deram à minha querida Putsi, uma podenga de dezassete anos, que tem sido a fiel companheira desta minha tribo. E faço-o também em nome dos meus filhos. Eles que foram ao hospital, eu estava em reunião. Aqui deixo uma pequena homenagem à minha cadelita, quando ela ainda era caçadora:




Hoje, minha cadela podenga,
castanha e branca, roliça,
minha cadela pequenina,
tornou a ser caçadora.
Deu uma volta pelo monte
e trouxe nos dentes, sangrante,
um pequeno coelhinho.
Hoje, minha cadela podenga
volveu ao ser predador
e, renascendo, selvagem,
foi roubar a liberdade
a outro seu semelhante.
Registo a ocorrência
na natural simplicidade
de dentes, pêlos e dor.

11.9.07

É esotérico demais ascendermos ao universal a partir da variedade do tempo e do lugar, mas vale a pena


Os meus habituais leitores não devem estranhar que nada diga sobre questões que dizem exclusivamente ao foro académico e ao foro criminal. Claro que se cumpriu uma audiência que aqui anunciei no passado dia 7. Sobre ela, nada direi, antes de o dizer aos que as têm que tal ouvir em primeiro lugar. Preferi falar das muitas viagens em que atravessei as marés do rio Minho e as ondas do mar de Vigo, porque, nos pinhais do Noroeste não havia brumas e o Atlântico continuou a ser caminho. Não há margens que nos detenham quando procuramos a foz.


Não preciso de neblinas nem de signos célticos para ter que ir ao Norte, sempre que sinto vazio de pátria e preciso do simbólico das trovas para reencontrar a semente do universal, limpando as poeiras do passado através das proas de uma qualquer barca que me dê as raízes do mais além.
Há sempre líricos caminhos de aventura que nos podem mobilizar, para vencermos os silêncios por cumprir. Há palavras de esperança que, pelas mãos do amor, podem ser corpo que nos dê daquela terra que sempre foi espírito. Há viagens que são beleza, mãos, olhos, cheiros, ouvidos e outros mais sentidos que nos podem dar o prazer de semear, o sonho de acrescentar ou o activismo de reinventarmos a criação.


Esse humano, demasiado humano a que não podemos ser alheios, para que se descubra o infinito de vivermos cada hora que passa como se fosse a última. Porque não quero ser mais um desses cadáveres adiados que vão procriando sinais de servidão voluntária.


Porque, sempre e em toda a parte, há quem se decrete mais igual do que outros, logo que procura transformar o conceito em preceito, por causa das embaciadas lentes com que pensam olhar as circunstâncias. É esotérico demais ascendermos ao tal universal a partir da variedade do tempo e do lugar. Só conseguimos proclamar crenças, princípios e valores a partir das nossas estreitas perspectivas. Só acedemos ao mundo, de que somos ínfima parcela, na sombra profunda de quem somos.


Por estes dias, fui olhando o verde espelho das águas do Minho. Os serenos choupais da outra banda, reflectindo-se nas correntes, a caminho da foz que apetece. O sol vencendo as neblinas da manhã. A gente que foi passando. Porque só olhando os outros é que podemos pensar quem somos e viajar dentro de nós.


Sabemos que há sempre filhos e enteados, donos do poder e perseguidos, bem como regras do jogo sem comunhão nem ideia de obra, que variam de interpretação, conforme os que as usam de cima para baixo, nesse modelo decretino do estadão que, aos caprichos do doméstico e do serralho, atribuem o qualificativo de interpretação autêntica, assente na penca do nariz de uma qualquer sua excelência e dos demais comedores e comendadores do ilustre chicote acenourado.


É por isso que, ao receber um "mail" de um colega de há quarenta anos, voltei a ser o nº 31 do 4ºB do Liceu de Combra. E que reproduzo a fotografia de cima: é provável que ali estejas a descoberto ou incoberto. Eu estou agachado, de gravata, à frente. Por uma razão: a máquina era minha e tinha disparo automático temporizado (mal calculado). E ficou assim.

Não reproduzo as solidárias referências pessoais que o meu colega de sempre me comunicou sobre o pretérito e o presente. Vou telefonar-lhe ainda hoje. E continuar a tratá-lo por tu. Transcrevo apenas o intemporal do sentimento: os acontecimentos (melhor que eu saberás) são assim: vividos por muitos, mas lidos diversificadamente segundo a experiência de cada um. Provavelmente até levo umas chumbadas colaterais, dos teus disparos no blogue contra alguns ( ou muitos?) grupos de referência politica existentes e desaparecidos. Quero eu dizer que provavelmente me identifico, no que escreves, com muitos dos sentimentos expressos, mas com muito menos nas ideias e menos ainda nas soluções. Mas é salutar que assim seja e mais saúde dá quando vemos alguém com autenticidade dar corpo ao funcionamento da democracia e não se ficar pela defesa do regime.
Obrigado, companheiro de sempre!

10.9.07

Andei por aqui, continuo a resistir



Imagem picada aqui



Aqui, nestas terras do norte
raiz do meu próprio país.
Aqui, Entre Douro e Minho,
Portugal portucalense.
Aqui, pátria antiga, permanecente,
onde meu país é mais raiz...

7.9.07

Peças de um manifesto que já não apetece lançar por causa dos métodos de poder invisível do editor




Quando uma comunidade se desintegra culturalmente, desenraizando-se do húmus onde se aconchegam e vivificam os respectivos valores e, sobre um vazio de pertenças, apenas actuam os holismos de um Machtstaat - por exemplo, a exigência do imposto -, pode criar-se um aparelho de poder desligado da comunidade, ou um estado de violência susceptível de justificar eventuais actos de violência e, quiçá, a própria legítima defesa daquele individualismo que, perante um vazio de solidariedade, já não é capaz de invocar o aqui d’el rei.



Cem anos depois, as grandezas e as misérias do Portugal Contemporâneo permanecem nos planos da organização política e da mentalidade universitária, com idêntica sociedade relativamente aberta e paralela democracia política, ambas marcadas por uma obsidiante oligarquização e pela consequente corrupção, enquanto no tocante aos subsolos filosóficos permanece o mesmo fundo positivista e o subsequente cepticismo.



Repetindo o que há mais de cem anos escreveu José Frederico Laranjo, também poderemos dizer que os governos da actualidade são […] governos de persuasão, ou governos pelo discurso, conforme a expressão de Guizot, embora com uma liga inevitável de corrupção, de que não são isentos, onde, na ordem internacional, vigora um sistema de sistemas de Estados grandes e pequenos, regidos pelas leis da atracção e do equilíbrio, onde os centros de hegemonia são diversos e onde há uma multidão de nações livres. Porque o tal Estado não passa de uma sociedade mais geral do que as sociedades que o integram, uma sociedade superior, entendida como a nação organizada em Estado ou, à maneira de Bluntschli, como a pessoa da nação politicamente organizada num país determinado.


Tal como há cem anos, a democracia portuguesa volta a enredar-se na secura processualista das chicanas sobre as regras do jogo, predominando a legitimação pelo procedimento sobre as raízes morais e o sentido cívico, ao mesmo tempo que um inevitável regime de porta aberta e de internacionalização, sem as fundações de uma assumida autonomia cultural, propicia formas miméticas de colonização cultural.


Esta continuidade psicológica de um povo e esta permanência dos processos de formação das elites, com as inevitáveis degenerescências classistas dos smart set e jet set, talvez impusesse que os amadores e profissionais da política à portuguesa fossem sujeitos à leitura obrigatória do Portugal Contemporâneo de Joaquim Pedro Oliveira Martins, do Vale de Josafat de Raúl Brandão e dos vários volumes da Conta Corrente de Virgílio Ferreira. Pelo menos, poderia contribuir-se para a não repetição daquelas atitudes que conduzem ao ridículo …



Neste dobrar do milénio, nós, os ocidentais, que fomos capazes de, em nome da ciência, construir uma civilização, até nem podemos ter a pretensão de a ordenar. Num tempo de velocidade, vertigem e impaciência, neste império do vazio e do efémero, continua a faltar-nos uma concepção do mundo e do homem, uma concepção da vida, que entenda o homem e o mundo como um cosmos, dotado de uma ordem que nos faça olhar para cima e para dentro. Continuam a dominar concepções do homem e imaginários típicos do iluminismo e do romantismo, bem como ideologias e ideias-feitas para séculos pretéritos, e não temos a alternativa de uma nova fundamentação para os presentes sinais dos tempos, dado que continuamos a não querer misturar o lume da profecia com a serenidade da razão.



Eis o pano de fundo das angústias do nosso tempo, onde se insere o problema da política e talvez seja melhor reconhecermos aquele homem de sempre que levou Platão, há vinte e cinco séculos, a formular problemas que continuam sem resposta.



Ainda hoje continuamos a procurar a salvação do mundo, para utilizarmos o título de uma tragicomédia de José Régio, de 1954. Ainda hoje, nos dividimos entre o partido democrático, para quem só os princípios da liberdade são a garantia do progresso, o aristocrático, defensor da qualidade dos governantes contra a inconsciência e a mediocridade das maiorias, e o extremista, acreditando em regimes de autoridade baseados as aquisições da Ciência e da Técnica.




E todos apenas vão concordando naquela metodologia que os leva a estar em desacordo, como Lenine a invocar Ford e Taylor, o futurismo fascista a repetir as imprecações do surrealismo anarco-comunista ou Georges Sorel a servir de inspirador para todos os totalitarismos dos anos vinte do século pretérito. Resta-nos a esperança de um rei Pedro da Traslândia que proclame: venho nu, cheio de boa fé e de boa vontade. Perdi toda a ciência que tinha..., que julgava ter, e que nem era ciência nem era sabedoria. Agora não sei quase nada. Vou tentar aprender a cada instante com as realidades interiores e exteriores. Um rei Pedro, aprendendo com aquele Profeta que volta a falar num novo Evangelho sem palavras, ideias e doutrinas: Enchestes os vossos livros de letras; as letras mataram o Espírito! Viveis soterrados em fórmulas.


Ao longo destes anos em que nos temos preocupado quase exclusivamente com a politologia, sempre procurámos aceder a tal província do saber de forma comparativista. Com efeito, seguindo o conselho de Almerindo Lessa, não vale a pena descobrir o que já está descoberto, nem inventar o que já está inventado. Neste sentido, não há que temer ser estrangeirado, desde que sejamos capazes de seguir o conselho de Fernando Pessoa no sentido de nacionalizarmos tendências importadas, até porque não nos parece poder haver pensamento sem pátria, porque só é possível atingir o universal, partindo do local e peregrinando pelo supra-paroquial. Aliás, como proclamava o nosso Miguel Torga, talvez o universal não passe do local sem muros, do aqui e agora das nossas circunstâncias desafiado pelas exigências da cidadania do género humano.


O caso-limite a rejeitar talvez esteja naquela forma do professor português de filosofias estrangeiras que realiza um ensino de tradução e nem sequer cuida de fazer corresponder os conceitos importados às nossas próprias palavras. Insistir nesta via é aceitarmos ser colonizados, mesmo que disfarcemos a cedência com as bonitas palavras do progresso, da modernização ou da europeização.


Da mesma maneira, seria suicida assumirmo-nos como laboratório para experiências sociológico-políticas, visando a confirmação de teorias que outros elaboraram sem nos terem em conta. Se foram tristes algumas cenas do PREC, quando nos tornámos numa espécie de potencial reserva das ideologias e das utopias de certos marginais do Ocidente, continua a ser doloroso prestarmos menagem e citação a alguns politólogos do desenvolvimentismo e da mudança política que nos continuam a comparar a um república de bananas, embora temperada por uns pretensos brandos costumes, onde até poderiam instituir-se estufas de democracia exportável para o Terceiro Mundo ou a Europa do Leste. Soa a ridículo sermos transformados em simples palco para filmes sobre golpes de Estado na América Latina ou para mimetismos sobre o fascismo italiano, nessa permanecente leyenda negra que, à maneira de certas páginas de Byron, nos imagina como um país de bárbaros latinos com dois ou três ministros e um chefe de protocolo, civilizados e polidos.


Mas, se não devemos ser província, isto é, terra vencida por um qualquer centro de saber estranho à nossa índole, seria tolo não acompanharmos o movimento geral das correntes de ideias do nosso tempo, abrindo as janelas de par em par e tirando trancas da porta, mesmo que surjam resfriados ou que fiquemos mais susceptíveis aos assaltos. Infelizmente, a ciência política em Portugal continua a padecer da nossa pequena dimensão universitária, onde, em vez de um harmónico small is beautiful, se acentuam os ancestrais vícios de uma certa guerra civil ideológica típica do Portugal Contemporâneo, do qual ainda não foi possível eliminar algumas heranças inquisitoriais, bem como os subsequentes traumatismos resultantes das rupturas revolucionárias e das ilusões construtivistas, com as suas procuras de um homem novo feitas a golpes de cacete ou de decreto, as inevitáveis doutrinas oficiais e o eventual saneamento dos que não se integram na nova ordem.




Toda essa herança do burguesismo iluminista que supôs poder o homem ser dono e senhor da natureza, dono e senhor da sociedade e dono e senhor da história, essa ilusão de revolução, de homem novo, tão negativa como o seu irmão-inimigo contra-revolucionário, adepto de uma revolução ao contrário ou de um andar para trás reaccionário.



Ora, uma das consequências habituais do estabelecimento de novas intelligentzias oficiais consiste na expulsão dos universitários que não jurem fidelidade ao novo estado de coisas e no estabelecimento, directo ou indirecto de livros únicos, conforme o modelo da reforma pombalina da universidade e dos subsequentes saneamentos de lentes liberais pelos miguelistas ou de lentes miguelistas pelos liberais, num semear de intolerância que continuou por ocasião da instauração da República, da institucionalização do Estado Novo ou do lançamento do processo revolucionário em curso dos anos de 1974-1975.


Todos estes traumatismos provocaram a falta de serena continuidade reflexiva e, consequentemente, a impossibilidade de evolução espontânea, gerando medo onde deveria estar sentido de escola e subserviência onde deveria frutificar a lealdade, ao mesmo tempo que se desenvolvia uma acrítica aceitação de construtivismos que cheirassem a moda ou revelassem sinais de força.


Mesmo na actividade intelectual, dos que formalmente deveriam praticar a necessária liberdade de cátedra, eis que, muitas vezes, surgem recônditos medos ou incompreensíveis cedências à ilusão do mediático.


Muitas vezes, alguns dos mais originais criadores portugueses, acabam por ser esquecidos e silenciados no seu próprio tempo. Já no século XX, um Cabral de Moncada ficou reduzido à torre de marfim do eruditismo universitário, enquanto se sucederam elogios fáceis a glosadores de modas efémeras, sem qualquer espécie de enraizamento na realidade da nossa história. Do mesmo modo, as investidas da imaginação criadora, da filosofia simbólica e das parábolas de um Agostinho da Silva, acabaram por ser reduzidas ao fait-divers de uma qualquer manipulação mediática, como se os apelos que esse mestre foi fazendo pudessem reduzir-se à dimensão de flor na lapela para uso de certos políticos.



Os juristas da Restauração, de Francisco Velasco Gouveia a João Pinto Ribeiro, proibidos pelo pombalismo, foram efectivamente saneados das nossas anteriores culturas políticas, do absolutismo ao demoliberalismo, monárquico e republicano. Muita da filosofia política da escolástica peninsular dos séculos XVI e XVII, nunca mais foi repensada, por não se enquadrar nos moldes laicistas e anticlericalistas, que mobilizou iluministas, positivistas e marxistas. Liberais do centro excêntrico como Silvestre Pinheiro Ferreira ou Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque foram vencidos pela história e condenados ao pariato dos mal-amados. Obras contra-revolucionárias, como as de José da Gama e Castro foram objecto de censura explícita ou implícita e por isso nem se reparou que este último autor até foi o tradutor de The Federalist.


Os velhos liberais da era do constitucionalismo monárquico são quase todos banidos pelos posterior republicanismo e quase ninguém reparou que em 1878, um António Cândido editou a primeira grande tese doutoral de ciência política, os Princípios e Questões de Philosofia Política, I - Condições Scientificas do Direito de Suffragio, a que, três anos depois foi acrescentado o II - Lista Multipla e Voto Uninominal.




Os republicanos dissidentes do partido conformado por Afonso Costa e pelo anticlericalismo carbonário deixam de ser citados e a tese de J. E. Campos Lima, de 1914, sobre O Estado e a Evolução do Direito, é saneada por anarco-sindicalismo. Com o salazarismo, novo absolutismo trata de vingar-se de demoliberais da direita e da esquerda e até o próprio pensamento social-cristão quando desalinha do modelo oficioso passa para a marginalidade, pelo que nem registo em bibliotecas públicas ficou da frustrada tese de Domingos Monteiro, Bases da Organização Política dos Regimes Democráticos. I A Organização da Vontade Popular e a Criação da Vontade Legislativa, de 1931.



Muitas vezes, fomos um país que, desprezando a continuidade das instituições históricas e o evolucionismo reformista, foi sendo sucessivamente decepado, tanto das suas raízes como dos posteriores enxertos que voltavam a radicar-se no húmus dos valores permanecentes. A atracção pelo Estado-exíguo tornou-nos numa quase res nullius susceptível de ocupação por uma qualquer minoria militante capaz de controlar a intelligentzia dependente do subsídio estadual, onde os próprios opinion makers se desligaram dos últimos redutos académicos e universitários onde se ousava pensar português.




A inevitável colonização cultural e o consequente niilismo não tardaram a chegar, matando a esperança, a vontade de manutenção de uma autonomia cultural e a necessidade de um sustentado programa de formação de elites políticas, culturais e administrativas. Portugal, depois dos exageros de um pretenso Estado Ético e de uma política de espírito ficava bem mais acanhado na sua dimensão intelectual do que no tocante as respectivas dimensões territoriais, populacionais e económicas. O vazio de política levava às tentativas concretizadas de ocupação dessa espaço por jornalistas e por pequenos lobbies de pequenos patrões, pequenos sindicatos e muitos outros exíguos corporativismos de grupos de amigos e de grupos de interesses.



Ainda hoje podemos dizer, como Álvaro Ribeiro, que quem não escreve em papel pautado por qualquer ortodoxia, quem não está inscrito numa congregação de elogio-mútuo, quem está disposto a lutar contra a sindicalização do trabalho intelectual que ameaça o pensamento livre pela recíproca defesa das mediocridades e pela agressividade da inveja que se manifesta pela humilhação, corre o risco de nem sequer poder comunicar com outros que gostariam de fugir dos pretensos canalizadores da opinião crítica e da opinião pública.



Quando a opinião crítica quase se reduz às páginas culturais das revistas e semanários de fim de semana que vão traduzindo as últimas novidades do vanguardismo e quando a própria universidade se vai eriçando na sua concha sebenteira ou monografista, corremos o risco de mantermos um arquipélago de inúmeras torres de marfim, insusceptíveis de fecundarem a realidade e de influenciarem os movimentos sociais com um pouco de pensamento. Daí continuarmos refugiados no Vale de Lobos da ficção romanesca e no exercício lírico da poesia, da dramaturgia ou do ensaísmo, onde muitos literatos maiores e menores, apesar de tudo, conseguem transmitir uma corrente que se aproxima do sentimento geral da comunidade.



Alguns brilhantes teorizadores portugueses continuam a dividir o mundo segundo as dimensões da direita e da esquerda, mas padecendo daquela visão paroquial e demonizante de certos fantasmas da década de sessenta do século XX, segundo a qual até personalidades que se autoqualificam como da esquerda liberal passam a ser determinados como da direita democrática, para que, a partir de tal posição, não exista mais mundo polido e civilizado, mas tão-só as trevas da reacção.



Continuamos a sofrer os efeitos daquele gnosticismo típico do século XIX que irmanou cientismo, materialismo e positivismo, de tal maneira que qualquer governante dos dias que passam, ou dos imediatamente antecedentes, não deixa de invocar a Luz contra as Trevas, o Progresso contra o Atraso e a Modernização contra o Bloqueio.



Pode ter razão Gabriel Almond quando fala nas chamadas seitas existentes entre os que estudam a política, mas a respectiva qualificação de direita e esquerda, vive no mundo onde a esquerda tem a humildade de conhecer a direita e não reduz a esquerda àquele conjunto dos que nem sequer tratam de ler o que a chamada direita escreve. Assim, refere uma hard right que, no plano metodológico, é essencialmente descritiva, estatística e experimentalista, apontando os exemplos de V. O. Key, James Buchanan, Gordon Tullock e William Riker, contrapondo-a a uma soft right, marcada por uma miscelânea conservadorista que ataca o iluminismo e o cientismo e colocando Leo Strauss como chefe de fila. Na banda da direita, enumera uma hard left, onde destaca a escola dependencista representada pelo ex-Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, e uma soft left, herdeira da Escola Crítica de Frankfurt.



Contudo, se tentássemos utilizar os critérios de Almond, onde a esquerda e a direita tanto se medem pela dimensão ideológica como pela dimensão metodológica, verificaríamos que, em Portugal, não há campo possível para tal análise. Se achamos salutar que a própria dialéctica empobrecedora de um confronto entre a direita e a esquerda seja superado, sempre preferiríamos que o mesmo se mantivesse, porque o que lhe sucedeu, ou foi o domínio de um dos hemisférios, pelos esmagamento do outro, ou, pior ainda, um vazio niilista.



Diremos até que podemos perspectivar a direita e a esquerda em sentido psicológico, como disposições de temperamento. Se há quem considere que a direita prefere a injustiça à desordem, optando pelo primado da moral de responsabilidade, enquanto a esquerda tende a ser marcada pela moral de convicção, acontece que, na prática, os planos podem confundir-se, governos de direita conduzidos por temperamentos de esquerda e revoluções de esquerda feitas por temperamento de direita, para utilizarmos palavras de Jacques Maritain.



Acaba por ser mais importante o modelo dos conformismos estruturais, onde os situacionismos, sejam de esquerda ou de direita, acabam por irmanar-se, enfrentando aqueles que apelam para os valores, sejam de esquerda contra um situacionismo de direita, sejam de direita contra um situacionismo de esquerda.




Acresce que a internacionalização das sociedades civis, das relações intergovernamentais e dos próprios modelos económicos, principalmente os resultantes da unificação europeia, podem levar a que governos de contraditórios sinais ideológicos acabem por confundir-se em idênticas misérias e grandezas, pelo que invocações de tribalismos internos podem assumir a dimensão do paradoxo.




Excertos do texto de "Metodologias da Ciência Política", recentemente saído do prelo, com palavras escritas há mais de dez anos.