Olho, da janela do escritório, o pinheiro que semeei na extrema da minha terra de liberdade, onde as corujas vêm, de vez em quando, pousar. É madrugada de mais um dia que nasce e ainda posso olhar as estrelas, com os pés na terra pátria onde quero semear meus restos, quando passar a ser apenas memória. Acordo e recordo, insisto no velho mas não antiquado imperativo categórico de viver como penso, sem pensar como vou vivendo. E tento esquecer que uma parte de mim mesmo está presa nas teias de uma Bielochina que eu desejava imaginária, como simples exercício de imaginação de fantasmas, situado no extremo oposto da vivida realidade, do aqui e agora. Mas não! Chegam telefonemas e, um a um, confirmam que o tal défice democrático não pertence apenas às maiorias absolutas do caciquismo bairrista, mas a todas as estruturas de uma qualquer personalização do poder, incluindo as do reformismo tecnocrático dos pequenos segmentos socratinos do nosso quotidiano, propícios ao florescer dos micro-autoritarismos sub-estatais.
Dos tais que não têm les principes, mas meros simulacros de um falso princeps que, não recebendo lições de democracia de ninguém, suspendem a política e entram em regime de despotismo teodemocrático, regressando ao velho doméstico de certa sociedade de corte. Por isso recordo as lições dos clássicos, começando pelo meu mestre de há séculos, com quem comungo daquela secreta irmandade que todos os que ascendem à maturidade da teoria podem aceder, mas numa universitas scientiarum que não se confunda com os colégios fundamentalistas saturados pelo capacete das pequenas tiranias do carreirismo, da cunha e da subsidiocracia, embora se decretem de esquerda, da modernidade, do reformismo e das cantorias, assentes na grande união unitarista, só porque podem ter um pé de barro estalinista e outro, de mosto, arrotando ao fascista folclórico.
Porque todo o homem que tem poder sente inclinação para abusar dele, indo até onde encontra limites (c'est une expérience éternelle que toute homme qui a du pouvoir est porté à en abuser) e que, para que não se possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder trave o poder (le pouvoir arrête le pouvoir). Até porque o mais perfeito governo é aquele que avança para o seu objectivo com menos custos...
La liberté est le droit de faire tout ce que les lois permettent …
Dans un État, c'est-à-dire dans une société où il y a des lois, la liberté ne peut consister qu'à pouvoir faire ce que l'on doit vouloir, et à n'être point contraint de faire ce que l'on ne doit pas vouloir...
Porque as leis são les rapports nécéssaires qui derivent de la nature des choses. Porque todos os seres têm as suas leis, o mundo material, os deuses, os animais e os homens, dado assumirem-se como as relações que se encontram entre uma razão política e os diferentes seres entre si, aparecendo pois como as sínteses históricas da vida de um povo, como aqueles elementos que ligam o social e o estruturam.
Porque importa procurar as relações que as leis (as leis civis e políticas) têm com a natureza das coisas, as relações que se encontram entre uma razão política e os diferentes seres entre si. Uma natureza das coisas que compreende as relações de equidade anteriores à lei positiva que as estabelece e as leis da natureza que derivam unicamente da constituição do nosso ser, isto é, a paz, o desejo de se alimentar, a atracção dos sexos e o desejo de viver em sociedade. Mas que não se reduz à natureza física, à concepção naturalística de natureza, pois abrange a natureza histórica, os costumes, o comércio, a moda e a própria religião.
Resta sublinhar, mesmo repetindo, que todo o homem que tem poder sente inclinação para abusar dele, indo até onde encontra limites (c'est une expérience éternelle que toute himme qui a du pouvoir est porté à en abuser) e que, para que não se possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder trave o poder (le pouvoir arrête le pouvoir).
E não basta que o poder seja controlado apenas pelas leis formais, dado que estas sempre podem ser abolidas, como mostra a experiência dos conflitos entre as leis e o poder, onde este tem sempre saído vitorioso. Importa um sistema de pesos e contrapesos que trate de limitar o poder no interior do próprio poder, onde, para cada faculdade de estatuir (estatuer), o direito de ordenar por si mesmo ou de corrigir aquilo que foi ordenado por outro, se deve estabelecer uma faculdade de vetar, ou de impedir (empêcher), o direito de tornar nula uma resolução tomada por qualquer outro. Deste modo, para se formar um governo moderado, é preciso combinar os poderes (puissances), regulá-los, temperá-los.
Ai dos povos que perdem le principe do Governo, isto é, o que anima o povo, o que o faz actuar. Assim, a república fundamenta-se na virtude, no amor à pátria e à igualdade que faz a devoção dos cidadãos ao bem público; a monarquia, na honra, no amor dos privilégios e distinções; o despotismo, no medo.
Porque a virtude consiste na probidade, na preferência contínua pelo interesse público sobre o interesse próprio, no amor pelas leis, pela pátria, pela igualdade e pela frugalidade. Logo, não é necessária muita probidade para que um governo monárquico ou um governo despótico se mantenham ou sustentem. Num, a força das leis, no outro, o braço sempre levantado do príncipe, regulam ou contêm tudo. Mas num Estado popular é necessário um grau mais elevado que é a virtude, entendida como uma renúncia a si mesmo, que é sempre uma coisa muito dolorosa.
Contudo, o governo republicano tanto pode ser democrático, quando o exerce o povo inteiro, como aristocrático, quando é apenas exercido por parte do povo. Já o governo monárquico existe quando há um só que governa com leis fixas e estabelecidas, isto é, com leis fundamentais, mas também com poderes intermediários, subordinados e dependentes, entre os quais destaca o da nobreza.
Finalmente, o governo é despótico quando governa um só, mas sem lei e sem normas, apenas segundo a sua vontade e o seu capricho. Um despotismo onde também é incluída a anarquia, considerada como o despotismo de todos. Mas tanto a democracia como a monarquia podem degenerar: as monarquias corrompem-se logo que, pouco a pouco, tiram as prerrogativas às ordens e os privilégios às cidades ...
A monarquia perde-se logo que o príncipe, relacionando tudo a si próprio, chamando Estado à sua capital, chama capital à sua Corte e Corte à sua pessoa ... logo que retira aos grandes o respeito dos povos e os transforma em instrumentos do poder arbitrário. Até numa democracia, a própria virtude, o princípio da democracia, tem necessidade de ser limitada..
P.S. Como qualquer incauto leitor pode confirmar, este exercício blogueiro de hoje, não constitui "trabalho" de universitário... prefiro olhar o sol que vai nascendo... bem longe da Bielochina, que ainda é, felizmente, mera região isoladamente autónoma deste regime socratino.