a Sobre o tempo que passa: julho 2008

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.7.08

Discurso contra o discurso, em nome da resistência pela subsidiariedade e pela defesa da autonomia dos Açores


Lá ouvi o senhor presidente. Depois de delicadamente ter recusado ir a uma televisão comentar o não-facto antes de ele ocorrer. Apenas disse à Rádio Renascença aquilo que afinal se confirmou, o presidente fez propaganda sem parecer propaganda para que fossem testadas as expectativas que a comunidade nacional nele depõe. Mas a comunicação seria bem menos dramática do que as especulações e a boataria, que até chegaram à hipótese da renúncia presidencial, embora realmente esperassem uma espécie de contra-relatório face ao de Vítor Constâncio.


Por mim, confesso, não gostei que a ameaça de bomba atómica se volvesse numa má interpretação do princípio da subsidiariedade, permitindo que florescessem de imediato aquelas ideologias que batem sempre na parte mais fraca: a autonomia política e legislativa daquele segmento do povo português que tem a sorte de poder conformar-se organicamente através do parlamento do Faial. Que, nas matérias que fazem parte da sua competência, e para cumprimento da natureza das coisas, tem aquela plenitude da autonomia que equivale à autonomia sem limites, mas dentro dos limites.


Os antiquados preconceitos e fantasmas do centralismo, incluindo os assumidos pelas costelas jacobinas, logo retomaram o discurso da incompreensão, não faltando os que insinuaram que o parlamento açoriano, que não é a assembleia consultiva de um distrito dito autónomo, está hierarquicamente dependente do parlamento da república... Como se a autonomia em causa não obedecesse ao clássico princípio da subsidiariedade, segundo o qual uma sociedade de ordem superior não pode interferir na esfera de autonomia de uma sociedade de ordem inferior. E até apareceram falsos nacionalistas que logo aplaudiram certas tresleituras, esquecendo-se que, amanhã, serão as instâncias de Bruxelas a comprimir as liberdades nacionais em nome das mesmas raízes absolutistas e até concentracionárias.


Se a Constituição não permite a audição das instâncias regionais para a dissolução de órgãos regionais é a Constituição que está mal. Pronto! Sou pluralista, regionalista e até nem me repugna aplicar o federalismo no espaço da autonomia portuguesa. Julgo que não é pecado e lutaria para modificar a constituição nesse sentido. Logo, que mal faz o presidente ter que ouvir instâncias regionais antes da eventual dissolução de órgãos regionais?


Aprendi que os Açores não são as ilhas Aaland, onde uma minoria de suecos é tutelada pelo Estado Finlandês. Aprendi que há muitas autonomias na Europa que são traumáticas, nesta Europa dos paradoxos, onde os pactos de sujeição ainda não se conseguiram harmonizar com os pactos de associação ainda por cumprir. Não é o caso dos Açores.

Há muitas autonomias regionais da Europa que representam nações sem Estado. Contiinua a não ser o caso dos Açores. Algumas delas até são nações antes de haver nacionalismo, como é o caso da Escócia, dependente de um atípico Estado Unitário, o Reino Unido, onde existe uma espécie de poder constituinte permanente no Parlamento. Daí o paradoxo presente, o de se introduzir autonomia sem federalismo, nesse modelo de Estado sem conceito de Estado e até sem constituição escrita.


Por nós, não basta o tópico constitucional do Estado Unitário Regional, onde os autonomistas utilizam o subversivo jogo retórico da autonomia sem limites, aproveitando a circunstância de a regionalização política estar proibida na maior parte do território da República. Logo, o federalismo é impossível, porque só depois de haver regiões políticas é que é possível o máximo de pluralismo de uma federação.


Logo, o princípio da subsidiariedade não consegue libertar-se das barganhas negociais dos grupos de pressão e dos grupos de interesse, como tenta expressar Alberto João Jardim, ou como o faz silenciosamente Carlos César. E a política a sério das autonomias não o bairrismo da futebolítica, mesmo quando, em desespero, alguns líderes regionais caem na tentação caciquista e nas brincadeiras dos césares de multidões, mesmo quando não se chamam César...


Já na Escócia e na Catalunha, as regiões assumem-se como uma espécie de Estados Clandestinos que proclamam o respectivo europeísmo, num jogo complexo, visando enfrentar os jogos de poder dos defensores do unitarismo soberanista dos velhos Estados Modernos, plurinacionais e imperialistas.


Não gostei do discurso, Senhor Presidente! E como Vossa Excelência é institucionalista, acredito que vai fazer o contradiscurso, de defesa de uma das mais belas conquistas deste regime. Por mim, não subscrevo os aplausos dos habituais cantaroladores do capitaleirismo castífero. Qualquer dia, até pedem ao Presidente para interferir numa assembleia municipal, quando já chega o que estão a fazer a certos segmentos daquilo que era universidade da "alma mater", onde não falatará que usem "chips" de termo de identidade, residência e estacionamento. Espero entrar daqui a uns minutos de férias, superiormente autorizadas. Não o farei, como hoje me diziam as irmazinhas do Convento do Menino Deus, que visitei em subsidiariedade da entrega de roupa. Um militante cívico nunca tem férias, quando muito "retiros" espirituais, que dão bem mais trabalho do que picar o ponto, especialmente quando se tem obra a aperfeiçoar, até quebrarmos a teia de Penélope...

Uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através da qual mesmo as almas mais fortes não conseguirão romper


Espantam-se alguns analistas já em férias, mesmo que não tenham comunicado às chefias onde fica o respectivo escritório, com a anunciada comunicação ao país do supremo magistrado da nação, sem guião prévio, a ocupar o horário dito nobre dos telejornais. Por mim, apenas espero que louve o lançamento do computador "Magalhães", com quinhentos mil cá, para os nossos infantes, e anunciadas encomendas de muitos mais milhões pela Líbia do Cadafeu, pela Venezuela do ti Hugo Chaves e pela Angola do Zedu. Mas segundo consta, Sua Excelência vai apenas desejar-nos menos pessimismo para com o principado.




Vai recordar-nos que o principado romano, que durou de 27 A. C.. ao ano de 284 d.C., surgiu quando os vários órgãos da República Romana instituíram Octávio como princeps civitatis, como o principal dos cidadãos. Ele, que já era cônsul, recebeu, depois, a tribunicia potestas a título vitalício — com os poderes correspondentes ao tribuno da plebe, nomeadamente o direito de veto sobre as deliberações dos outros magistrados — e o imperium — o poder de comandar o exército e de fiscalizar pessoalmente a administração de todas as províncias.




Não tarda que vá acrescentando uma série de outros títulos, como o de augustus, de pater patriae e até de imperator. A partir de então, o princeps constitui um novo tipo de magistratura que já não se enquadra na categoria das magistraturas republicanas, marcadas pela temporalidade, pluralidade e colegialidade. Pouco a pouco, se concentram nele o imperium dos magistrados republicanos, a auctoritas do Senado e a maiestas do populus.




Aliás, as próprias decisões do Senado, os senatus consulta, apesar de formalmente continuarem, transformam-se na repetição dos discursos do príncipe (orationes principis). Da mesma forma, os comitia do povo, se não foram abolidos, morrem por inactividade. Ao mesmo tempo, cria-se um corpo burocrático, directamente dependente do Príncipe, constituído pelos legati, pelos praefecti e pelos procuratores, bem como novos instrumentos orgânicos, como o Concilium Principis, depois transformado em Consistorium Principis, enquanto aquilo que era o tesouro da cidade (o aerarium) cede perante o fiscus (a fortuna pessoal do príncipe).


Com Diocleciano, em 284 d.C., o principado cede o lugar ao dominado, dado que o imperator passa a intitular-se dominus e deus, exigindo adoratio e considerando que o seu poder já não deriva da velha lex curiata de imperio, mas antes de uma investidura divina.




Claro que hoje já não é possível um Octávio, ou um Diocleciano. E qualquer eventual semelhança com a realidade não passa de pura coincidência com a anunciada invasão dos bárbaros e a queda da república e do império, através da queda dos anjos, incluindo os anjinhos papudos com cursos de gestão. O que pode surgir é, conforme previa Tocqueville, a eventual emergência de um poder absoluto, pormenorizado, ordenado, previdente e doce provocado pela circunstância de sermos permanentemente solicitados por duas tendências opostas: sentirmos a necessidade de sermos dirigidos e o desejo de continuarmos livres.




O despotismo surge assim através de novos aspectos, nomeadamente quando o soberano estende os braços para abarcar a sociedade inteira, e cobre-a de uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através da qual mesmo os espíritos mais originais e as almas mais fortes não conseguirão romper para se distinguirem da multidão. Surge assim uma servidão, ordenada, calma e doce, uma espécie de compromisso entre o despotismo e a soberania do povo. Tocqueville referia o despotismo democrático e a tirania colectiva, considerados como o governo de um único que, à distância, tem sempre por efeito inevitável tornar os homens semelhantes entre si e mutuamente indiferentes à sua sorte.

Proclama que o indivíduo é o melhor juiz do seu próprio interesse, não tendo a sociedade o direito de intervir nas suas acções a não ser quando se sente lesada por elas ou quando tem necessidade do seu concurso e a dizer que só se conhece um processo para impedir que os homens se degradem: é o de não conceder a ninguém um poder absoluto, susceptível de nos envilecer, pelo que o processo mais eficaz, e talvez o único que resta, para interessar os homens pelo destino da sua pátria, é levá‑los a participar no Governo.

30.7.08

La liberté ne peut consister qu'à pouvoir faire ce que l'on doit vouloir, et à n'être point contraint de faire ce que l'on ne doit pas vouloir...


Olho, da janela do escritório, o pinheiro que semeei na extrema da minha terra de liberdade, onde as corujas vêm, de vez em quando, pousar. É madrugada de mais um dia que nasce e ainda posso olhar as estrelas, com os pés na terra pátria onde quero semear meus restos, quando passar a ser apenas memória. Acordo e recordo, insisto no velho mas não antiquado imperativo categórico de viver como penso, sem pensar como vou vivendo. E tento esquecer que uma parte de mim mesmo está presa nas teias de uma Bielochina que eu desejava imaginária, como simples exercício de imaginação de fantasmas, situado no extremo oposto da vivida realidade, do aqui e agora. Mas não! Chegam telefonemas e, um a um, confirmam que o tal défice democrático não pertence apenas às maiorias absolutas do caciquismo bairrista, mas a todas as estruturas de uma qualquer personalização do poder, incluindo as do reformismo tecnocrático dos pequenos segmentos socratinos do nosso quotidiano, propícios ao florescer dos micro-autoritarismos sub-estatais.


Dos tais que não têm les principes, mas meros simulacros de um falso princeps que, não recebendo lições de democracia de ninguém, suspendem a política e entram em regime de despotismo teodemocrático, regressando ao velho doméstico de certa sociedade de corte. Por isso recordo as lições dos clássicos, começando pelo meu mestre de há séculos, com quem comungo daquela secreta irmandade que todos os que ascendem à maturidade da teoria podem aceder, mas numa universitas scientiarum que não se confunda com os colégios fundamentalistas saturados pelo capacete das pequenas tiranias do carreirismo, da cunha e da subsidiocracia, embora se decretem de esquerda, da modernidade, do reformismo e das cantorias, assentes na grande união unitarista, só porque podem ter um pé de barro estalinista e outro, de mosto, arrotando ao fascista folclórico.


Porque todo o homem que tem poder sente inclinação para abusar dele, indo até onde encontra limites (c'est une expérience éternelle que toute homme qui a du pouvoir est porté à en abuser) e que, para que não se possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder trave o poder (le pouvoir arrête le pouvoir). Até porque o mais perfeito governo é aquele que avança para o seu objectivo com menos custos...


La liberté est le droit de faire tout ce que les lois permettent


Dans un État, c'est-à-dire dans une société où il y a des lois, la liberté ne peut consister qu'à pouvoir faire ce que l'on doit vouloir, et à n'être point contraint de faire ce que l'on ne doit pas vouloir...


Porque as leis são les rapports nécéssaires qui derivent de la nature des choses. Porque todos os seres têm as suas leis, o mundo material, os deuses, os animais e os homens, dado assumirem-se como as relações que se encontram entre uma razão política e os diferentes seres entre si, aparecendo pois como as sínteses históricas da vida de um povo, como aqueles elementos que ligam o social e o estruturam.

Porque importa procurar as relações que as leis (as leis civis e políticas) têm com a natureza das coisas, as relações que se encontram entre uma razão política e os diferentes seres entre si. Uma natureza das coisas que compreende as relações de equidade anteriores à lei positiva que as estabelece e as leis da natureza que derivam unicamente da constituição do nosso ser, isto é, a paz, o desejo de se alimentar, a atracção dos sexos e o desejo de viver em sociedade. Mas que não se reduz à natureza física, à concepção naturalística de natureza, pois abrange a natureza histórica, os costumes, o comércio, a moda e a própria religião.

Resta sublinhar, mesmo repetindo, que todo o homem que tem poder sente inclinação para abusar dele, indo até onde encontra limites (c'est une expérience éternelle que toute himme qui a du pouvoir est porté à en abuser) e que, para que não se possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder trave o poder (le pouvoir arrête le pouvoir).

E não basta que o poder seja controlado apenas pelas leis formais, dado que estas sempre podem ser abolidas, como mostra a experiência dos conflitos entre as leis e o poder, onde este tem sempre saído vitorioso. Importa um sistema de pesos e contrapesos que trate de limitar o poder no interior do próprio poder, onde, para cada faculdade de estatuir (estatuer), o direito de ordenar por si mesmo ou de corrigir aquilo que foi ordenado por outro, se deve estabelecer uma faculdade de vetar, ou de impedir (empêcher), o direito de tornar nula uma resolução tomada por qualquer outro. Deste modo, para se formar um governo moderado, é preciso combinar os poderes (puissances), regulá-los, temperá-los.

Ai dos povos que perdem le principe do Governo, isto é, o que anima o povo, o que o faz actuar. Assim, a república fundamenta-se na virtude, no amor à pátria e à igualdade que faz a devoção dos cidadãos ao bem público; a monarquia, na honra, no amor dos privilégios e distinções; o despotismo, no medo.

Porque a virtude consiste na probidade, na preferência contínua pelo interesse público sobre o interesse próprio, no amor pelas leis, pela pátria, pela igualdade e pela frugalidade. Logo, não é necessária muita probidade para que um governo monárquico ou um governo despótico se mantenham ou sustentem. Num, a força das leis, no outro, o braço sempre levantado do príncipe, regulam ou contêm tudo. Mas num Estado popular é necessário um grau mais elevado que é a virtude, entendida como uma renúncia a si mesmo, que é sempre uma coisa muito dolorosa.

Contudo, o governo republicano tanto pode ser democrático, quando o exerce o povo inteiro, como aristocrático, quando é apenas exercido por parte do povo. Já o governo monárquico existe quando há um só que governa com leis fixas e estabelecidas, isto é, com leis fundamentais, mas também com poderes intermediários, subordinados e dependentes, entre os quais destaca o da nobreza.

Finalmente, o governo é despótico quando governa um só, mas sem lei e sem normas, apenas segundo a sua vontade e o seu capricho. Um despotismo onde também é incluída a anarquia, considerada como o despotismo de todos. Mas tanto a democracia como a monarquia podem degenerar: as monarquias corrompem-se logo que, pouco a pouco, tiram as prerrogativas às ordens e os privilégios às cidades ...


A monarquia perde-se logo que o príncipe, relacionando tudo a si próprio, chamando Estado à sua capital, chama capital à sua Corte e Corte à sua pessoa ... logo que retira aos grandes o respeito dos povos e os transforma em instrumentos do poder arbitrário. Até numa democracia, a própria virtude, o princípio da democracia, tem necessidade de ser limitada..
P.S. Como qualquer incauto leitor pode confirmar, este exercício blogueiro de hoje, não constitui "trabalho" de universitário... prefiro olhar o sol que vai nascendo... bem longe da Bielochina, que ainda é, felizmente, mera região isoladamente autónoma deste regime socratino.


29.7.08

Não recebemos lições de democracia de ninguém


Segundo dia de muito mais trabalho do que aquele que tinha em tempo de horários de aulas e de exames, porque o trabalho de um militante da liberdade académica, mesmo que seja investigador sem direito a suplemento de vencimento pelos subsídios da FCT, não se mede pelo relógio de ponto da quotidiana greve de zelo dos que se vendem, de corpo e alma, ao observável exercício de corpo presente dos inquisidores que elevámos à categoria de supremos administradores da gestão por objectivos da modernidade reformadora do estado a que chegámos. Não vejo televisão, poucas vezes vou à "net" e, ainda há pouco, quando o fiz, reparei que o "blogger" já põe avisos a blogues que cometem o pecado de ser da oposição, nessas manobras de polícia científico que querem colocar um garrote às vozes dos que saem da normalidade canalizadora de certos aspectos da nossa democratura.




Ouço, nas rádios noticiosas, qualquer coisa sobre João Cravinho, que terá sido elevado ao trono mediático de chefe da cruzada contra a corrupção, assumindo-se como aparente sucessor de Maria José Morgado e José Luís Saldanha Sanches, que devem andar aqui, por terras da Ericeira. Apenas reparo que o grupo parlamentar do PS, repetindo velho "slogan" do ministro Santos Silva, usou do argumento retórico habitual: nós no PS, porque somos socialistas e antifascistas, não recebemos de ninguém. Nós somos a democracia, a modernidade, a justiça, tanto no programa como nas proclamações e nas práticas. Nós somos a justiça inteira, a justiça social, a justiça comutativa e a justiça distributiva, e quem atacar o nosso sistema de distribuição de rendimento mínimo é porque está contra os pobrezinhos e a compaixão, como, por exemplo o Paulo Portas, essa direita que convém à nossa esquerda.




Decido preparar-me para continuar a não ouvir telejornais, a não ouvir noticiários, a não ler jornais. Prefiro reler o Rocha Martins e o Ferdinand Lot. E basta-me ir a um desses cafés saloios da vizinhança, para tomar café e espreitar as parangonas dos dois únicos jornais que aqui chegam: o "24 Horas" e o "Correio da Manhã". Prefiro continuar a viajar pelo país real, o tal que prefere música dita pimba e que depende das obras de urbanização autorizadas pelo autarca Ministro dos Santos e donde podemos espreitar, ao longe, outras fileiras de condomínios, semeadas por Edite Estrela e Fernando Seara, agora que a melhoria da rede viária permitiu semear subúrbios por toda esta zona que já não sabe quem foi Mateus Álvares. Por mim, ainda tenho muito pó a tirar das prateleiras, para lá colocar as resmas de papelada da burocracia universitária que, todos os anos selecciono, arquivo e despejo. Ainda ontem foram dois sacões para a reciclagem...

26.7.08

O meu Vale de Lobos é aqui no Valbom dos gaviões




Andarei por estes lados. Desejando como mestre Herculano: Que a tirania de dez milhões se exerça sobre um indivíduo, que a de um se exerça sobre dez milhões deles, é sempre a tirania, é sempre uma coisa abominável. Temendo o regresso a um regime que tratou de inventar a idolatria do algarismo; e cobrindo com a capa de púrpura a mais ruim das paixões, a inveja, enfeitou-a com um vago helenismo.

25.7.08

Recordação do das Sete Partidas, que era claro, e fiel à palavra dada e à ideia tida


Claro em pensar, e claro no sentir,
é claro no querer;
indifferente ao que há em conseguir
que seja só obter;
duplice dono, sem me dividir,
de dever e de ser-

não me podia a Sorte dar guarida
por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
calmo sob mudos céus,
fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo o mais é com Deus!

24.7.08

Que Deus possa ser sempre o teu norte, teu lume e teu regaço


Estou a duas tarefas de poder encerrar o mais triste dos anos lectivos que até hoje vivi como professor universitário, como o tenho sido desde 1976. Hoje, mais uma arguição na minha segunda casa, a Faculdade de Direito de Lisboa, revendo colegas. Amanhã, mais uma prestação de serviços à comunidade. Depois é esperar no cacifo os habituais ditames da burocracia, ou os decretos do senhor ministro, do senhor reitor, do senhor director, quando os pastores do rebanho, sem persuasão nem consentimento do velho QOT, nos querem submeter como funcionário públicos, à espera da aposentação, dispostos a cumprir com zelo as ordens de suas excelências, com toda a disponibilidade do corpo, mas com a alma esvoaçando para a eterna terra dos homens livres, que sempre foi a liberdade académica do humanismo, da ética e da cultura. Espero que tudo não volte a acontecer no segredo das férias do mês de Agosto, com os reformadores sem férias a cumprirem as marotices serôdias dos seus ascendentes, os homens sem sono, em ritmo de RGA arqueológica, com activistas da revolução permanente, ou da revolução ao contrário, que mudaram de cor, mas mantiveram a metodologia vérmica da velha filosofia do pau no lombo dos que não vencem.


Felizmente que, sempre que somos convidados por instituições que ainda se não deceparam da "alma mater" de 1290 (na imagem), podemos respirar liberdade, revivendo uma comunidade de significações partilhadas, onde, pelos valores, podermos compreender os mestres e colegas, bem como sermos por eles compreendidos. Felizmente que ainda podemos receber de alunos, do outro lado do mundo, palavras como simpatia, incentivo, cultura, nobreza, nesse prazeiroso da descoberta. Um deles ainda ontem me dizia: quando me perguntou em dado momento de minha fala, se eu acreditava no ser humano, eu respondi que sim. Acredito, pois existem pessoas ... que contribuem para que o homem possa se enxergar de outra forma e, também, que valorizam não somente um trabalho técnico, mas acima de tudo, o caráter pelo qual ele foi desenvolvido...Que Deus possa ser sempre o teu norte, teu lume e teu regaço. Felizmente que ainda há jovens caloiros lá do Amparo, de Campinas e de São Paulo que, depois de um primeiro ano nesta província dos capitaleiros lusitanos, me confessa: eu pensava ter vindo para a Europa, mas afinal encontrei aqui a mentalidade de uma cidade interior do meu Nordeste...


Quem me dera que os senhores ministros e os senhores reformadores do nosso Estado a que chegámos, os tais que não sabem onde estacionam setenta e tantas mil cartas de condução, tivessem um desses restos de bom senso e de humildade no reconhecimento dos erros das reformas que não houve, mas que apenas destruíram as autonomias antigas desta comunidade, de militares a magistrados, de universidades a igrejas, liquidando instituições que já existiam antes de o Estado ter chegado pelo cacete iluminado do Marquês de Pombal e de seus filhos e bastardos, como Fontes, Afonso Costa, Salazar, Soares e Cavaco. Porque hoje, perante uma crise que nem sequer conseguem identificar, tais instituições poderiam voltar a ser resistência, sobretudo nesta época pós-estadualista, pós-decretina e pós-soberanista, porque elas já eram Europa e república universal antes de Durão Barroso ter ido para Bruxelas, Guterres, para os refugiados e Sampaio, para a tuberculose e a aliança de civilizações, com Cavaco em Belém a ver construir o museu dos coches, mesmo diante da minha varanda da Junqueira, e Soares a entrevistar Chávez para a RTP.


No caso concreto da universidade, os universitários continuam à espera do confronto entre o ministro da reforma que deu à luz um rato que os gatinhos do CRUP já comeram, mas que nos fragmentou a todos em inúmeras guerrazinhas de homenzinhos, visando a conservação do emprego e o facilitismo da carreira, como se os hábitos, as condecorações e as músicas celestiais do sindicato do elogio mútuo pudessem fazer o monge, isto é, o mestre dos claustros da "universitas scientiarum". Mas como ainda ontem confirmei, ouvindo mestres como Castanheira Neves e Gomes Canotilho, ainda há homens livres que semeiam, pelo exemplo, a força da esperança. Segui-los-ei, com a militância do aluno eterno, isto é, daquele que quer continuar a estudar e a aprender, vivendo cada um dos seus dias como se fosse o último.

23.7.08

Aqui, em muitas conversas nocturnas com as estrelas e a passarada


Têm estranhado alguns leitores a minha ausência deste espaço. Coincidências. Primeiro, orais e orais da bolonhesa. Segundo, uma, duas, três, quatro intervenções em júris exteriores, todos das duas tradicionais escolas de direito, com trabalho de casa e idas à "alma mater" conimbricense e lisbonense, entre o direito do século XXI e as teorias da guerra justa. Terceiro, as limpezas do matagal no meu Valbom dos Gaviões, sobretudo na biblioteca da papelada e em conversas nocturnas com as estrelas e a passarada. Quarto, na sexta-feira, estarei aqui, entre JSD, JS, monárquicos e republicanos que querem pensar a política. Aliás, entre leituras, releituras e pareceres, optei pela tradicional escrita manuscrita e deixei o computador a meia centena de quilómetros.


Mesmo assim, ainda fiz comentários para o DN de domingo e para o Diabo de ontem, onde observei que as habituais manobras politiqueiras do eleitoralismo da governança são tradicionais remedios dos curandeiros que pela magia da propaganda transformam a banha da cobra em reformas estruturais. Acontece que houve uma alteração anormal das circunstancias exigindo uma intervenção de salvação publica e de consenso de união sagrada que até já vai além de um governo bloco central, de inspiração presidencial. Por outras palavras, precisamos de voltar a escrever um novo contrato social que não seja um mero pacto de sujeição, ou de governo, mas antes um mais vasto pacto de união ou de associação, ou “new deal“. Tirar o PS para entrar o PSD é apenas mudarmos de placebo...


Quem anda mergulhado em jusfilosofices não pode interessar-se em demasia com as brincadeiras dos tiranos de Siracusa, mesmo que eles nos façam consultas. Não recebi avença dos ditos e daqui a bocado vou marchar para Coimbra outra vez. Não tardarei a voltar a Valbom dos Gaviões, para remexer na muita papelada que lá tenho. Até encontrei um douto projecto de dissertação sobre a administração financeira da Idade Média que constituía um esboço de um projectada dissertação de doutoramento em história do direito que, felizmente, abandonei.


Qualquer dia pegarei em mim e transformarei o trabalho em formato digital, para eventual publicação com pseudónimo, só para me convencer que vale a pena continuar a dar aulas de história da administração pública, nestes tempos de regresso a formas pré-estaduais de administração dita pública, mas efectivamente privatizada no mau sentido dos sucedâneos do lucro e da endogamia, onde a anarquia ordenada do neofeudalismo é mesmo o neofeudalismo da desordem bem organizada, para recordar o título do primeiro artigo de intervenção cívica num jornal clandestino dos velhos tempos pré-abrileiros. É que ao contrário de todos os outros que agora são políticos profissionais, eu sou capaz de publicar todos, mesmo todos, os artigos que escrevi e publiquei antes dos vinte anos, porque, graças a Deus, ou a Mundo, sempre fui herético e já por duas vezes me tentaram queimar vivo, uma com expulsão da Universidade, efectivada quando era estudante, outra com assassinato moral, em efectivação e com o mesmo fim. Julgo que vou resistir, nem que seja no exílio, porque os executantes são os mesmos torquemadas de cores diversas, mas com as mesmas garras da vindicta oriundas dos mesmos corpos mumificados em éter, tirado do caixote de lixo da história com as suas lutas de invejas.

17.7.08

Esta mentalidade de conspiração de avós e netos, onde os netos até podem ser os avós, porque a idade é um estado de espírito ...


Depois de mais um lote imenso de testes e de duas ou três teses e relatórios, lá voltei a passar os pés pela escola, para participar numa arguição de um doutoramento de uma jovem especialista em wahaabismo. Ao menos, na chamada banca, ainda podemos ser homens livres, sobretudo quando reconhecemos a passagem do testemunho para uma nova geração, num sítio onde a influência da casta dos gestores e directores, apenas consegue vingar propostas de certos júris, os tais que, num país da nossa dimensão deveriam ser efectivamente nacionais, para que se tornassem realmente públicos, sem a privatização da cunha, da pressão e do interesse. Eu, pelo menos, bem gostaria de poder retirar da emigração uma dezena de antigos alunos meus que concluíram os respectivos doutoramentos nas melhores universidades europeias, mas que, por cá, não têm igualdade de oportunidades, a não ser que metam cunha ao partido ou à facção dos senhores directores e das respectivas endogamias, onde os apoiantes acabam sempre por ser mais iguais do que outros e os dissidentes passam para o ostracismo.


Ai do nosso querido país se entra em vigor, a nível da universidade, o modelo de gestão da conspiração de avós e netos que certos gestores do regime lançaram, com elogios públicos, noutras secções estadualizadas da pracificação socrática. Um deles, bastante elogiado, ele que já anda pelos setenta ou oitenta, não sei se com resolução especial do conselho de ministros para o cúmulo remunerativo, tratou de despedir pela reforma todos os que tinham mais de cinquenta, para mostrar como se rejuvenesceu o campo estatístico que passou a ser capítulo do respectivo currículo, assim se livrando dessa cedência ao velho conceito do dever geral de conselho, só porque entende que a majestade não se coaduna com o pré-absolutismo de ser um mero "primus inter pares".


E lá tive que passear entre wahaabitas, lembrando que também houve almóhadas, almorávidas, sufis de Mértola em revolta, Averróis, Avicena, Ibn Khaldun, Maimónides e a cristianização de Aristóteles por São Tomás de Aquino, trazida pelos mesmos mouros, quando o Mediterrâneo ainda era mar interior onde navegavam as ideias das gentes das religiões do mesmo livro. Infelizmente, quando alguns ainda pensam, muito gnosticamente, que vivemos na modernidade do deicídio, esquecemo-nos de ler Roger Garaudy e não reparamos na proposta que, há tempos, Habermas lançou sobre a necessidade de uma nova era pós-secular.


Agradeço às circunstâncias de uma arguição de doutoramento, esta hipótese de poder pensar em público na minha escola, dado que apenas mo permitem nos blogues, ou nos colóquios que outras universidades e a sociedade civil me propiciam, só porque não meti os papéis para o centro de investigação em vigor, especializado na engenharia de financiamentos da FCT e doutamente dirigido pelo senhor director e pela mentalidade de conspiração de avós e netos, onde os netos até podem ser os avós, porque a idade é um estado de espírito, sobretudo em terras onde deveria haver liberdade de espírito e não caçadores de heresias, de que continuam a ser vítimas os herdeiros do arianismo, do priscilianismo, dos sufis de Mértola ou desses eternos cristãos novos, sem limpeza de sangue, entre os quais me incluo.
PS: Para os devidos efeitos, aconselho o meu inquisidor sobre os limites da liberdade de expressão a não confundir a figura acima com Bin Laden ou com a capa de uma revista nova-iorquina sobre o Obama. Mais acrescento que, ontem, quando fui de camisa negra e barba esbranquiçada por aparar, estava mesmo a querer confundir-me com os tais que se detectaram na Europa Ocidental no ano de 1418. Os zíngaros, a que chamamos ciganos, que vieram da Índia, trazidos por Tamerlão. Em 1417 já estão na Moldávia e na Valáquia. Detectam-se na Itália no ano de 1422 e em França, em 1427. Os suecos chamaram-lhes tártaros, os ingleses, gipsies, ou egípcios, tal como os Húngaros; para os holandeses são heidenen, ou idólatras; para os árabes, arami, ou ladrões. Em espanhol, gitanos, ou maliciosos...

16.7.08

Quando se inventou o príncipe para que deixasse de haver um dono, para que deixasse de haver confusão entre propriedade e poder...


Ontem, o grande notário da geofinança do regime, o senhor governador com nome de imperador romano, veio confirmar que a crise que ainda não é crise por uma questão de semântica, mas que, segundo as suas canónicas palavras, pode vir a ser a maior desde a Segunda Guerra Mundial, porque já chegou e veio para agravar-se e para que os trabalhadores e classe média a paguem com impostos e inflação. O senhor Primeiro-Ministro preferiu ir comemorar o primeiro aniversário de Costa em Lisboa, onde, em jantarada à União Nacional, mas já sem zona ribeirinha, se comemorou o fim de metade dos calotes da autarquia capitaleira, assim transformando uma obrigação na rara heroicidade dos tempos que correm, a que corresponde ao antiquado lema do paga o que deves, para o senhor Estado deixar de ser um Estado Ladrão, apesar de os impostos já terem o nível lendário do Robin dos Bosques.

Entretanto, o Presidente Cavaco, especialista em remédios para a conjuntura económica e certificado pai deste modelo bancoburocrático e rotativista, continua a gerir o silêncio, tal como a sua discípula Manela. Apenas falou António Borges que foi melhor no improviso comentarista que no papel escrito. Por outras palavras, chegámos à tal hora da verdade, obviamente sem demissões. E o culpado de todos os males da conjuntura é o bastonário Marinho Pinto, em risco de ostracismo, cujas palavras foram superiormente qualificadas pelo conselho superior magistral como coisas "sem dignidade institucional", apesar de provirem do representante de uma instituição não sindical e de terem a dignidade de quem quer viver como pensa, mesmo que alguns pensem que pensa mal. Espera-se que o Primeiro Ministro não participe no jantar comemorativo do primeiro aniversário da tomada de posse do bastonário que assim se arrisca a ser um dos principais candidatos à presidência da república.

Já Mário Crespo entrevistou Manuel Alegre que, além da bela revista que lançou, onde anda o dedo da barbearia de Luís Novaes Tito, tratou de nos recordar a figura do Infante Dom Pedro, duque de Coimbra, o das Sete Partidas, morto em Alfarrobeira. Porque então se deu a vitória da facção dos Braganças e o estilo de governança de D. Afonso V que, segundo Rui de Pina era muito pródigo especialmente nas coisas da Coroa do reino, de que sem grandes merecimentos nem muita necessidade, mas só por manhas e praticas que com ele os grandesusavam, a desguarneceu e minguou.

Primeiro, numerosas doações; não exercício da correição e do direito de entrada; abusos, corrupção, clientelismo, desleixo na administração da justiça; banalização da dignidade de vassalos de el-rei que deixaram de ter número certo. Aliás, surgem novos títulos nobiliárquicos. Se os condes vinham da primeira dinastia e os duques de D. João I, eis que aparecem os marqueses em 1451 , os barões, em 1475, e os viscondes em 1476, com os duques e marqueses a suplantarem os velhos condes. Também, com D. Afonso V, entre os vassalos de el Rei com direito a moradia, surge uma nova hierarquia que, por ordem decrescente, incluía os cavaleiros do Conselho de El-Rei, os cavaleiros-fidalgos, os escudeirosa-fidalgos e os moços-fidalgos

Com efeito, D. Afonso V, na fase posterior a Alfarrobeira, quando se alia ao partido aristocrático, ao novo grupo que se forma aliás, a partir de membros da família real com a dinastia de Avis que tem nos Braganças, também descendentes de D. João I, o respectivo líder, não quer voltar à feudalidade, quer construir o centro, eliminando uma das resistências principais ao processo.

Para tanto, cria uma nova grande nobreza. Aliás, os números não o desmentem: se com D. Duarte, existia apenas 2 duques e 6 condes, eis que em 1481, data da morte de D. Afonso V, nos surgem 4 duques, 3 marqueses, 25 condes, 1 visconde e um barão (foi o legista João Fernandes da Silveira que em 1475 foi feito barão de Alvito). São cerca de quinhentos grandes concentrados em quatro ou cinco famílias, com destaque para os Braganças que detêm 2 ducados, 3 marquesados e 7 condados.

Outro dos grandes é o irmão mais novo do rei, o Infante D. Fernando, que recebe grande parte da herança do Infante D. Henrique, reunindo 2 ducados e o mestrado de duas ordens religioso-militares. Ai dos derrotados que, como Infante D. Pedro dizia na Virtuosa Benfeitoria, quiseram promover o bem comum, dado que por esto lhe outorgou deos o regimento, e os homees conssentiron que sobrelles fossem senhores.

O Estado tem de voltar a ser um instituição, que, segundo as palavras de Georges Burdeau, é uma empresa ao serviço de uma ideia, organizada de tal modo que, achando-se a ideia incorporada na empresa, esta dispõe de uma duração e de um poder superiores aos dos indivíduos por intermédio dos quais actua, permitindo ao grupo que continue, segundo uma técnica mais aperfeiçoada, a procura do bem comum; assegura uma coesaão mais estreita entre a actividade dos governantes e o esforço pedido aos governados; torna mais flexível a influência da ideia de direito sobre os comportamentos sociais e, com isso, constitui

Logo, há uma clara distinção entre a respublica ou comunidade e o principado ou governança da comunidade, como lhe chamava o Infante D. Pedro. Onde o Estado aparece como a ligação entre o príncipe e toda a comunidade da sua terra, entre o rei e o povo comum (Infante D. Pedro), onde a governança da comunidade tanto tem um imperium ou senhorio, como magistratus com regimentos. Quando se dá a separação entre o doméstico e o político. Quando se inventou o príncipe para que deixasse de haver um dono, para que deixasse de haver confusão entre propriedade e poder, para que os homens deixassem de ser coisas. Agradeço a Manuel Alegre esta recordação patriótica. A poesia é o melhor remédio para a crise política, onde os tecnocratas e os politiqueiros chamam adivinhação à política, a tal arte que sempre misturou o lume da razão com o lume da profecia, coisas sem as quais não existiria Portugal, nem Banco de Portugal.


15.7.08

Abaixo a política pimba!

Perdido entre correcções de pontos, revisões de provas e preparação de arguições e relatórios de júris de mestrados, lá vou cumprindo aquele trabalho silencioso para que o povo me paga, embora sem deixar de, por dever de ofício, ter intervenção científica na análise da realidade política e social. Ainda ontem me chamavam a atenção para a análise literária que correu durante longos minutos do livro de Eduarda Maio, na principal estação televisiva que se dedica à música pimba. Apenas me apetece elogiar o belo trabalho de "agenda setting" dos profissionais que colaboram com Sócrates, porque sabem, de ciência certa, que a boa propaganda não deve parecer propaganda.

Sócrates, com o livro de Eduarda Maio, parece ter conseguido uma reedição do "menino de Boliqueime", com que a falecida Luiza Manuel de Vilhena soube criar o impacto da primeira imagem de Cavaco Silva. Raramente se realça a genialidade desta escritora, antiga candidata a deputada da oposição pelas listas da Comissão Eleitoral Monárquica de 1969, quando eu tive o meu primeiro entusiasmo cívico, embora não tenha acompanhado a notável novelista nos seus apoios ao nascente cavaquismo.

Verifico agora que se repete a criação da mesma imagem do neto e do filho que a maioria silenciosa gostaria de ter, assinalando a sua vitimização pelas circunstâncias de um mundo ingrato. Aliás, algo de semelhante aconteceu à imagem do Zé Manel, dois políticos da mesma geração, hábeis na prestação de serviços e que reflectem uma certa concepção e da vida de Portugal, país intermediário, organizador de eventos, chamem-se cimeira dos Açores ou cerimónias de assinatura do Tratado do Mar da Palha.

Infelizmente, sofrem sempre dos imprevistos de uma qualquer Quinta da Fonte, que eles não provocaram, mas que lhes pode cair em cima, quando, raspado o verniz, há um Portugalório de sempre, o do desleixo, o da moral do sapateiro de Braga, o do enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. Afinal, a questão da Apelação, nesses traseiros da magnífica Expo, onde nasceu o Tratado de Lisboa, começa a delinear-se, como uma questão de "gangs", esses cogumelos venenosos que não têm etnia, que levaram a comunidade cigana a dar uma imagem péssima de si mesma, ocultando os importantes esforços que tanto a República como os próprios ciganos têm levado a cabo, para todos vencermos a vergonha da tradicional marginalidade a qyue estava condenada.

Esperemos que o episódio não sirva para continuarmos a lavar as mãos como Pilatos. Mais de cinco séculos de ciganos em Portugal são uma razão suficiente para termos direito a um Portugal cigano, desde que os responsáveis políticos não caiam no "lapsus calami" de notarem que tudo se passou entre ciganos e africanos, sem intervenção directa dos "portugueses", quando as três comunidades são hoje radicalmente portuguesas. Acho que o alto comissariado para as minorias étnicas tem que rapidamente dar um curso de pluralismo a certos responsáveis autárquicos, tal como os especialistas em minorias têm que aprender com os autarcas que estes são as principais vítimas de uma falta de política de reidentificação deste novo Portugal Plural.

13.7.08

Quinta da Fonte: que tal ensinar a pescar, em vez de continuarmos a lavar as mãos como Pilatos, distribuindo migalhas de peixe?


No sábado e no domingo, estive, respectivamente na SIC-N e no RCP, analisando a presente conjuntura e repetindo o que os habituais leitores deste espaço já conhecem de concepção do mundo e da vida e de intervenção cívica. Valeu-me a velha observação de Daniel Bell sobre um Estado que é, ao mesmo tempo, grande demais e pequeno demais. Porque ficámos a saber que o governo quer pôr "chips" em todos os automóveis e que não aguenta o barril de petróleo a 147 dólares. Só que o nosso Estado a que chegámos, o tal que não é capitalista nem socialista, nem de esquerda, nem de direita, tem o Sócrates a querer atacar o PSD, para evitar perdas à esquerda.


Apenas me foi dado concluir o óbvio: com tal quantidade de informação escrita e televisionada por dia, com bem mais caracteres do que os d' "Os Lusíadas" e até que a Suma de São Tomás de Aquino, vão alguns dizendo que a Quinta da Fonte é pior do que Beirute, enquanto outros concluem que temos guerrilha urbana às portas de Lisboa. Valia mais dizermos, muito modestamente que quando entra em crise o Estado-Segurança se gera, inevitavelmente, a vingança privada. Que quando entra em crise o Estado-Imposto, se dá o fim do segredo de justiça na Operação Furacão. Que quando o Estado-Justiça é cercado por apitos e mádis, até o cidadão Murat está há 13 meses arguido por nada. Que quando entra em crise o Estado-Legislação, até o provedor de justiça qualifica o regime socratino como uma espécie de Estado Lenga Lenga. Logo, para furar o esquema, até o representantes dos grandes corpos do Estado usam da demagogia e do populismo, enquanto a governação assenta no palanque propagandístico do Estado-Espectáculo, caindo na gafaria do carro eléctrico...


A hiper-informação pode ser a melhor forma de desinformação. Satura e inunda-nos de innformação secundária. Vale-nos que um ex-ministro do império continua a falar no Estado Exíguo e na necessidade de assimilação das etnias, para refazermos a confiança. Daí que poucos consigam ver bois que passeiam diante dos palácios, até porque noventa por cento da população da Quinta da Fonte vive de subsídios mensais do Estado que lhes vão dando migalhas de peixe, mas continuam a não os ajudar a aprender a pescar. Por mim, como liberal, pegava nesses fundos e atribuía-os às mesmas comunidades, auto-organizadas ou apoiadas por organizações da sociedade civil, desde as associações de defesa dos respectivos interesses a igrejas. Ou abria um concurso público internacional para acabar com a marginalização social, deixando de dar prémios aos arquitectos e urbanistas que desenharam tais enormidades. Para tanto é que poderia servir um fluxo de fundos numa folha A4...

10.7.08

Entre apitos e furacões, madonas e mádis, o grande espelho da nação enrodilhou-se em jogos florais...

Foi no meu refúgio do Valbom dos Gaviões que recolhi os discursos do estado da nação, ou, dito à maneira de Salgueiro Maia, os discursos sobre o estado a que chegámos, depois de tantos encómios de estadão, entre belos acordes de música celestial e outra tanta retórica de justificação do poder. Porque, ainda anteontem, confirmei, na SIC, que o anti-optimismo de Medina Carreira quase coincide com as análises realistas, simpáticas para o situacionismo, da autoria dos economistas Campos e Cunha, Nogueira Leite, Silva Lopes e Ferreira do Amaral. Entre apitos e furacões, madonas e mádis, o grande espelho da nação enrodilhou-se em jogos florais.



Ai das grandes instituições, quando as chefias são assaltadas para que os pequenos homens disfarcem a respectiva mesquinhez. Ai do Estado se voltar a ser tema para um improviso de "l'État c'est moi", porque se eu pudesse dar, mais dava, com grandes propagandistas que glosam a metáfora da folha A4 e não seguem os conselhos dos sábios, entretendo-nos com as minhoquices que vão fazendo e prometendo, como a do grande mágico que nos prometeu fazer desaguar o Amazonas no Tejo, em alta velocidade.



Está caduco o velho manual do como ganhar eleições, proclamando-se, com ar grave e solene, que "nós somos honestos". Na história de Portugal, não consta o Robin dos Bosques, mas o Zé do Telhado e as consequências da Maria da Fonte e da Patuleia, contra os devoristas e os cabrais.



O que ficou foi este regime mercantilista da viradeira, já pós-revolucionariamente pós-pombalista, pós-afonsista, pós-soarista e pós-cavaquista, onde abundam as grandes companhias de economia mística, aquelas que, agora, querem privatizar os lucros e nacionalizar os prejuízos, através desses novos caminhos de ferro do fontismo que são os regeneradores investimentos em obras públicas, para gáudio dos partidos-sistema do Bloco Central, essas federações de grupos de interesse e de grupos de pressão que discutem se o matrimónio é uma fábrica de procriação, para que D. Policarpo possa optar.



O ficou foram os milagres de Lurdes sobre a matemática rodrigues e o grande administrativista Freitas do Amaral, a preparar madailicamente um manual de direito de grandes penalidades e apitos, com reedição do guia das assembleias gerais, que não sejam RGAs do PREC, para uso do confronto de Sócrates com Louçã. Porque, entre jantaradas de geopolítica e croquetes de embaixada, qualquer profano pode ascender em 24 horas ao grau supremo, em cerimónias sem ritual que traduzem em calão as procissões funerárias que comemoram a reconquista cristã de Alcagaitas à moirama. Volta, Marquês, que eles já cá estão outra vez!

9.7.08

Estou com saudades dos velhos debates republicanistas de um PS que caiu nas teias da personalização do poder e do propagandismo de ex-maoistas


Sempre que tento compreender as intervenções cívicas de um Baptista Bastos ou de um Manuel Alegre, sofro com a falta de um debate cívico enraizadamente identitário em Portugal. Sempre que noto o propagandismo dos ex-militantes da extrema-esquerda, nomeadamente os membros da redacção dos muitos jornalecos que se confundiam com nomes de partidos, reparo como eles se instalaram como "opinion makers" e directores dos grandes jornais e semanários, passando para o extremo oposto, mas mantendo o mesmo facciosismo. Pior ainda: quando se pintam de congreganistas e recebem a unção de doutrina social, tanto da igreja dominante como das suas entidades para-episcopais, acrescentando, à herança inquisitorial, a manha de monopólio da inteligência das seitas, como foi timbre daquela esquerda revolucionária que só se converteu à democracia pluralista depois do 25 de Novembro de 1975.


Por mim, sem aquela limpeza de sangue que passou pelo apoio à invasão busheira do Iraque, ou pela passagem pela salsicharia ideológica das conversões anglo-americanas de antigos maoístas, confesso que continuo marcado pelas influências de certos subsolos filosóficos francesistas, pelo que andei relendo certas provocações de Alain Renaut, no sentido da restauração do que designa por republicanismo de um povo livre. Daí também ter revisto Serge Audier (ver recensão aqui) e recordado algumas das sementes de Luc Ferry (basta passar os olhos por este discurso ministerial).


Num povo como o nosso, onde o António Ferro de Sócrates passou a ser o Jaime Silva, é difícil descobrir a comunidade (to koinon) e o bem comum (to koinon agathon), bem como distinguir os assuntos comuns (to koinon) dos assuntos dos particulares (to idion), ou das famílias e empresas (oikos), dado que continua a confusão entre o doméstico (despotes) e o público (politikos). Porque também desliguei a televisão quando falaram os ministros Santos Silva e Manuel Pinho, fiquei com saudades dos velhos debates republicanistas de um Partido Socialista que caiu nas teias da personalização do poder e do propagandismo de ex-maoístas e já não sabe ler a Virtuosa Benfeitoria do Infante D. Pedro. Basta carregar no video abaixo, para medirmos o efeito das delícias do situacionismo.

8.7.08

Estes bailados da madailização do bloqueio central


Acordo para mais um dia feito daqueles beneditinos exercícios de mais de uma centena de testes para classificar, um a um, letra a letra, dado que, segundo o ilustre juízo dos meus burocratas-mores, não há possibilidade de recrutamento por concurso público de especialistas na matéria que serviu de pretexto ao exame, isto é, as crises do século III e do século XVI e as consequências na administração pública, segundo a perspectiva weberiana. Os "copy and paste" da "Wikipedia" e as fotocópias para lentes não resolvem este pequeno-grande problema de chouriçadas curriculares, ditas bolonhesas, como muita massa e escasse carne, cheia do molho discursivo do reformismo modernizante, com que repetimos as tolices da Grande Depressão, certos que, de Coimbra, não nos vai chegar um endireita que nos acabe por punir com o chicote da viradeira.





Entre 1926 e 1929, os portugueses não tinham que se inebriar com as discussões da futebolítica, especialmente com a febre da segunda-feira. As tais que implicam análises daqueles ilustres administrativistas que se reservam quase exclusivamente para a parecerística e para a avença, sujeitas a IRS, à excepção do Professor Marcelo que, por ser do Sporting de Braga e do PSD, já disputa o lugar de comentaário boeliro aos nossos queridos José Eugénio Dias Ferreira, Fernando Seara e Guilherme Aguiar, também todos do PSD, fazendo com que o pedibola largue a dimensão autárquica e entre nos grandes negócios de Estado.

Reparo também como o António Costa, que era supremo comandante dos bombeiros nacionais quando era Ministro da Administração Interna, volta aos incêndios, agora dos prédios devolutos da cidade de Lisboa, mas com dois secretários de Estado ao lado, fazendo de emplastros para as câmaras televisivas e sem direito a entrevista. Pelo menos, ficámos a saber que, só na capital, há mais de quatro mil prédios devolutos e que cerca de seis centenas entre eles pertencem ao senhor Estado que também não resiste à tentação da especulação imobiliária. Por outras palavras, as sequelas das várias leis dos senhorios e dos arrendamentos, desde a de Bernardino Machado, por causa da Grande Guerra, deixaram Lisboa como se fosse uma cidade bombardeada. E com tantos especialistas em inquilinatologia, parece que ninguém quer inventar o que já está inventado nem descobrir o que já está descoberto. Basta dar um salto a Londres, depois da Segunda Guerra Mundial, ou a Berlim, depois da reunificação, para compreendermos a urgência de leis especiais, que nos libertem da antiquada disputa entre a associação de proprietários e a associação de inquilinos, agora com a intervenção de Helena Roseta e Manuel Salgado.






Um qualquer Gonçalo Ribeiro Teles que é tradicionalista, mas com saudedes de futuro, já escreveu as frases todas que hão-de salvar Lisboa. Basta passá-las para letra de lei de emergência nacional, mesmo que a legião dos dilatores processuais percam pareceres e avenças, antes que venha um qualquer déspota iluminado do ministerialismo que nos decrete em desse terramotos do rolo unidimensionalizador que nos rotundize...

Se continuarem estes bailados da madailização do bloqueio central que nos desgoverna, nem os partidos do Bloco Central se safam, mesmo que coloquem a Drª Mizé Morgado a limpar-nos de apitos ou o Doutor Saldanha Sanches a falar na corrupção das autarquias. A não ser que acreditem que o único D. Sebastião capaz de livrar-nos da presente ditadura da incompetência se chame Ministro das Obras Públicas, acumulando com a presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Só que seria trágico dizermos que o Duarte Pacheco se chama Mário Lino ou que o José Sócrates se iria vestir de Sebastião José de Carvalho e Melo, inundando-nos de um festival de arquitectura, mesmo que pusesse assinaturas nos projectos de Siza Vieira...






Nem sequer a leitura daquelas verdades de Monsieur de La Palisse, constantes do documento da SEDES, essa central de ex- e futuros ministros, secretários de Estado, juízes do Tribunal de Contas e gestores das companhias de economia mística, banco-burocráticas, nos consegue excitar. O documento agora emitido apenas repete o óbvio, já transmitido pelos comentadores independentes: confirma-se que, um quarto de hora antes da crise, já havia sinais de crise.



Quanto à terapêutica do que parece ser crise, não de meros choques petrolíferos, mas de mudança de paradigma da inevitável globalização, tanto o discurso da SEDES como o dos situacionistas aflitos, nunca usa termos como cidadania e bem comum, porque não consegue perceber que a governança que temos disponível, é mera pilotagem automática, onde os pretensos governantes do Bloco Central, tanto os socratinos como os maneleiros, têm um défice excessivo de imaginação criadora, talvez porque são meros agentes de duas grandes multinacionais europeias de que são simples secções de bons alunos nacionais, sempre à procura de um elogio do "porreiro, pá".



Como a maioria dos factores de poder não é nacional, há que nacionalizar esse bem escasso chamado polítca, através do habitual recurso dos tempos de crise que é a vontade de sermos independentes e de, através, da cidadania, evitarmos que a democracia se transforme em democratura, como o ameaçam os neofeudalismos do desespero reinante e do crescimento do indiferentismo. O principal da crise tem a ver com a falta de políticos de confiança, desses que podem ser capazes de encher a democracia de povo, tanto o que anda em protestos nas ruas, como o que está silencioso no recato do lar ou vai, apesar de tudo, conversando "face to face", com os vizinhos, que é palavra que vem de "vicus", aldeia, e que não pode continuar a ser traduzida por "pagus", quando o discurso oficial e oficioso do estadão passou a chamar "pagão" ao aldeão que resiste ao rolo unidimensionalizador

7.7.08

Memórias de libertação sefarditas, em tempo de novos inquisidores de facção, vivendo na lei da selva da jagunçada


Depois de dois dias no Alentejo profundo, primeiro, num colóquio no Vale do Rocim, onde sete dezenas de pessoas, mobilizadas pelo Grémio Lusitano e pelo seu presidente, António Reis, navegaram nas memórias do futuro, actualizando Bento Espinosa, bem perto da Vidigueira, terra dos seus antepassados, um pequeno salto a Moura, para ficar mais longe destas andanças da decadência capitaleira, bem expressas pelos meandros decisórios do supremo tribunal do futebol, onde o facciosisimo clubista vai destruindo a justiça.


Como se, na futebolítica,tudo fosse diferente de outras altas instâncias, onde o facciosismo pode ser meramente partidário, nessa virose que afecta altas instâncias da pátria, ao belo estilo das votações parlamentares nas comissões de inquérito ou noutras andanças, como em certos órgãos universitários, autárquicos ou regionalistas.


Hoje, depois de gastar pestanas na correcção de testes, mais um dia de vigilância de exames, que é coisa que faz parte dos deveres dos professores que não têm as altas funções directivas e presidenciais nos muitos conselhos das escolas. Por acaso, até encontrei, em idênticas tarefas, o meu decano, já que nas outras salas, as das altas figuras da hierarquia administrativa universitária, estavam os pobres assistentes e monitores. Por mim, gosto de marcar presença e de decidir no próprio local, para contactar com a realidade, sem os intermediários. Até me deparei com um dos agentes da facção situacionista, distribuindo um jornaleco de intervenção, pedindo o bate palmas ao chefe, e notei como a única maneira de evitarmos a fraude do clássico copianço está em legalizarmos o copianço, admitindo-o como parte integrante da resposta ao teste, incluindo as microfotocópias reduzidas dos textos de apoio que, talvez, venham a ser peças que oferecerei para o futuro museu do espírito de Bolonha.


Por isso, antes de mergulhar em mais uma centena de testes, que decidi analisar, um a um, directamente, porque subdecano também tem de ser operário e até de substituir assistentes, quando estes estão doentes, e de esquecer os bailados pré-eleitorais das facções em disputa na universidade, incluindo as que metem convites dos comissários políticos para almoçaradas comemorativas, utilizando-se as listas oficiais de "mailing", prefiro voltar a Espinosa e a parcelas da comunicação que apresentei no sábado, antes da chegada do belo coro dos ceifeiros da Cuba.


Porque há quatro modos ou graus de conhecimento: por ouvir dizer, por experiência, por causalidade inadequada e por causalidade adequada. E, como dizia Camus: "os antigos filósofos (naturalmente) pensavam muito mais do que liam. Eis porque se agarravam tão tenazmente ao concreto. A imprensa modificou as coisas. Lê‑se mais do que se pensa. Não temos hoje filosofias mas apenas comentários. É o que diz Gilson ao afirmar que à idade dos filósofos que se ocupavam de filosofia sucedeu a idade dos professores de filosofia que se ocupam de filósofos".


Daí que importe recordar Blandine Barret-Kriegel: no despotismo "o poder é tudo e a política não é nada, o comando é absoluto e a lei desvanece‑se" pelo que a opressão se torna "implacável e a administração ineficaz". Nele, "o público é rebatido pelo privado e o político prostra‑se no doméstico. Os litígios públicos e os debates colectivos são substituídos pelas intrigas palacianas e pelas querelas familiares".


Julgo que, nestas instituições em crise, regressámos ao estado de natureza, ao estado anterior à formação das sociedades organizadas e da ordem moral, onde temos um homem sem responsabilidade perante qualquer lei, sem saber do justo e do injusto. E até sem poder distinguir a força do direito, um homem ainda submetido às paixões, vivendo num estado de insegurança, onde o direito se confunde com o poder, onde cada um goza de tanto direito como o poder que possui, um homem que, como Deus, tem direito a tudo e o direito de Deus não é outra coisa senão o seu próprio poder enquanto absolutamente livre, segue-se que cada coisa natural tem por natureza tanto direito como o poder, para existir e actuar, onde o direito natural de toda a natureza e, por isso mesmo, de cada indivíduo, estende-se até onde chega o seu poder (é Espinosa a falar).


Porque neste estado de natureza, os homens actuam pelo instinto universal de conservação, relacionando-se uns com os outros, tal como os peixes grandes devoram os peixes pequenos, segundo a lei de destruição do mais débil pelo mais forte. Estamos bem longe de ter nascido a simpatia de uns pelos outros e o sentimento de humanidade, esse esforço de racionalidade que pretende superar o regime das paixões.


O fim do Estado deveria ser libertar os homens do "terror para que possam viver e agir em plena segurança e sem perigo para si e para o seu vizinho. O fim do Estado não é transformar seres racionais em brutos ou máquinas. É habilitar o corpo e o espírito dos cidadãos a um funcionamento normal. É levar os homens a viver exercendo livremente a sua razão para que não desperdicem a força em ódios e fraudes, nem se conduzam deslealmente. Assim, o verdadeiro fim do estado é a liberdade".


Polis é povo, societas e contrato. É povo politicamente organizado, é comunidade e é instituição. É sociedade organizada, dotada de um poder supremo, tendo um status politicus ou civilis (uma estrutura política), uma civitas (um corpo íntegro, um conjunto de indivíduos associados) e uma res publica (a administração dos assuntos comuns da governação), como assinalava Espinosa. É, como dizia Rousseau, acção do todo sobre o todo, o tal ser comum feito de uma multidão de seres razoáveis. É, nas palavras de Aron, a colectividade considerada como um todo. Ou, para subirmos à perspectiva de Kant, um Estado-Razão, o tal contrato original pelo qual todos os membros do povo limitam a sua liberdade exterior, em ordem a recebê-la de novo como membros da comunidade, o povo olhado como universalidade. Onde a vontade geral, o omnes ut universi, é a vontade do geral, a vontade do universal.

Impõe-se, portanto, que cada polis, segundo os termos do mesmo Kant, seja res publica, potentia e gens, que seja, ao mesmo tempo, comunidade, autonomia e nação, que seja associação de pessoas, com poder, mas enraizada numa comunidade de gerações. Não basta o contrato, mas não se exclui o contrato. Exige-se algo de mais: instituição, comunidade. Mas sempre através do plebiscito de todos os dias, de que falava Renan, um plebiscito praticado em torno das coisas que se amam.

4.7.08

Nestes amanhãs que cantam do século XXI, apenas continua a ser novo aquilo que se esqueceu


Porque todas as revoluções são mesmo pós-revolucionárias, o nossso 25 de Abril nunca foi Otelo nem Salgueiro Maia, mas Soares e Cavaco, tal como agora é Sócrates e Manuela Ferreira Leite, e tal como, amanhã, pode passar a ser Manuel Dias Loureiro e António Vitorino, essas personificações do transcendente do nosso regime, onde o bastonário dos advogados é o Dr. Marinho Pinto e o presidente da Federação Portuguesa de Futebol continua a ser Madail, o tal que foi buscar Scolari e que bem poderia contratar, no mercado das consultadorias empresariais da globalização, um novo chefe do governo desta pilotagem automática sem futuro, um novo líder dos progressistas do PS e um novo líder dos regeneradores do PSD, para que se continuem a construir novos estádios para as moscas, depois de um abraço de ternura entre um antigo secretário de estado e um antigo vendedor da imagem do Euro 2004, ou a entregar o cavaquismo monumental do centro cultural de Belém à colecção de arte do comendador Berardo.


Por isso, tenho de reconhecer que o Dr. Dias Loureiro não existe como simples "fait divers". Ele constitui algo de simbólico que, pela sua dimensão interdisciplinar, escapa a mera análise política, só podendo ser captado pela magia de um desses romances de costumes com que um novo Camilo Castelo Branco poderia rescrever "A Ascensão de um Anjo". Ele não é um ex-secretário geral de um dos dois partidos do Bloco Central neo-rotativista, um ex-ministro ou um ex-banqueiro e homem de negócios, ele é o próprio regime em figura humana, na sua faceta de homem de sucesso e até já subiu à glória de Mecenas da própria Universidade de Coimbra.


Infelizmente, neste tempo de comendas, já não há, no armazém das honorabilidades, a possibilidade de o fazermos conde de Tomar ou duque de Ávila e Bolama, pelo que lhe resta o caminho habitual do sistema banco-burocrático do rotativismo, um desses lugares corporativos no Crédito Predial, entre Hintze Ribeiro e José Luciano. Os elogios que teceu ao antigo militante da JSD e actual Primeiro-Ministro apenas confirmam como a esquerda moderna, a tal que, ideologicamente, invocava Eduard Bernstein, para se chamar Pinto Balsemão, Cavaco Silva ou José Sócrates, gosta de praticar a fecunda união de facto com a direita dos interesses. Por isso, as disputas entre as actuais lideranças do PS e do PSD e os jogos florais politiqueiros que ocuparam os horários nobres das nossas televisões podem começar a equiparar-se a umas primárias do Bloco Central, preparando a sucessão do Pai Bush, quando os vascos já não são santanas...

De qualquer maneira, devemos a Eduarda Maio esse belo exercício de futurologia que é imaginarmos um futuro governo de União Sagrada, com um PSD dirigido por Dias Loureiro e um PS liderado por António Vitorino, depois de José Sócrates ter sido convidado para ser o Alto Representante do Secretário-Geral da ONU para a Energia Eólica e das Ondas Magnéticas, para não ser o formal coveiro do regime, dado que as vagas dos refugiados, da luta contra a tuberculose, da aliança de civilizações e do porreiro pá, já estão ocupadas pelos nossos grandes desempregados rotativos e nenhum deles se chama Cristóvão de Moura ou Miguel de Vasconcelos, os tais geradores de ministros do reino por vontade estranha, conforme o belo poema de resistência, com que Alegre homenageou o Manuelinho de Évora.


Por isso, prefiro continuar a ler a biografia de Talleyrand, nomeadamente o capítulo sobre a conspiração de avós e netos, onde os primeiros são os ausentes-presentes dos 85 anos e os segundos, os ex-jotas meninos de ouro, para esta era da lei de bronze dos filhos de algo, que marca a nossa decadência.


Do mesmo modo, gosto imenso de recordar o processo político de um tal Guizot, que tinha como programa a banha da cobra do "enrichez vous", para uso da eterna sociedade de casino, onde se misturavam os politiqueiros honestos que escolhiam adjuntos corruptos, lado a lado com líderes inversos, os tais desonestos que tinham olho para a escolha de adjuntos honestíssimos. Julgo que o processo já está inventariado desde Victor Hugo, mas, em Portugal, nestes amanhãs que cantam do século XXI, apenas continua a ser novo aquilo que se esqueceu, dado que abundam as modas que passam de moda, só porque não reparamos que não vale a pena inventar o que já está inventado, nem descobrir o que já está descoberto. Vale mais recuperarmos a Dona Branca e o Alves dos Reis e brincarmos ao jogo da bolha, antes que a mesma rebente e nos encha de dejectos...
PS: Por estas e por outras é que amanhã, muito simbolicamente, estarei na Vidigueira a recordar Bento Espinosa, que esse, ao menos, é eterno e herético, como o demonstram as condenações que a família e ele receberam das três grandes instalações eclesiológicas do nosso ocidente, entre católicos, judaicos e protestantes, só porque era um homem livre, a querer o mais além teológico-político, a partir das circunstâncias infinitas deste mesmo aqui e agora...

2.7.08

Afinal não há petróleo no Beato, apenas primárias do Bloco Central entre Obama de Sousa e Hilary Leite




Depois das homilias de Marcelo e Vitorino, ontem e hoje, tivemos duas sintomáticas conversas em família de Hilary Ferreira Leite e de Obama Pinto de Sousa, neste arranque das primárias do nosso Bloco Central, a que, outrora, demos o nome de União Sagrada. Ambas glosaram a presente alteração anormal das circunstâncias, com muito petróleo, muitas taxas de juro e pouca crise alimentar. Sócrates, com o estadão do Terreiro do Paço como cenário de fundo, foi todo ele muito marquês, num exercício de politiqueirice, criticando verbalmente a politiqueirice, sic rebus, sic stantibus.

Sem qualquer acaso psicanalítico, substituiu Portugal pelo país, assumiu que tem encontros imediatos com o bem comum, situando-o na respectiva consciência e repetiu o "soundbyte" do ritmo reformista de modernização do país, mas ajudando quem precisa de ajuda, usando esse novo bacalhau a pataco que é não gastarmos nadas em obras, porque elas serão feitas por privados, os quais ficam com esse insignificante das concessões. Por enquanto, ainda não anunciou a privatização das praias do domínio público marítimo, para transformarmos as areias em abonos e família e em incentivos à gravidez.



Apenas se confirma que, depois das vacas gordas de um estado de graça feito de "porreiro, pá!", lá nos vamos enredando nas vacas magras, onde o "pá" é o inspirador do novo discurso maneleiro do "país de tanga". O que Sócrates não conseguiu disfarçar foi o tom de monólogo, feito de muitas vacas sagradas, dado que a conversa parecia um ditado, levado a cabo através de uma operação de conversão de muitos "tracks" de um "mini-disk", cuja versão de fotonovela já conhecíamos nos palanques inaugurativos, feitos para propaganda de telejornal.

De qualquer maneira, para além da ausência da palavra e da ideia de Portugal, também desapareceram coisas como os cidadãos e os indivíduos, dado que se restauraram apenas as células do velho corporativismo das "famílias e das empresas" e das "empresas e das famílias", entidades que, afinal, voltam a participar estruturalmente na vida da nação. Por outras palavras, em tempo de vacas magras, apenas a abstracção das vacas sagradas, para que o contribuinte e o eleitor não reparem que são eles que pagam estes pilares da concessão da ponte do tédio, ainda sem buzinão...

1.7.08

Programas de entretenimento sobre as espumas do Bloco central


A face conflituosa do Bloco Central, brincando à espuma dos dias, vai-se acusando entre desonestidade intelectual e o mais incompetente do mundo. A face de paz celestial da direita dos interesses prefere o menino de ouro, nessa bela operação de propaganda, segundo a qual a boa propaganda deve parecer antipropaganda. Logo, Vitorino e Loureiro, numa sala onde não estiveram presentes José Miguel Júdice nem Daniel Proença de Carvalho, transmitiram as emoções do dia de ontem.



Por mim, apenas me lembrei de uma velha história de infância, passada na Rua das Taipas do Porto, quando eu tinha três anitos e ouvia constantemente uma história dos vizinhos do lado, sobre o gaiato meu colega de brincadeira que, devido aos tratamentos a que a mãe foi sujeita para poder dar à luz, diziam sempre que o meu coleguita era um menino de ouro, por tanto ter custada que, em termos financeiros, valia o próprio peso em ouro.


Contam-me que cá o autor destas memórias, quando ainda não sabia o que era uma metáfora, decidiu um dia cumprir o científico método da experimentação, verificando com um pequeno alicate se o colega era mesmo feito desse metal precioso e tratou de fazer a prova de forma um pouco violenta e de que, naturalmente, me arrependo. Sei apenas que cheguei à conclusão que ele era feito da mesma massa de todos os outros que berram quando lhe apertam as carnes.


Desculpe-me, engenheiro Sócrates, mas, consigo, quase acontece o mesmo perante a prova que nos é dada com o fim do estado de graça. Daí que o compreenda, emocionadamente, especialmente quando noutro dia, em Beja, ao visitar um hospital se encontrou uma médica, ou uma paramédica, que se assumiu corajosamente como sua fã. As palavras que deixou cair foram o melhor comentário da encruzilhada que o amargura: "ao fim de três anos de governo, ainda há, afinal, quem goste de mim..."