a Sobre o tempo que passa: abril 2007

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.4.07

A recandidatura a presidente regional de um professor da Universidade Independente

Um quarto de hora antes de morrer, este regime ainda está vivo. Só que o quarto de hora em causa pode, e vai demorar, uma década a passar, a não ser que aconteça um imprevisto, como vai acontecer, vindo de cima, ou vindo de fora. E a agonia decadentista nem sequer pode ser acelerada se alguns dos partidos existentes passarem a alvarás, emprestando siglas a movimentos de cidadãos que contratem actores de teatro para se candidatarem a líderes governamentais, mesmo que seja contra presidentes em exercício que são camaradas do mesmo partido, dado que eles até são melhores actores do mesmo teatro da trágica comédia em que nos vamos enredando.


As recentes cenas dos enredos madeirenses disputam a agenda mediática com as operações saudosistas de Santa Comba, onde um cadáver físico não adiado vai procriando manifestações, para gáudio de manifestantes e contra-manifestantes, onde uns sonham com regressos a ditaduras e outros com ditaduras do contra, quando apetece repetir o que disse o ministro, António Costa, com algum bom senso democrático: «Espanta-me o fervor noticioso em torno desse partido chamado PNR ... só o Ministério Público tem legitimidade para intentar uma acção de dissolução de um partido, se entender que há motivos para isso ... esse partido é um partido como o meu partido, o PS, o PSD, o CDS-PP ou o PCP. É um partido legal como os outros».

No intervalo, deu-se o regresso de Paulo Portas, com uma excelente intervenção parlamentar, ninguém reparando que durante dois anos ele apenas foi um deputado silencioso, talvez para demonstrar que eles são todos iguais, mas que há alguns mais iguais do que outros, pelo que não espanta que os representantes da nação prefiram biscates, mesmo que seja a ida aos painéis televisivos de comentarismo oficioso, onde recebem cerca de 20 euros por minuto, conforme pode ler-se no último número do "Tal & Qual".

Voltando ao ritmo jardineiro, se achei piada à técnica do Manuel do Bexiga, com que Manuel Monteiro conseguiu um pontinho na agenda mediática, apenas confirmei o que Francisco Lucas Pires argumentou quando se demitiu do CDS de Monteiro e Portas: para se ouvirem, eles têm de berrar. Porque quando todos ralham, corremos o risco de continuar a ter caravanas situacionistas que passem, de tal maneira que Jardim até pode dizer que as trapalhadas académicas de Sócrates são um "castigo divino", enquanto a segunda linha da biografia oficial do senhor presidente do governo regional reza que ele é licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, tendo sido professor nos ensinos técnico e secundário. É Professor Convidado da Universidade Independente de Lisboa.

27.4.07

Afinal a polícia também reprime a ilegalidade da extrema-esquerda...

Uma semana depois de Sócrates começar a respirar de alívio, os engenheiros sociais que comandam o "agenda setting" conseguiram driblar os incautos e ficaram a saber que há mais de setenta milhões de blogues indexados, que se criam diariamente mais de 120 000, que se publicam 1 500 000 entradas por dia e que 37% da blogosfera é em japonês, contra 36% em inglês e 3% em castelhano. Do português, não obtive informações. Temos menos votos na blogosfera do que a soma dos sufrágios da extrema esquerda e da extrema direita, expressos nas últimas eleições.

Voltando à nossa agenda mediática, reparo que Paulo Portas está também cada vez menos notório, face ao crescimento dos autarcas arguidos, tal como o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carmona Rodrigues, que foi notificado para ser ouvido, na próxima semana, pelo Ministério Público na qualidade de arguido.

Inesperadamente, reparámos, pelo DN, que
um dia antes dos confrontos do 25 de Abril entre a polícia e anarco-libertários no Chiado, em Lisboa, já as autoridades sabiam que os manifestantes pretendiam atacar a sede do Partido Nacional Renovador (PNR) e destruir o cartaz contra a imigração colocado no Marquês de Pombal. Por outras palavras, estes da extrema-esquerda parecem ser directamente proporcionais aos da extrema-direita, para os quais o PGR disse estar atento, e muito bem.

É naturalmente saudável que se detectem estes praticantes do velho desporto do assalto às sedes dos outros e cultivar a memória do 25 de Abril é não repetirmos erros do passado recente e remoto, até porque tanto a esquerda de sempre como a direita de sempre foram vítimas da falta de adequada polícia e de adequado ministério público, quando confundíamos casos de polícia com liberdade de expressão. Já estamos mais crescidos e desde a primeira revisão constitucional que consagrámos a ideia e a prática de Estado de Direito. O ataque a Igrejas, a templos da maçonaria ou a sedes de formigas brancas por formigas pretas, ou vice-versa, inevitáveis degenerescências da sociedade aberta, são espectáculo pouco dignificante e nada de acordo com uma democracia pluralista e competitiva.

Só os autoritarismos gostam da paz dos cemitérios, tal como os totalitarismos preferem os comícios da Cuba de Fidel, ou da actual Coreia do Norte. Os primeiros dizem que quem não está expressamente contra o Chefe é a favor do Chefe. Os segundos dizem que quem não se manifesta expressamente a favor do Chefe é contra o Chefe. Julgo que é saudável a atitude do município de Santa Comba Dão, autorizando a procissão dos saudosos de Salazar, se, a seguir, também autorizar os anti-salazaristas a fazerem a sua. Qualquer proibicionismo abstracto favorece o crescimento clandestino da loucura. Apenas exijo que a polícia e o ministério público cumpram o seu dever. A vida continua e a paz exige institucionalização dos conflitos.

26.4.07

25 de Abril, sempre, contra os escribas dos sucessivos "Anais da Revolução Nacional"

Os regimes, em Portugal, caem de podre porque, muitas vezes, ultrapassam todos os prazos de validade que lhe garantiam autenticidade. Só que a apatia e o indiferentismo gerados pelas manobras da elite no poder, lançam o colectivo numa inércia cobarde, inversamente proporcional ao activismo dos oposicionistas, cujo vanguardismo, marginal face à opinião pública, resulta, precisamente, da frustração de não se sentirem, entre ela, como peixe na água.

No plano das consequências, o golpe de Estado do 25 de Abril de 1974, que Costa Gomes, no plano operacional qualificará como um acaso cómico, é uma espécie de libertação da mola desoprimida que se partiu, para utilizar-se uma expressão de Fernando Pessoa.

É que, como Salazar tinha confessado a António Ferro, o povo português é bondoso, inteligente, sofredor, dócil, hospitaleiro, trabalhador, facilmente educável, culto, mas excessivamente sentimental, com horror à disciplina, individualista sem dar por isso, falho de espírito de continuidade e de tenacidade na acção e de tempos a tempos assiste-se ao fenómeno de nascimento de certas ondas de pessimismo, dessa ânsia de deitar tudo a perder, não se sabe bem porquê, porque sim, desejo infantil de variar, de mudar, de quebrar o boneco para ver o que tem dentro.

Abril é, sobretudo, essa descompressão, inicialmente gerida por uma Junta de Salvação Nacional, donde emerge um Presidente da República, o General António de Spínola, um Governo Provisório e um Conselho de Estado, tudo em nome de um programa do MFA que promete a democracia política pluri-partidária, um desenvolvimento socializante e uma descolonização com autêntica autodeterminação das populações coloniais, admitindo-se tanto a plena independência como a própria permanência na área da soberania portuguesa. Só que o programa é rigorosamente vigiado por uma comissão coordenadora dos jovens oficiais que haviam corporizado o golpe, divididos entre os operacionais, como Otelo Saraiva de Carvalho, e os mais intelectuais, como Melo Antunes, e, além disso, há o povo inorgânico, os homens da comunicação social e da cultura também comunicacional, os restos da oposição clássica e os movimentos políticos nascidos nos crepúsculo do regime, entre estudantes e sindicalistas politizados.

Digamos que nesse dia de 1974 nos vimos livres de um regime que havia sido montado por um avô autoritário, ao estilo do pai tirano, para, depois de algumas cenas de violência familiar, chegar o tempo da geração do pai modernaço e bon vivant, muito viajado, que não tinha problemas de abrir as janelas, porque resistia às correntes de ar. Por isso é que, a certa altura, no fim da década de oitenta, os membros da família, fartos dos laxismos desse pai modernaço, que não gostava de ler dossiers e que até meteu a ideologia na gaveta, pediram ajuda a um tio austero, que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava. E é ele que trata de pôr ordem no orçamento, pinta a casa e arranja os caminhos e as cercas do quintal. Por outras palavras, como dizia Ortega y Gasset, todas as revoluções são pós-revolucionárias. Medem-se menos pelas intenções dos primitivos revolucionários e mais pelas acções dos homens concretos que fazem a história, sem saberem que história vão fazendo. Porque, na prática, a teoria é outra...

Vai, a partir de então, viver-se a euforia. Libertam-se os presos políticos. Deixa de haver censura prévia. Regressam os exilados. Surgem à luz do dia os partidos políticos. Álvaro Cunhal atravessa a cortina de ferro e chega de avião ao aeroporto da Portela. Soares vem de Paris, de comboio, e desembarca na estação de Santa Apolónia. Cunhal emociona-se na frieza de ter que cumprir o papel de Lenine. Soares, sem papel, é demagogo, fala em democracia, mas logo clama pela necessidade do fim da guerra. Os portugueses acordam estremunhados de um sono forçado que teria quase meio século de censuras, proibições e repressões. Embriagam-se colectivamente com liberdade de expressão, liberdade de reunião, liberdade de associação. Com liberdade e libertinagem. Há comícios, manifestações de apoio e de repúdio, bem como mesas redondas que debatem o que até então haviam sido os livros proibidos, os filmes proibidos, as palavras proibidas. Todos correm à procura de um tempo que julgam perdido, sonhando viver em poucos dias o que outros povos polidos e civilizados haviam levado décadas a germinar e a consolidar.

São castelos de palavras recortadas dos manuais de um pensamento petrificado, teorias, "slogans", fraseologias, palavras cheias de letras amontoadas à toa, discursos, palavras cruzadas, num qualquer xadrez sem regras. De madrugada chegara o sonho há tanto esperado, a hora da liberdade, o país da emoção, finalmente recuperado. Abril ressoa a nevoeiro feito aurora, é a revolução de um Portugal mais inteiro, com justiça, com primavera, com nação de corpo vivo. E para muitos, até Spínola se assume como o condestável da lusitana antiga liberdade, ao sinal do antes quebrar que torcer, nesse dia que parece de ressurreição, onde soldados nos dão crenças, horas de sonho, com liberdade e com pão. Quebrando as algemas da tirania, parece que regressa o Portugal marinheiros, dos heróis do mar, do nobre povo, da nação valente e imortal, gritando às armas, às armas da libertação, sobre o silêncio das praias desertas com direito a azuis infinitos. Quase parece que voltam o Quinto Império, as baladas de Bandarra, a Mensagem de Pessoa, as profecias de Vieira, a luz vencendo a bruma, com Camões regressando, numa mão a espada, na outra, a pena. Porque ainda ontem era o triste dedilhar das guitarras, quartos escuros em mansardas e as janelas saudosas sobre os telhados de uma cidade morta, a lua escondida, por trás das chaminés, restos de chuva nas ruas e alguém escondido, à luz dos candeeiros, enchendo folhas brancas de palavras negras, palavras que só ele um dia poderia ler. Agora, a rádio vai trazendo novas de liberdade, diz que os tiranos foram libertados e canta liberdade em hino nacional, tudo parecendo voltar a ser o Portugal-missão. O desencanto seguirá dentro de semanas.

O capitão Salgueiro Maia, em pleno Largo do Carmo, de megafone em punho, anuncia o fim de alguma coisa que qualifica como o Estado a que chegámos. Marcello Caetano quer entregar o poder a Spínola para que não caia na rua, manda Pedro Feytor Pinto ter com Maia, mas este diz que é preciso pedir autorização ao PC, isto é, ao posto de comando do MFA, instalado no quartel da Pontinha, onde funciona a coordenação da movimentação golpista. Feytor Pinto ainda pergunta: quem manda aqui? Respondem-lhe que mandamos todos. Questiona, depois, sobre quem é o mais graduado, mas a resposta de Marques Júnior, Manuel Monge, Otelo, Pinto Soares e Vítor Alves é simples: somos todos capitães.

Contraditoriamente, a Junta de Salvação Nacional retoma o golpismo institucional do reviralho, bem como o próprio sentido hierarquista, como havia sido expresso pela Abrilada de 1961. Mas o movimento dos capitães, em nome da legitimidade revolucionária, acaba por dominar um equilíbrio instável entre esses dois pólos, chegando-se a uma espécie de solução de compromisso, como acontece quando os capitães e majores se transformam em brigadeiros e generais arvorados, enquanto durasse a situação transitória do processo revolucionário em curso. Mas, nos interstícios da inexperiência política, começam a predominar os partisans das células de alcatifa, com que o PCP oleara os mecanismos das chefias militares e com quem Costa Gomes sabe dialogar.

Só que, na rua, a extrema-esquerda, decide lançar o grito de nem mais um soldado para as colónias, clamando contra o exército colonial-fascista, incendiando um rastilho que vai levar à inevitável quebra de comando de um país que, apesar de pensar-se em festa, continua em guerra. E, no teatro das operações, algumas tropas logo começam a abandonar os aquartelamentos e a dirigir-se para os principais centros de concentração urbana, desertificando a quadrícula do interior e desguarnecendo as fronteiras da Guiné, de Angola e de Moçambique. Misturando-se a inevitável quebra de vontade de combater com alguns sentimentos anti-coloniais, gera-se a principal contradição do processo, dado que as forças no terreno não podem esperar pela decisão do comando do processo. O ambiente de vivório e foguetório propaga-se até àqueles que estão destinados a conter a guerrilha e as tropas portuguesas começam a confraternizar com os antigos adversários.

Os inúmeros projectos político-partidários obedecem quase todos ao mesmo ritual. Em dois ou três meses há que fazer o que noutros países levou décadas. E tudo num ambiente de slogans


No dia 1 de Maio, multidões invadem as ruas e as praças e os cravos vermelhos consolidam-se como símbolo de um tempo novo, ao som dos discursos de Mário Soares e Álvaro Cunhal. O povo explode em manifestação organizada pelo espectáculo das palavras de ordem, com um Zé povinho a vestir-se de mariana reivindicativa, confundindo a revolução com uma grande festa. Cunhal e Soares tentam liderar o movimento de rua e juntam-se no antigo Estádio da FNAT, em Lisboa. Soares volta ao verbalismo demagógico e clama roucamente contra o governo fascista e colonialista de Marcelo Caetano, dizendo que foi hoje e aqui que destruímos o fascismo, arengando contra o baronato político-corporativo e os agentes do imperialismo estrangeiro. Cunhal, mais calculista, julgando repetir Lenine e o livro do processo histórico, fala na revolução do 25 de Abril e apela para a unidade da classe operária e das forças democráticas, clamando contra a guerra. E, num gesto ensaiado, termina o discurso abraçado a um marinheiro e a um soldado, desprezando a tal unidade antifascista das forças democráticas. Pereira de Moura fica ao lado e de lado. A transmissão em directo do espectáculo do povo unido começa engasgada nessa cena de palco, bem ensaiada.
É uma liberdade condicionada e rigorosamente vigiada pelo aparelho militar revolucionário. Fartávamo-nos de opiniões, de opiniões de muitos outros, que não é a opinião que cada um tinha, mas a opinião que convinha e que todos fingiam ter, mesmo quando não a tinham. Porque todos temiam quem eram, donde tinham vindo ou para onde iam. Porque todos tentavam ser o equilíbrio das aparências que a hipocrisia social impunha.

Às quatro da tarde do dia 9 de Setembro de 1836 desembarcam no Terreiro do Paço, os deputados oposicionistas do Douro e da Beira, vindos no vapor Napier. São esperados por uma manifestação de cerca de 6 000 pessoas, num ambiente de vivório e foguetório, animado por bandas de música.

Cerca das nove da noite batalhões da Guarda Municipal concentram-se na Praça do Príncipe Real (então Patriarcal Queimada) e, com a populaça, os insurgentes dirigem-se ao Rossio onde dão vivas à Constituição de 1822. Pouco antes em Espanha (12 de Agosto), uma revolta em Madrid tinha obrigado Maria Cristina a repor a Constituição de Cádis de 1812. Tropas do Governo, chamadas para reprimir a sedição, logo confraternizam com os revoltosos. Uma deputação destes entrega um ultimato à rainha nas Necessidades, sendo escolhido, para a liderar, face à recusa de Sá da Bandeira, o conde de Lumiares. Na reivindicação apresentada à Rainha, redigida por Soares Caldeira, consta a imediata proclamação da constituição de 1820 com as modificações que as cortes constituintes julgarem por bem fazer-lhe. O Conselho de Estado sugere à rainha que se submeta às movimentações e às oito da manhã já desfilam os vencedores com louros nas espingardas, depois das hortênsias de 1832 e dos cravos de 1974.

Saldanha regressa a Lisboa, vindo de Roma, sendo esperado e saudado por uma multidão de cerca de seis mil pessoas, com vivório, foguetório e bandas de música (4 de Julho de 1865).

Na noite de 26 de Janeiro de 1914, Afonso Costa promove cortejo de apoio aos democráticos, com o tradicional vivório e foguetório, onde não faltam filarmónicas e um balão à veneziana; a manifestação é dispersa por oposicionistas com cenas de pugilato no Rossio. Bandos de formigas pretas chegam a cercar o jornal O Mundo. Segue-se manifestação oposicionista nocturna, do Largo de Camões para Belém, organizada por Machado Santos, Júlio Martins, Carlos da Maia e Rocha Martins, onde se exige a queda de Afonso Costa, amnistia para todos os presos políticos e reabertura das associações sindicais encerradas. Entram na manifestação sindicalistas armados de archotes, a partir da Avenida 24 de Julho. Almeida e Camacho recusam participar e os comerciantes de Lisboa não fecham as portas.

Gomes da Costa toma posse como Ministro da Guerra e interino das Colónias, juntamente com Felisberto Pedrosa, nomeado no dia anterior (7 de Junho de 1826). Continuam sem ocupação os lugares de ministro das finanças, devido à renúncia de Salazar, bem como o do comércio e comunicações. No mesmo dia, Parada da Vitória na Avenida da República, com 15 000 homens. Assiste o corpo diplomático. Rocha Martins confessa que, nesse dia, estando perto de Sinel de Cordes, durante o desfile lhe diz: que bem que fica o Gomes da Costa a cavalo. Sinel, entre risadas dos que assistem à cena, responde: oxalá se aguente muito tempo no selim.

A besta continuou a cavalgar-nos durante meio século, devido aos sucessivos escribas dos Anais da Revolução Nacional.

25.4.07

Pedimos desculpa por esta interrupção, o 25 de Abril segue dentro de momentos

Confesso que tanto não fui à inauguração do túnel do Marquês, como também não participei no desfile comemorativo, por não haver discurso do Gato Fedorento. Estive ontem a comemorar mil oitocentos e vinte. Mas não posso deixar de me congratular com o discurso do PSD contra o controlo da comunicação social por parte do PS, depois da renomeação de Pinto Balsemão como dono da SIC.

Esperemos que a próxima inauguração do aeroporto da Ota tenha mais consensualidade, dado que circula a notícia de restauração do Conselho Superior das Obras Públicas, constituída por todos os professores catedráticos de engenharia civil que não têm empresas de consultadoria e que se dedicarão a dar fundamento técnico a decisões políticas desse teor. Nada de estranhar, portanto, quanto aos meus não comentários sobre as eleições timorenses e francesas, da mesma forma como ainda não tenho opinião sobre a repressão ao movimento Falun Gong por parte de Pequim. Pedimos desculpa por esta interrupção, o 25 de Abril segue dentro de momentos.



23.4.07

O plágio da era pós-ideológica e o fim do beatério democristão, com fins de semana em Odemira

Nova semana, vida velha, depois de Mário Soares já criar factos políticos, depois de Portas vencer Ribeiro e Castro, depois de Santana Lopes ameaçar regressos, depois de Manuel Monteiro dissertar sobre o que deve ser a direita, depois de Sarkosi e de Royal, entre o "sonho francês" e o "patriotismo republicano". Hoje fixo-me em Portas. Porque 5 642 pessoas o escolheram como novo líder de um novo ciclo velho, face ao renovado PP que volta a deixar de ser CDS. Isto é, o ritmo das directas partidárias está cada vez mais parecido com o fulgor eleitoral dos grandes clubes de futebol, onde até as claques juvenis são a maioria dos sócios.

Portas reassume assim um estrelato idêntico ao de Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira ou Soares Franco, sem necessidade de passar pelo exame das discursatas e golpadas de corredor dos velhos congressos, com as suas barganhas de notáveis de província, à espera de um lugarzinho nas listas para deputados. Em vez de um fim de semana com mil militantes num hotel de três estrelas, eis que, dos ditos 44 000 000 inscritos, apenas uma visita às urnas de cartão de 7 563 votantes. Por outras palavras, um dos cinco maiores partidos portugueses mostra assim, perante a opinião pública a sua efectiva dimensão de paróquia, principalmente quando abandona os níveis metafisicamente representativos e se dissolve num populismo sem espectáculo de luzes e balõezinhos.

Daí que tenha perdido brilho o discurso dito de vitória, onde se proclama o "espírito de conquista" e a promessa de construção de "um grande partido de centro-direita". Daí que só alguns guardadores de slogans tenham reparado que a novidade de Portas seja uma repetição de um tópico emitido, há um quarto de século, pelo social-democrata sueco, Olof Palme, sobre a era pós-ideológica. Coisa compreensível depois da derrota dos católicos no referendo do aborto e do esmagamento do beatério democrata-cristão de Zé Ribeiro e Castro, apesar dos entusiásticos apoios recebidos da ala hindu e de certos neoconservadores.

Logo, Portas prefere os conceitos indeterminados e a cláusula geral de um vazio doutrinário, mas sem ousar um apelo à costela liberal. Fica-se pela encruzilhada de uma personalização do star system e pela repetição do agenda setting, rivalizando com Maria José Nogueira Pinto na mobilização blogueira dos neocons e neolibs da revista Atlântico e dos blogues satélites. Zé Castro ficará no combate pela boa ideia de Europa, citando Bento XVI e caminhando, como homem só, pelas ruas desertas de Odemira. Só que, na TVI, já não manda o Zé Eduardo nem a Manela, mas um cardeal republicano, laico, hispanista e socialista, enquanto a SIC tem problemas de facturação e apoiará, invitavelmente, o próximo estrelato do PSD. Nada de novo, na frente Sudoeste deste flanco do europês, onde manda cada vez menos a Conferência Episcopal Portuguesa, já sem direito ao seu Centro Católico Português.

20.4.07

De como o capital pode ter pátria e Portas não comandou o "agenda setting" nestes dias belenenses...

Um segurança de discotecas foi o único dos 10 elementos de extrema-direita, detidos quarta-feira pela Polícia Judiciária, suspeitos de discriminação racial, a ficar em prisão preventiva. Em vez de extrema-direita, alguns jornais põem claques de futebol, como poderiam pôr portugueses que gostam de dizer que são brancos, racialistas e identitários. Isto é, foi tudo tão bombástico quanto a conferência de imprensa da UnI protagonizada por militantes do PS, embora nenhum assessor da PJ ou do MP tenha previamente declarado tal. O submundo dos espectáculos de música pimba e folclore de extremistas de direita ou de esquerda subiu episodicamente ao palco.

De qualquer maneira, quem parece estar irritado com todas estas parangonas do caso UnI/Sócrates+Extrema-direita é Paulo Portas que, desta, não conseguiu driblar o agenda setting, pois todos os dias aparece mais um episódio da telenovela Sócrates, Vara, Morais, num enredo de telenovela que o carinhoso discurso de apoio de Soares da noite passada apenas agrava, quando o compara à campanha contra Ferro Rodrigues, sem fazer ligações ao protagonismo de Balbino Caldeira face ao processo Casa Pia, coisas que já se tornaram tão banalidade do mal quanto a explosão de mais uns iraquianos na tal guerra que não é guerra e já não tem Jane Fonda com idade atractiva para a condenar.

E é nas contracurvas e meandros deste ritmo que emerge a figura de Pina Moura a suceder a Anadia no comando de um dos principais fazedores de valores e de notícias de uma Lusitânia onde já uma vez perdeu o partido de Febo Moniz. O antigo bispo que nos andava a dar hispânica electricidade, parece agora mudar de energia cardinalícia, indo competir com Balsemão, no comando da rede do chamado quarto poder. Esperemos que continue marxista-estalinista e que pratique o velho esquema segundo o qual o capital não tem pátria...

Por essa e por outras é que aqui na minha aldeia de Belém, hoje somos todos belenenses, sonhando que pode ser desta que iremos mais uma vez dar uma volta à estátua de Afonso de Albuquerque. O Doutor Cavaco, que é nosso vizinho mais recente, que fique a saber que no jardim diante do seu palácio, há um banquinho de pedra sagrada onde foi fundado o clube cá do bairro e que esse é lugar de romaria desta pequena minoria dos adeptos do Matateu, do Zé Pereira e do Vicente, pelo que daqui mando o meu sentido abraço ao ajudense Helder Costa, meu colega e resistente de sempre, bem como ao jovem Pedro Guedes, sempre fiel ao seu reduto.

19.4.07

Polícias de ideias, nunca mais!

De vez em quando, o telefone toca e lá respondemos aos jornalistas que nos pedem cooperação. os registos ficam. No DN "Há um fulgor organizativo na extrema-direita portuguesa", mas este fenómeno não é sinónimo de crescimento. Até porque "em Portugal não há condições, de maneira nenhuma, para uma explosão" desta ideologia. A convicção é do politólogo JAM, que desvaloriza a projecção que o PNR (Partido Nacional Renovador) tem conseguido nas últimas semanas, agora por força do encontro de extrema-direita agendado para o próximo sábado.

JAM lembra que não é inédito um encontro deste género, e aponta para outra situação. "O que se tem notado claramente, nos últimos dois ou três anos, é a integração dos movimentos portugueses em movimentos congéneres europeus. Esta integração é uma novidade", sublinha o politólogo. Que aponta também um outro dado que contribui para esse "maior fulgor" em termos de organização - a blogosfera, transformada numa ferramenta privilegiada de comunicação. JAM sublinha, no entanto, que a questão é sobretudo organizacional . Não significando um maior impacto desta ideologia - que "não tem condições" para se impor em Portugal. Manuel Villaverde Cabral, sociólogo, diz que a extrema-direita portuguesa "tem pouca expressão estatística" - tão pouca que "temos concerteza mais extrema-direita do que pensamos". Um cenário de difícil contabilização, até porque muitas vezes não se trata de uma "ideologia articulada". Neste capítulo, Adelino Maltês faz um outro reparo, referindo que em Portugal há muitas vezes "uma certa facilidade nos termos", colocando-se sob o epíteto de extrema-direita situações e ideologias muito diferenciadas.

No JN
é o caso UnI. Porque os efeitos na popularidade de Sócrates já são óbvios na quebra nas sondagens, segundo JAM, por causa desta "mossa no estado de graça" do primeiro-ministro, que será esquecido em poucos meses, diz. Para este catedrático, "discute-se o canudo, em vez do fundo da questão" a ligação entre "a partidocracia, os patos bravos e as universidades privadas". "Uma confusão da pior espécie que afecta todos os partidos. Todos têm estes cogumelos e a UnI não é diferente de outras", sublinha. JAM atribui o caso a um "fulgor juvenil" de Sócrates, com um senão "Se faltou à verdade e cometeu graves erros de confiança pública, o caso é diferente".

Porque ontem e hoje já falei em demasia (também estive na TSF e na SIC em directo), nada melhor do que silenciar, mas sempre acrescento que esta súbita obsessão da comunicação social sobre estas matérias está a gastar-se pelo mau uso e pode prostituir-se pelo abuso. Porque as ideias combatem-se com as ideias e nada há no actual ordenamento jurídico que impeça um fascista de se assumir como fascista, se a maioria dos defensores portugueses da coisa não pertencessse à categoria do fascista cobarde.

Segundo, porque apenas estamos a assistir à tradução em calão de movimentos exógenos, como consequência da própria integração europeia, invocando-se nacionalismos estrangeirados, contrários à ecologia da pátria portuguesa e até ao próprio ideário do autoritarismo salazarista, que proibiu os nacionais-sindicalistas e mandou a PIDE em 1945 caçar os nazis que aqui se encontravam exilados. Salazar nunca perdoou o que eles fizeram ao seu companheiro de ideias austríaco, Dolfuss.

Não podemos tratar, como questão ideológica, um simples caso de polícia e eventuais crimes de uso de arma ilegal ou de discriminação racial. A polícia deste Estado de Direito deve continuar a tradição que levou Otelo à prisão, não por ele ser esquerdista, mas por associação criminosa, de que foi amnistiado, com um juiz que era camarada ideológico dele a cumprir o seu dever. Aliás, mesmo hoje, pode haver um juiz de convicções fascistas que persiga criminosos, não por eles serem fascistas, mas por serem criminosos. A ETA em Espanha é perseguida, não por ser socialista revolucionária, ou independentista, mas por ser terrorista.

Já não está em vigor o conceito sovietista de contra-revolucionário, com direito a ingresso no Gulag, ou o conceito hitleriano de Gegenreich, com bilhete para o exílio ou para o campo de concentração. A sociedade pluralista e aberta do actual Estado de Direito assenta em valores que têm como adversários a intolerância, o fanatismo e a ignorância, mas nem por isso pode proibir ideias que defendam a intolerância, o fanatismo e a ignorância.

Porque houve ilustres filósofos e pensadores adeptos do totalitarismo no século XX e seria estúpido passá-los pelo silêncio. Porque a sociedade demoliberal costuma reciclar os seus inimigos. Os do século XIX, dos socialistas ao clericalismo, passaram a sociais-democratas e a democratas-cristãos, e trataram de ser os principais gestores do modelo depois de 1945. Para, nos finais do século XX, antigos comunistas se converterem ao pluralismo (veja-se o PDS italiano e os nossos ex-PCP e ex-MRPP), ou antigos neofascistas passarem a pós-fascistas (veja-se o caso de Fini e de analogias lusitanas do mesmo teor) , ambos como ilustres ministros de governos do pluralismo democrático na Europa Ocidental.

Seria estúpido que caíssemos nas armadilhas de certos caça-fascistas, para quem um extrema-direita até pode ser um conservador maçon como Churchill, o tal que liquidou o nazi-fascismo, ou um integrista teológico como Karol, depois João Paulo II, que derrubou os muros. Os segredos da liberdade têm que ser geridos pelos liberdadeiros e não pelos herdeiros da Inquisição ou dos moscas do Intendente.



18.4.07

UnI, UPAC, desgastes, e a eterna metamorfose dos donos do poder

Não! Não vou acusar os filhos dos ricos de serem ministros e comprar uma pistola para fazer deles carne picada. Não! Não vou reparar no trabalho de casa de uma licenciatura pré-datada. Não! Não quero saber quem é primo da senhora deputada europeia, que era conhecido do senhor professor, que se deu a conhecer ao senhor aluno, nem as coincidência que levaram à contratação do pai de outro aluno em vias de licenciatura. Não alinho nas campanhas de desgaste dos pais da pátria. Preferia que nenhum governante em funções tivesse escrito: «Meu caro, como combinado aqui vai o texto para a minha cadeira de Inglês».

Dizem que logo à tarde, a anunciada bomba, nesta guerra de papéis, com mouros na costa da enxovia e santiagos mata-mouros vindos de Fafe, em que deixámos transformar o ensino universitário, vai ajudar-nos à viragem do milénio, principalmente quanto à elaboração de um compêndio único sobre as formas de tratamento na língua portuguesa, de acordo com o novo estilo da Sociedade da Corte e a rigidez das leis sumptuárias desta rígida hierarquia das novas ordens deste renovado "ancien régime", onde o terceiro estado continua a não mandar.

Reparo que ontem, no Rio de Janeiro, numa pretensa guerra de facções registada no Morro da Minteira morreram 13 pessoas e que, do outro lado da cidade, seis homens acusados de tráfico morreram numa favela, enquanto, numa tentativa de assalto, no centro da cidade, houve outras duas vítimas fatais - a vítima e um suposto assaltante - totalizando 21 mortos. Daí que ocandidato à liderança do CDS-PP Paulo Portas tenha afirmado que quer um partido com «uma atitude contemporânea», enquanto o adversário mostrou alguns eternos velhinhos que o naranizam. Noto também que a receita fiscal do Estado português atingiu o nível recorde de 37 por cento da riqueza produzida no País, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB).

Porque, entre nós, continua a viver-se intensamente o conflito entre o velho partido dos fidalgos, do intendente Pina Manique, e o menos velho, mas já idoso, partido dos funcionários, com saudades de Sebastião José. Com o primeiro a querer desencadear a habitual viradeira. Com o segundo a querer servir a revolução institucional, herdeira das marquesadas. Com os dois, esperando a chegada de el rei Junot e o posterior devorismo.

De um lado, a lógica dos privilégios herdados, dita defesa dos direitos adquiridos, onde, por usucapião, se garantem anteriores latrocínios que os sucessivos situacionismos legalizaram, quando promoveram a aliança casamenteira entre os velhos e os novos ricos, para que Proudhon viesse proclamar que toda a propriedade é um roubo.

Prefiro deter-me nas Universidades lusitanas, as tais que resistem à custa de estudantes sem o Secundário, de acordo com o modelo que permite entrar no Ensino Superior a quem tenha mais de 23 anos. Já há instituições onde mais de metade das vagas são preenchidas com estes alunos.

Do outro, a ilusão racional-normativa do partido dos funcionários, logo traída por esse eterno estado de transição dos "jobs for the boys", dependente da mesa do orçamento, onde os buracões da lei permitem que doutorandos expulsos por plágio se doutorem na raia de Espanha e aqui entrem com mero registo
automático, para bem daquela constituição europeia que obriga a um júri de equivalências para um doutor vindo de Harvard ou da USP, mas o dispensa para uma universidade privada da Letónia.

Daí este místico conceito de universidades privadas, plataformas do conúbio e da barganha entre a partidocracia, os patos bravos e a fábrica de títulos para a nova fidalguia doutoreira e engenheiral, onde o Estado vai lavando as mãos como Pilatos, permitindo o negocismo e o laxismo. Sempre a metamorfose dos donos do poder, lendo muitos papéis, muitos papéis que vão tapando o sol da verdade com a peneira de um processualismo, onde os sacristães perderam o sentido dos gestos.

Não precisamos de nomear a Maria José Morgado inspectora geral do ensino superior. Basta um vicentino juiz da Beira, que se assuma como Sancho Pança do bom senso, para que venha uma sentença justa que faça fraude ao legalismo em nome da verdade e da equidade, para que o povo confie no Estado que deve voltar a ser pessoa de bem.

Alguém que diga que é tão grave a compra do poder, dita corrupção pelo Código Penal, quanto a compra da inteligência, do saber e da ciência, pela eliminação desse misto de intelectual e de serventuário, a que Gilberto Freyre deu o belo nome de intelectuário. Será que o ministro vai afinal gaguejar? Será que a UPAC vai mesmo descobrir o Brasil e furar a eterna política de sigilo? Será que depois da defenestração vai entrar, pela porta grande do palacete das vaidades, o que foi mandado para a lixeira do pátio através do espectáculo transmitido em directo a partir do varandim? Será que nenhum Pêro Vaz de Caminha vai escrever a nova carta de achamento de esqueletos no sótão?

17.4.07

In our time, political speech and writing are largely the defence of the indefensible

Em dia de não haver espectaculares notícias sobre a ponta visível desse "iceberg" da crise universitária, dito UnI mais engenhocas, passo os olhos pela memória dos professores e pensadores saneados pelas fúrias construtivistas dos novos regimes, quando eles ainda tinham a ilusão de transportar, pelo decretino soberanista, o camartelo dos "amanhãs que cantam" e tratavam de destruir as fachadas e as fundações das respectivas heranças, esquecidos que estavam da circunstância de todas as revoluções serem pós-revolucionárias. Assinalo os zé agostinho de macedo de todos os tempos, das contra-revoluções aos prec, e tudo simbolizo com um José Acúrsio das Neves a morrer numa choça. Power is not a means, ist an end. One does not establish a dictaorship in order to safeguard a revolution; one makes the revolution in order to establish the dictatorship (George Orwell).

Temo que continuemos a mudar com o furor dos caceteiros e dos pingos de cêra, a escavacarem a inteligência, onde há sempre um Frei Fortunato dito de São Boaventura a presidir a uma comissão de avaliação, para o estabelecimento de um novo compêndio único, ad usum das unhas rapaces de um qualquer cardeal Cunha, assente no seu antro. Temo que, no exílio, na prisão ou na morte cívica, tenhamos que continuar a comer o pão amargo da liberdade, só porque os regeneradores não querem aproximar-se da vontade de sermos independentes nessa balança da gestão de dependências que sempre foi a balança da Europa. War is peace. Freedom is slavery. Ignorance is strenght (George Orwell).

Julgo que é possível cicatrizarmos muitas dessas feridas e estabelecermos um novo sentido de bem comum, se não cairmos nas tentações magnicidas, ou nas ilusões salvíficas. Já há trinta anos que não há memória de persiganga e saneamentos, com fradescos, caceteiros e sargentadas. O que agora temos é a cruenta verdade de não ser verdade o discurso sobre a sociedade de certificadas qualificações, comparatistas avaliações, justos "benchmarkings", honestos "outsourcings" e reais "e-learning" e "e-government". In our time, political speech and writing are largely the defence of the indefensible (George Orwell).

Ainda estamos a tempo de mobilizações para o bem comum e de retirarmos os melhores do activismo abstencionista, limpando as trapalhadas reformistas e partidocráticas onde nos enredaram. Nestas matérias, eu já vi muitos porcos a andarem de bicicleta e não estranharei se deparar com seguidores de Amparo Cuevas, aliados a psicopatas militantes, elaborando planos de limpeza dos escombros de um sistema definitivamente abalado na sua credibilidade. All animals are equal but some animals are more equal than others (George Orwell).

Precisamos apenas de juntar pontas de meada, mesmo que se façam rupturas relativamente a este crescente desencanto, onde todos lêem os mesmos manuais de procedimentos, onde todos se deixam deglutir por este ritmo, comandado por um novo "big brother" desta "animal farm", onde todos somos iguais, mas onde só uma pequena minoria de privilegiados é mais igual do que a maioria dos outros, isto é, dos que continuam em desespero, na anomia da história dos vencidos, sem direito à revolta. Who controls the past controls the future: who controls the present controls the past (George Orwell).

O próprio D. Sebastião científico que nos prometia os "amanhãs que cantam" também chegou ao seu próprio "fim da história". Quando é que nos deixamos de sectários colectivismos morais? The Catholic and the Communist are alike in assuming that an opponent cannot be both honest and intelligent (George Orwell).

16.4.07

O poder enlouquece, o poder absoluto enlouquece absolutamente

Depois de ler as avaliações dos Professores Doutores Diogo Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa sobre prova oral do Engenheiro José Sócrates, podemos, finalmente, seguir o conselho do Senhor Presidente da República e tratar os problemas do país, dado que, atendendo à notícia hoje publicada pelo DN sobre a distribuição de títulos na Assembleia da República, onde apenas há onze doutorados, a esmagadora maioria dos actuais deputados lusitanos não poderia legalmente ser tratada por "sôtores", mas apenas por "senhores licenciados", de acordo com os rigores da lei vigente. Isto é, a esmagadora maioria dos representantes da nação, tal como a dos professores que temos, usurpa um título, dado que todos eles apenas têm licença para continuação dos estudos, de acordo com a etimologia e a designação institucional do canudo. O poder enlouquece, o poder absoluto enlouquece absolutamente (Alain).

Infelizmente, o fundo da questão continua a fugir-nos da lupa da investigação e quase me apetece contar uma história real, em que participei, quando um ilustre político em funções me chamou ao respectivo gabinete de poder, solicitando-me que o ajudasse, na presença, aliás, de um terceiro, seu colega de função, a escrever uma carta de exoneração, porque tinha um ilustre colaborador, de outro partido, que deveria ser preso em flagrante, por actos de corrupção. Ajudei-o naturalmente. Mas, no fim da labuta, perguntei-lhe se ele já tinha comunicado a coisa ao respectivo chefe de partido. Ele respondeu-me que não, porque o dito estava no estrangeiro e só voltaria dentro de dias. Power tends to corrupt and absolute power corrupts absolutely (Lord Acton).

A carta foi escrita. O chefe regressou e a carta não foi enviada. O corrupto continua impune. O tal meu amigo continua nas mesmas funções. E o referido chefe continua a brilhar ainda mais. Todos eles são considerados exemplos de bons e extraordinários políticos e enchem-nos os olhos e os ouvidos de discursos sobre a moralidade política. À excepção do tal colaborador corrupto, onde aparecem cada vez mais sinais de que, mais dia, menos dia, será apanhado. It has been said that power tends to corrupt, but that loss of power tends to corrupt absolutely (John Ruskin).

Esse político, meu amigo, talvez por remorso, nunca mais me contactou. Continuo a considerar que ele é honesto, mas tratei de o incluir na categoria dos incorruptíveis que sobrevivem pela boa gestão de corruptos que sabem fazer. Dos que chegam ao fim do dia e fazem o respectivo exame de consciência, concluindo que, por acção e omissão, ao somarem as colunas do bem e do mal, reparararam que a balança pendeu para a primeira opção. Corruption, the most infallible symptom of constitutional liberty (Edward Gibbon).

Tenho a certeza que esse tal político meu amigo, se lhe dessem o estatuto de arrependido, poderia, ao pôr a boca no trombone, desvendar as teias e os apitos que alimentam esta rede de canalhocracia em que estamos envolvidos, dado que uma pequena minoria de corruptos está a estragar a imagem de uma maioria de políticos honestos, que são deglutidos pelos inferno das boas intenções. É a isto que chamo sistema e que se transformou num mostrengo. Flattery corrupts both the receiver and the giver (Burke).

Acrescento que nada há de novidade debaixo do sol da sociedade aberta e pluralista. Mesmo na história de anteriores regimes políticos portugueses, esta degenerescência sempre aconteceu, tanto na monarquia liberal como na Primeira República. Mas hoje, há um aparelho de leis e de magistrados como, anteriormente, não existia, pelo que é, no mínimo, pisarmos as raias da incompetência, deixarmos que a degradação continue. Among a people generally corrupt, liberty cannot long exist (Burke).


E lá volto à azáfama das aulas, onde a recepção da bolonhesa ameaça muita massa mal cozida e bastante carne picada de duvidosa proveniência. Valem-nos os molhos, ingredientes, especiarias e outros condimentos que disfarçam a realidade. Basta fazer contas: onde antigamente havia quatro anos de licenciatura, dois de mestrado e outros tantos de doutoramento, há agora três, no primeiro grau, um, no segundo, e eventual chouriçada no terceiro. Por outras palavras, graças à concorrência e à mobilidade, grande parte das escolas pode cumprir o primeiro grau, mas já não atingirá o segundo, pelo que os orçamentos de Estado assistirão à redução dos cogumelos, sem terem que declarar entidades em degradação pedagógica ou que atender às sugestões das comissões de avaliação.

Se eu pudesse influenciar quem manda, em vez de lavar as mãos como Pilatos e de ser vítima da celestial demagogia dos profissionais do reformismo, aconselhava um pouco mais de patriotismo científico e uma adequada estratégia, para a gestão dos recursos escassos. Na minha área, por exemplo, seguia o modelo francês de concentração de esforços no ensino superior público, independentemente dos interesses dos concordatários e dos que andam na procura do lucro. Por outras palavras, tinha bom senso...



15.4.07

Contra o absolutismo, a ignorância e o provincianismo, marchar, marchar!

Domingo, quando espreito os registos da atarefada semana que passei, com intervenções em dois júris, organização de uma conferência e as habituais reuniões dos doutíssimos conselhos... Espero que, na próxima, me deixem dedicar aos alunos. Reparo também que muitos me pediram comentários sobre o caso UnI, a que chamaram de Sócrates, do Rádio Clube Português ao jornal Correio da Manhã, e que o semanário "O Diabo" trouxe um comentário meu relacionado com o tema. Noto também que um jornal de estudantes me entrevistou e que outro recordou a entrevista que dei sobre o tema, fazendo avisos sobre a crise em gritos de parto que por aí vai.

É evidente que quando faço este parcial balanço da semana, não estou a adubar a vaidadezinha, mas apenas a tentar abrir um pouco daquilo que, às vezes, se desvaloriza, na prestação de serviços à comunidade por parte daqueles professores que não dedicam o seu tempo extra-aulas a empresas de consultadoria ou a acumulações, até porque, todos os dias, não desisto da investigação e da publicitação da mesma, como se pode confirmar nos registos de entrada dos "sítios" onde divulgo meu serviço de funcionário da comunidade.

Por isso, não quero deixar de saudar a bela conferência que, sobre a história da administração financeira do Estado, Guilherme de Oliveira Martins
proferiu, na minha escola, no âmbito da disciplina de História da Administração Pública, onde, pela primeira vez, sou regente. O meu colega, amigo e companheiro de geração foi brilhante e cativante e obriga-me a recordar que começámos a nossa vida profissional como funcionários públicos no mesmo local, juntamente com outro assistente à mesma conferência, o António Rebelo de Sousa, quando a luta contra o defict até obrigava os três, no imediato pós-PREC, a partilhar a mesma secretária-móvel, que era de ferro e tudo.

Acrescento até que quem me meteu na vida de professor universitário foi o Guilherme, porque me trouxe os papéis do concurso público para assistente da Faculdade de Direito de Lisboa e me obrigou a preenchê-los. Passados alguns anos, estávamos todos ao serviço dos mesmos valores. Os dois sociais-democratas de sempre, autores do belo livro de confissões ideológicas, "A Democracia Incompleta" e eu, sempre heterodoxo, tão longe do ex-PSD, onde eles, ontem, militavam, quanto do actual PS, onde eles, hoje, militam, ou com quem cooperam.

Foi assim, com muitas saudades de futuro, que notei como a universidade pública, às vezes, não sabe mobilizar para o seu seio valores que se dispersam ao serviço do bem público. Até sorrio com a recente manobra de campanha que, agora, denuncia o José Pacheco Pereira, clamando que ele não pode intitular-se historiador, porque, para tanto, não está universitariamente titulado, quando, na prática, produziu, em qualidade e em qualidade, mais do que faculdades inteiras especialistas em títulos. O Alexandre Herculano que nunca foi titulado em coisa nenhuma e recusou ser lente convidado do Curso Superior de Letras deve dar voltas no túmulo...

Por isso, noto os novos meandros das trapalhadas socrateiras, com as televisões do fim de semana a irem roubar investigações à blogosfera, sem citarem aquelas fontes que até são assinadas com nome próprio, numa violação substancial de direitos de autor, bem mais grave do que as práticas que denunciam ao actual Primeiro-Ministro. Gera-se assim um ambiente confusionista que é propício a que um ministro da agricultura se ufane com a circunstância de dizer que deve receber uma medalha de luta contra o deficit só porque despediu todos os funcionários do seu ministério que estavam dedicados a matérias museológicas, isto é, dois! Sic: dois.

O argumento usado foi, no mínimo, ridículo: o ministério da agricultura não tem vocação para a matéria (sic). Como se tivesse sido o ministério da cultura a ser pioneiro em tal processo. Como se, no Instituto Superior de Agronomia, nunca tivesse existido um Eugénio Castro Caldas, por acaso, o primeiro director do gabinete de planeamento do mesmo ministério, quando a Universidade Técnica de Lisboa ainda era fiel ao seu plano fundacional. O tal ministro que aparece, agora, tecnocratizado por uma técnica que quer esquecer a sabedoria. Como se não tivesse sido o ministro Joaquim Lourenço, em 1979, a ser pioneiro no lançamento das bases de um núcleo museológico. Como se os dois modestos funcionários gastassem mais do que as horas extraordinárias que, muito justamente, devem ser pagas aos motoristas dos gabinetes governamentais do sector para irem à província fazer discursos destes...

Falo com conhecimento de causa. O agrónomo e jurista Lourenço, ministro do pintasilguismo eanista, na secção sousafranquista do mesmo, tinha como adjuntos dois jovens assistentes universitários, hoje catedráticos da universidade pública. Um era eu, outro, o José Artur Duarte Nogueira, da Faculdade de Direito de Lisboa, os preparadores do despacho de criação da comissão instaladora de um museu agrícola, à semelhança do que acontece na Europa comunitária, até para garantir a realização de filmes, conservando aldeias perdidas. Qualquer um de nós se inspirou em actos iniciados pelo anterior ministro socialista António Barreto, que teve desviar, com alguma ilegalidade, verbas do seu gabinete, a fim podermos comprar velhos carros de bois para o Museu Etnológico que não era do ministério que tutelava...

Felizmente que Guilherme de Oliveira Martins, quando foi governante nos sectores da educação e das finanças, lançou bases de identidade de dois ministérios, hoje exemplares no cuidado extremo que transparece no culto das raízes de futuro, tanto na pesquisa dos nomes históricos dados às escolas, como nas biografias das personalidades ministeriais. Curiosamente, o ministério da agricultura, que foi pioneiro nesse processo, fica satisfeito com a limpeza das memórias dos aparelhos do poder e da própria maioria sociológica do povo, pensando que, sem respeito pelo património cultural, é o camartelo da lógica do tractor e do betão que nos vai modernizar, como desde sempre praticaram os colonizadores quando queriam escravizar os povos que consideravam indígenas...

Não posso, contudo, deixar de saudar os que permitiram a mais recente fuga ao segredo de justiça, revelando as conversas de um autarca do Norte com governantes de Barroso, onde se revelam os bastidores do "nacional-porreirismo". Porque se confirma, por escrito, o que, durante anos e anos, só alguns poderiam detectar em puridade, nas chamadas conversas ditas de Estado. A conclusão foi expressa por um deles quando, referindo-se a certos políticos em miniatura, disse que eles apenas existiam no âmbito das terminações.

Mas a frase que melhor exprime a nossa classe política terá sido proferida por um ex-ministro, quando dizia ao ilustre cacique, fumador de charuto, que temos de ser uns para os outros. Isto é, o ilustre autarca e futebolítico, ao meter suas cunhas em vernáculo, em nenhum caso, ousou pedir favorecimentos pessoais, mas apenas facilidades para a respectiva região, autarquia ou amigalhaços, assim confirmando como foi esmagadoramente sufragado pelo respectivo povo.

Pena é que continue esta cultura anti-Estado de Direito, do princeps a legibus solutus e do quod princeps dixit legis habet vigorem. Isto é, que o grupo que conquista o poder, segundo a lógica do spoil system, não está sujeito à lei que ele pode fazer, refazer e desfazer, porque não compreende que o mesmo Estado de Direito é a tal chatice das pesos e contrapesos (as forças do bloqueio) e da separação de poderes, servida por funcionários com direito à carreira, de acordo com a legitimidade racional-normativa que Weber teorizou e que, por cá, continuam a ser ostracizadas como burocráticas.

Logo, mesmo que o povão prefira o governo dos espertos (Hannah Arendt), onde a interpretação da lei é mais favorável para os amigalhaços, temos obrigação de fazer a necessária revolução cultural que nos livre destas heranças absolutistas, começando, nomeadamente, pela liquidação do centralismo do Terreiro do Paço e de outros terreiros de paços locais, promovendo uma efectiva regionalização que, em vez de espalhar centralizações, nos leve à reconstrução horizontal e federativa do político.

13.4.07

Temos o primeiro-ministro que merecemos, uma mossa atrás, duas bossas em frente, a caravana passa e só os vermes vão ladrando

Virada a página dos meandros curriculares do Engenheiro Sócrates, digo-o sem ironia, mas por cortesia, como o exige esta sociedade da Corte, e das pressões que, em boa hora, substituíram os cortes da censura, quase me apetecia sugerir que voltássemos às boas tradições parlamentares, quando a assembleia vintista não quis dispensar um jovem redactor parlamentar da época, que precisava de ir a Coimbra concluir a respectiva graduação, e tratou de lhe atribuir, pela via da legalidade, o título em falta...

Em contraponto, talvez mais realista, importa recordar que algumas das mais sufragadas personalidades políticas do país, em termos demoliberais, no auge das suas maiorias absolutíssimas, acabaram por abandonar o poder por coisas minimalistas. Foi Fontes Pereira de Melo em torno de uma dessas quezílias à moda do Minho, entre Guimarães e Braga (a primeira cidade, sem ser por causa de Vizela, queria passar para o distrito do Porto...). Foi Cavaco Silva, por causa de um "tabu" ainda não revelado (não me parece que tenham sido as guerras de Nogueira contra Loureio por causa das portagens...). Foi Guterres, quando sentiu o pantanal (não me parece que bastem as estórias do cunhado...). Isto é, tem sido sempre o fogo lento a transformar os membros inferiores dos gigantes em vulneráveis pés de barro.


Sejamos claros: ninguém de bom senso quer que o Presidente Cavaco dissolva o parlamento e provoque eleições gerais. Julgo até que os principais interessados na não dissolução são os barões assinalados, mas já poucos, do PSD, que ainda não se consensualizaram quanto a um líder predador que seja capaz de os voltar a levar ao poder. Reparo até que nem os anti-socratistas do PS querem provocar a instabilidade, mesmo sabendo que, se agora voltássemos às urnas, obteriam uma refrescada maioria absoluta. Por outras palavras, as forças mais interessadas na subversão da credibilidade do actual situacionismo governamental apenas estão a lançar balões de ensaio para a habitual guerrilha do "poker" interno, no âmbito dos blocos de conquista do poder do decadente Bloco Central de interesses e cunhocracia. Daí o regresso de Santana Lopes ou de Paulo Portas, dois excelentes profissionais desse tipo de paúlismo, com rumsfeldismos à mistura...

Aliás, o episódio Independente ainda vai em certo átrio processual e espero, com alguma curiosidade, a defesa que Rodrigo Santiago vai levar a cabo face às tradicionais fragilidades técnicas dos juristas do Ministério das Universidades, bem expressas nos projectos de diplomas que já semearam sobre as fundações universitárias ou o estatuto da carreira docente. E as anunciadas voracidades, também já manifestadas pelas privadas da concorrência, a fim de receberem as propinas das principais vítimas deste processo, se forem objecto da necessária, independente e rigorosa inspecção, poderão deixar mossas gravíssimas na já fragilizada credibilidade do sector. Ao contrário do que proclamou o ex-ministro Mendes e com a ingenuidade de quem nunca experimentou essa sensação do supremo mando ministerial, julgo que as inspecções estaduais, apesar de tuteladas, devem estar dependentes de uma ideia de Estado de Direito... caso contrário, contratem advogados que possam vir a ser seus futuros vice-presidentes partidários.

Ao contrário do que aconteceu no caso Moderna, onde se encontrou a media via, de um ilustre catedrático, ex-ministro do sector e futuro deputado europeu, assumir a reitoria, mantendo a transição, agora temos uma ameaça de vazio e debandada, que podem não ser boa alternativa. Basta recordar-me do que há uns anos aconteceu a uma privada em falência, onde vi professores da mesma a serem contratados pela rival, desde que também transportassem os alunos da anterior, coisa que até no âmbito das regras de concorrência do mercado meramente económico seria punida, mas onde todos lavámos as mãos como Pilatos...

O Engenheiro Sócrates, como Primeiro-Ministro, mantém toda a sua legitimidade. Do alto de um absolutismo democrático e de uma opinião pública que não lhe fará guerrilha global, ele ainda pode dar o salto costumeiro de
uma mossa atrás para duas bossas em frente, porque os cães ladram, mas a caravana passa, tal como os ex-maoístas, neocons e neolibs que mordem e remordem, mas se ficam pela vermicidade da vindicta. Contudo, ficou para sempre o registo de uma ameaça de tempestade e as consequentes olheiras de angústia, como todos poderão confirmar nas political quotations da Internet.

Mas não foi isto que levou Aznar à derrota eleitoral. E também não foi por esta causa que Collor de Mello acabou "cassado". Seria ridículo que a PGR repetisse um inquérito à Lewinski contra Clinton. O episódio não passará de uma nota de pé-de-página da história, bem ao nível das conversas gravadas de Valentim Loureiro, hoje reveladas no "Correio da Manhã", onde o barrosismo ficou com as orelhas em rubro.

Por mim, não quero que o chefe do governo de Portugal seja reduzido a essa dimensão. Sobretudo, por causa de Portugal. Temos o primeiro-ministro que merecemos, a culpa já não vai morrer solteira e os sucessores de Ramiro Valadão já não são
delgados.


12.4.07

A nova queda dos anjos, dos temperamentais aos papudos

Assisti atentamente à conversa em família que ontem foi emitida pela televisão pública e que, neste mesmo lugar, profetizei como pescada, isto é, como enlatado de aquário que antes de o ser já o era, com possibilidade de prognósticos antes de um apito final, mesmo sem ser dourado. Apenas julgo que Sócrates esteve incomparavelmente melhor do que Luís Marques Mendes e que o partido que mais dignamente se comportou perante o delírio foi o PCP, apesar de elevar à categoria de melhor comentário da noite, o de José Pacheco Pereira, quando aludiu ao deslumbramento do mimado deputado da Beira Interior com a chegada à capital.

Por isso, fui reler o romance de Camilo Castelo Branco, A Queda de um Anjo, de 1886, onde se satiriza a classe política de há cento e vinte e um anos. Deixei de ler as fichas escolares e as fichas parlamentares de José de Sousa, porque notei que ele sempre teve exclentes notas quando tinha tempo para estudar e que, desse brio transmontano e beirão, ficou a garra que sempre tem manifestado, bem como alguns excessos de menino temperamental, com que simpatizo e que não deixo de qualificar como atitude de gajo porreiro.

Mas prefiro a obra de Camilo, onde se narram as aventuras do deputado Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado da Agra de Freimas que, nascido em 1815, é eleito deputado com 44 anos, por Miranda do Douro, quando nas Câmaras havia três deputados legitimistas e os liberais estavam na oposição. Ele que era santo homem lá das serras, o anjo do fragmento paradisíaco do Portugal velho caiu.

Caiu o anjo, e ficou simplesmente o homem, homem como quase todos os outros, e com mais algumas vantagens que o comum dos homens, depois dos antigos companheiros miguelistas lhe chamarem liberal e até acérrimo, ele logo respondeu: estou português do século XIX, no rumo em que o farol da civilização alumiava com mais clara luz. Disse que escolhia o seu humilde posto nas fileiras dos governamentais, porque era figadal inimigo da desordem, e convencido estava de que a ordem só podia mantê-la o poder executivo, e não só mantê-la, senão defendê-la para consolidar as posições, obtidas contra os cobiçosos delas. Reflexionou sisudamente, e fez escola. Seguiram-se-lhe discípulos convictíssimos, que ainda agora pugnam por todos os governos, e por amor da ordem que está no poder executivo.

Depois de se enlevar nas delícias de França de se flagelar na ciência moderna e na leitura de livros modernos e fechado o triénio da legislatura, foi agraciado com o título de barão de Agra de Freimas, e carta de conselho. Sondou o ânimo de alguns influentes eleitorais de Miranda para reeleger-se pelo seu círculo. Disseram-lhe que o mestre-escola lhe hostilizava a candidatura, emparceirado com o boticário. Arranjou o barão dois hábitos de Cristo, que fez entregar com os respectivos diplomas, aos dois influentes. Na volta do correio foi-lhe assegurada a eleição, que, de mais a mais, o Governo apoiava.

Os novos anjos, vindos de Fafe ou da Covilhã, que nos continuam a tratar como anjinhos, apesar de sermos cada vez menos papudos, mesmo quando são vítimas das tais insinuações onde foram crescendo, não deixam de usar o esquema da insinuação, como o Primeiro-Ministro ontem fez quanto à blogosfera, assim se confirmando o que realmente pensa sobre o choque tecnológico e a sociedade do conhecimento. Como outros o poderiam fazer há cento e vinte e um anos quanto aos que escreviam em jornais ou, há vinte e cinco séculos, sobre os que apenas escreviam, como homens livres, sobre as coisas políticas, nomeadamente os que ainda hoje estão mais interessados na questão da constituição de Atenas, ou no referendo sobre o futuro tratado constitucional da casa comum onde é supremo institucional Durão Barroso e para onde também se diz que serão consensualizados Álvaro Vasconcelos e o professor doutor Vital Moreira, assim reforçando, e bem, a presença portuguesa nas elites dirigentes do OPNI.

Digo que Sócrates continua a ser o mesmo artista comunicacional que nos deslumbrou quando emparceirava com Santana Lopes nos comentários televisivos. Repito o que, aqui, na blogosfera e nos jornais escrevi, quando ele assumiu o poder: entre Sócrates e Lopes, dois géneros zoológicos para o mesmo Louçã, há o idêntico perfume "hollywoodesco", entre o cineclubismo de esquerda e o gosto pela cóboiada da brilhantina, como o exige a salsicharia teledemocrática.

Aqueles que têm crenças já não as podem exercitar na esfera pública. Ficam-se pela solidão dos lares, pelas pequenas catacumbas das redes de amigos e até pelos blogues que não são abruptos. Porque de quase de nada valem os signos institucionais de outras procuras, dado que a república caiu na ambiguidade discursiva de Sampaio, nesse texto sem palavra que apenas serve para interpretações da racionalidade importada, nesse discurso onde há apenas entrelinhas tortas e insinuações curvas, onde nem Deus escreveria direito nem o Diabo marraria. E, quanto menos a ideia e a emoção de nação nos mobilizarem, mais seremos estadualizados de forma alienígena.

Sem uma comunidade afectiva que nos dê justiça e bem comum, apenas reclamaremos direitos e nunca daremos ao todo a necessária justiça e o indispensável amor. Contestar, protestar, exigir podem ser fracturantes se não assumirem a dimensão militante da resistência. E caso não haja alma que nos identifique, não passaremos de mera sociedade anónima gestionária. Só com uma necessária tensão espiritual, poderemos vencer as teias da demagogia, da incompetência e do negocismo.

Tenho de chegar à conclusão que o velho Estado moderno se deixou enredar nas teias dos especialistas na conquista e manutenção no poder no âmbito do clubismo, do facciosismo e do campanário. Competentíssimos nesses domínios da fulanização, da galopinagem e do caciqueirismo, grande parte dos figurões que nos regem não percebem que atingiram, há muito, as raias do princípio de Peter, a partir das quais estão condenados a pisar os terrenos da incompetência.

11.4.07

Os pecados de Sócrates...

Logo à noite, o cidadão José Sócrates Pinto de Sousa, na sua intervenção televisiva, já está condenado a não poder falar de política, porque toda a hierarquia de valores já está invertida e passámos a girar esquizofrenicamente, em torno de um "fait divers". Confesso que pouco me incomoda que um engenheiro técnico se assuma como engenheiro sem o correspondente adjectivo, mesmo que tenha sido grave tal conduta, mas julgo que Sócrates já foi mais do que punido por esse eventual desviacionismo. Incomodar-me-á muito mais que ele faça disso uma discussão sobre o sexo dos anjos. Os problemas de Portugal não podem ser derimidos por teológicas bizantinices.

A questão da Independente não pode ser resumida a esse pormenor, o drama dos milhares de estudantes com a ameaça do vazio de escola e de professores e estudantes no desemprego são bem mais importantes do que um ofício de um responsável governamental do ambiente à procura de equivalências numa universidade onde também era docente o actual líder da oposição. Julgo que esse período de alguma embriaguez das privadas já nos deixou suficientes ressacas e que não é o regresso ao farisaico que nos pode salvar a cidade e a universidade.

Sobre a matéria, vale mais dizer que falharam os ministros, os inspectores e os avaliadores, como também falharam os próprios professores, especialmente os publicamente titulados, quando deixaram que os seus nomes cobrissem com um manto diáfano do prestígio coisas para onde eles não mandariam os próprios filhos, parentes, amigos ou conhecidos. Isto é, falhámos todos, quando, reparando nos buracos laxistas do sistema os instrumentalizámos em benefícios individualistas, ou de lógica de instinto do crescimento do poder, nomeadamente da cunhocracia neofeudal.

Sócrates errou tanto quanto outros politiqueiros que assumiram a confusão dos títulos e as fraudes àquilo que muitos pensavam estar em vigor, as velhas leis sumptuárias destes restos de fidalguices, onde muita falsa nobreza e muito falso clero quiseram continuar a sociedade de ordens, em plena ética republicana, segundo as concepções de Kant. Por mim, que sou de Coimbra, nado, criado e estudantado, sempre soube que na minha terra natal reduzíamos o "sôtôr" ao "vase de nuit".

Contudo, bem gostava que houvesse, por cá, alguma ética puritana que tanto punisse os eventuais erros de Sócrates quando o corrupto ou o evasor fiscal. Se, por milagre do céu, acabássemos de entrar nesse ambiente, onde, em vez dos colectivismos morais das seitas, houvesse o sentido moral da autonomia das pessoas, com profundo estoicismo à mistura, eu ficaria muito feliz. Era sinal que todos iriam viver como pensavam, sem pensarem como, depois disso, iriam viver...

10.4.07

Os moços são bacharéis e querem bacharelar acerca da coisa pública e à custa da mesma coisa acerca da qual bacharelam

Tentando contribuir para o estudo das causas que levaram, ontem, o ministro Gago à dolorosa operação de contenção do apodrecimento da ideia de universidade, reparo que já na entrada do último quartel do século XIX, Ramalho Ortigão observava que a mocidade vive nas antecâmaras do governo como os antigos poetas do século passado nas salas de jantar dos fidalgos ricos. Os velhos são agiotas ou servidores do estado. Os moços são bacharéis e querem bacharelar acerca da coisa pública e à custa da mesma coisa acerca da qual bacharelam. Porque o nosso profundo mal está na nossa profunda indiferença. E explicava a causa: o sistema representativo tem sido sempre, por toda a parte, considerado como uma forma de transição entre a condenação da monarquia absoluta e o advento da soberania popular. Ora é bastante duro obrigar um povo ou uma parte de um povo a conservar-se eternamente fiel a uma instituição interina.

Com efeito: em Portugal os partidos acabaram há muitos anos. Não existem divergências de opinião sobre qualquer princípio capital que interesse ao país inteiro. Como o interesse do país desapareceu, a urna fica entregue ao arbítrio da autoridade, e os círculos eleitorais convertem-se em burgos podres. Os regeneradores com os cabos de polícia elegem a maioria, os grandes proprietários com os seus caseiros e os seus amigos votam nas oposições. A vontade popular é muda e passiva, o que quer dizer que as fontes íntimas da vida nacional estão obstruídas ou secas.

O mesmo Ramalho, prosseguindo a análise demolidora, lamentava não termos uma dialéctica à maneira britânica: não há uma oposição perfeitamente e fortemente constituída e assinalada, não há uma maioria consistente e robusta e para manter os apoios oscilantes o governo acode submissamente às exigências dos pequenos corrilhos, promete, desdiz, cede, transige, compra, troca, vende, intriga, e cai de fadiga, apupado e corrido.

Assim, sem os partidos fortes, único motor capaz de imprimir um jogo tão regular às engrenagens do regime constitucional como o que existe na Bélgica e na Inglaterra, achamo-nos quase no estado atomístico de Hegel, na desagregação em virtude da qual cada molécula social, entregue por sua desgraça à liberdade quase absoluta, volteia às cegas em busca de um novo centro de atracção.

Ramalho escrevia um quarto século depois de termos instaurado, ainda estremunhados pelo autoritarismo cabralista, uma sociedade pluralista e aberta. Gago, ontem, lancetava uma degenerescência típica desse ambiente. Confundir o fundo da questão com a exemplar vida de estudante do senhor Primeiro-Ministro poderá ser trágico. Eu que continuo a ter a lucidez de ser ingénuo, apenas julgo que José Sócrates Pinto de Sousa foi uma vítima das circunstâncias e que, por isso mesmo, tem toda a legitimidade para evitar que outros incautos sejam apanhados.

Julgo que, sobre a matéria universitária, seria útil que o Presidente Aníbal Cavaco Silva pedisse ao principal líder da oposição, o descendente do Luizinho do Paçal (ver JN de hoje), antigo docente da mesma UnI, para estabelecer, com o PS, um pacto regenerador de luta contra a doença da bacharelização e do doutorismo.

Por mim, confesso que era capaz de fazer
, ao conselho científico da minha universidade pública, uma proposta de contratação, como professores convidados, tanto de José Sócrates como de Luís Marques Mendes, de acordo com a lei vigente e com aquilo que considero a avaliação do mérito, assente num "curriculum". Atribuía a um a regência da disciplina de "Partido Socialista", e não de engenharia, enquanto que desafiava o outro para a de "PSD" e não de direito processual civil.

Espero que, amanhã, José Sócrates tenha a grandeza de ser humilde e que nos ajude a libertar deste ambiente poluído que confunde o poder com o saber e com o qual não poderemos enfrentar os desafios da democracia e da sociedade do conhecimento. Que ele seja um político exemplar que, para isso, tem os suficientes títulos de legitimidade. Porque se voltássemos às manias da "república dos catedráticos", o único líder oposicionista que tem uma vida universitária de grande mérito é o Professor Doutor Francisco Louçã e não me parece que, por isso, o tenhamos que sufragar em termos de opções políticas.

Demos a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, mas sem que a César ou a Deus pertença tudo...






9.4.07

Será que uma andorinha pode cumprir a Primavera?

O senhor ministro não gaguejou, cumpriu o que considera ser o seu dever de função. Disse querer lancetar uma infecção e mais declarou que a doença é recente... Trouxe muitos papéis, muitos papéis, demonstrando que, desde sempre, nesta década, tudo foi publicamente auditado e publicamente avaliado, ninguém vendo, ninguém lendo, ninguém ouvindo. Por mim, posso concluir que a lei não presta, que os auditadores não viram, que os avaliólogos não detectaram. As causas. Não podemos ignorar. As causas.

Será que o problema do ensino superior está apenas nesta árvore apodrecida? Será que os responsáveis pela floresta podem continuar a lavar as mãos como Pilatos, atirando para o comunismo burocrático as culpas pela má gestão do cartório? Será que este acto ministerial é apenas uma andorinha sem posterior Primavera? Ou será que, condenado um bode, todo o rebanho poderá renascer das cinzas, sempre ignoradas? Não haverá por aí um ex-ministro do sector que, antes de mais altos voos, queira ser reitor da instituição?

Que Deus queira, que o homem sonhe, que a obra nasça…

Repito o que disse em Outubro de 2000:

Conclusões um pouco metapolíticas

Nestes termos, deixem-me concluir de forma um pouco metapolítica:

1ºA principal riqueza de qualquer país está nas pessoas que constituem. A principal riqueza de Portugal está nos portugueses.

2ºCada português é um homem concreto que dentro de si deve descobrir e conquistar o homem completo. A função da educação é a de ajudar o homem a libertar-se da servidão. Portanto, ai da educação que vegete na mediocracia; que, desculpando-se com a quantidade, trate de diminuir a qualidade; que sob o pretexto da massificação, ponha o superior ao serviço do inferior; o transcendente ao serviço do rasteiro; seja o homem ao serviço de uma abstracção; seja a sabedoria ao serviço da técnica.


3ºSó pode ser autêntica uma educação que siga o lema pessoano do "tudo pela humanidade, nada contra a nação". Dito de outra forma: só pode ser autêntica uma educação que atinja o universal através da diferença e que não esvazie o homem de história; que o não desenraize do chão físico da sua ecologia e do chão moral da sua história. Só podem ser iguais os que são dignos.


4º A escola não deve ser uma fábrica de saber fazer ou um mero centro de formação de postos de vencimento; a escola pode e deve ser tudo isso se antes for uma escola de cidadãos e um centro de comunicação de valores; isto é, deve ser uma instituição, onde os métodos estejam ao serviço dos fins.

5º Portugal empobrecerá, envelhecerá e injustiçar-se-á se, a nível do sistema de ensino, não se puserem os meios ao serviço dos fins; isto é, a escola ao serviço do homem; a técnica ao serviço da sabedoria; a organização ao serviço de uma ideia de escola.


Que Deus queira, que o homem sonhe, que a obra nasça…

Regresso à ideia clássica de universidade

Repito o que disse em Outubro de 2000:

Contra o legalismo e a corrupção

Mas o sistema educativo português, e principalmente o modelo de ensino superior, não peca apenas nos princípios. Falha também no domínio dos instrumentos, da metodologia. A começar pelo vício da elefantíase legislativa, com a consequente interpretação da lei pela via do hierarquismo da circular e a crescente irresponsabilidade do comunismo burocrático.

Quase todas as leis emitidas em Portugal sobre o ensino superior privado nunca foram cumpridas até à exaustão. Primeiro, porque o abstracto legislador nunca ouviu o avisado conselho dos que mais sabem teoricamente sobre a matéria e que por acaso até são os mais práticos. Ora, o pior que pode acontecer a uma lei é que os respectivos executantes, reconhecendo a impotência na passagem da vigência para a eficácia e faltando-lhe a cobertura da validade de uma lei justa, tratem de a pactuar pela barganha, abrindo necessariamente a porta à corrupção individual e institucional.

Por causa deste erro da política legislativa é que somos o quarto país mais corrupto da União Europeia. O que também deve ser verdade no âmbito da política educativa. Porque quanto mais proibicionismo emitimos, mais corrupção temos. Com efeito, os países onde melhor a dimensão pública da política educativa são aqueles onde mais importância o sector privado do ensino superior.

Se é verdade que quanto mais Estado, pior Estado, não é, contudo necessariamente verdade o laxismo do quanto menos Estado, melhor Estado, como muitos colectivistas interesseiros da nossa história acabaram por praticar.

Neste últimos anos de Portugal não é só no âmbito da política de segurança que, depois de uma aparente bonança de laxismo, se sucedem erupões cutâneas de ciclotímico furor de autoritarismo intervencionista e proibicionista, num ritmo quase esquizofrénico. Também na política educativa, depois de um largo período de “salve-se quem puder” desregulativo, onde foram sobretudo abolidas as regras da conjunta justa e se esqueceu que nem tudo o que é lícito é honesto, depressa chegou o regulamentarismo inquisitorial.

Contra o planeamentismo e o inquisitorialismo

Neste sentido, importa eliminar, de forma exaustiva, a mentalidade planeamentista dos burocratas da educação. Há que pedir ajuda a pais, professores, alunos e empregadores, sobretudo a quem vive a aventura quaotidiana das escolas, das aulas, da sucessão de gerações

Os burocratas ministeriais, sindicais e estudantis

A burocracia dos tecnocratas da educação, aliada à burocracia do corporativismo sindical e à burocracia do associativismo estudantil contituem as principais barreiras que nos desfocam a realidade da educação viva e vivida. Entre discursos abstractos, chavões de fotocópia e reivindicações repetitivas, continuamos a ser pautados por uma renda de bilros que nos embaciam o bom senso.

A consequência: um regime de sargentos verbeteiros

É neste ambiente que voltam a medrar os sargentos verbeteiros que apenas seriam ridículos se não se desse a tragédia de poderem alcançar as cadeiras governamentais, os quais fazem sempre perder as energias colectivas na construção de um grande ficheiro, esquecendo que hoje o Big Broter já não é escrito por Aldous Huxley mas pelas produções Teresa Guilherme.

Os revolucionários frustrados

Há também que atender ao facto dos revolucionários frustrados do Maio 68, que assaltaram lugares universitários no tempo do PREC, quando as passagens administrativas e o privilégio do não concurso público se conjugaram com o saneamento selvagem dos mais qualificados, terem agora concluído o seu termo nos domínios do cursus honorum universitário, ocupando muitos deles lugares cimeiros na estrutura de certas universidades públicas. Ora, muitos deles não perderam o sentido inquisitorial e pidesco do animal de horda e continuam a ter como modelo o voyeurismo da delação.-

Superar a falsa dialéctica público/privado

Finalmente, importa superar a falsa dialéctica público/ privado. Com efeito há que distinguir a titularidade da função e ter a humildade de reconhecer que uma entidade na titularidade de privados pode, na verdade, exercer funções públicas e que uma entidade na titularidade pública pode apenas encobrir interesses privados. Ora, sou capaz de dizer que parte significativa do sector público do ensino superior é bem pior que parte importante do ensino superior privado.

A aventura da qualidade

Não há universitário sem sentido de risco. Porque o universitário é aquele que, pela sua maturidade, conquistada pela concorrência pública, por um concurso público, fica habilitado a poder proferir juízos responsavelmente justos, sem necessidade de se acobertar na irresponsabilidade de uma qualquer remessa para o comunismo burocrático de um hipócrita à consideração superior.

Ser justo, avaliar pelo mérito é o preciso contrário da arbitrariedade, onde, dentro da legalidade, se estabelece um escalonamento, apenas susceptível de ser atacado por abuso de poder ou desvio de poder.

Libertação, liberdade e igualdade

Importa talvez recordar que a missão fundamental da educação é ajudar o homem a libertar-se por si mesmo e dentro de si mesmo; ajudar o homem a lutar contra a despersonalização do homem; transformar cada homem numa ilhota de subjectividade que só mediante a comunicação pode participar no ser (Gabriel Marcel). Só depois desta libertação é que a liberdade social é possível; só depois desta libertação é que a igualdade se torna realizável. Porque a igualdade, enquanto sinónimo de justiça, sempre foi o exacto contrário da inveja igualitária, dado que sempre impôs que se tratasse desigualmente o desigual.

Regresso à ideia clássica de universidade

Daí que a universidade, enquanto universitas scientiarum, deva ser o sítio onde se procura passar da mera opinião sobre todas as coisas ao conhecimento de todas as coisas, enquanto conhecimento do todo; onde se procura integrar o socialmente útil no sentido da existência do homem na sociedade e no cosmos; onde se procura passar da técnica à sabedoria, ajustando a alma ao movimento global do universo. A universidade, como a escola primeira, não é uma escola do saber fazer, mas uma escola onde apenas se aprende a aprender; onde cada um dos que nela se consideram formados obtêm o título de licenciados, de homens que obtêm licença para continuarem a estudar por si mesmos.