Algumas vacas sagradas que merecem ser removidas
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Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...
PS: Excerto do artigo 3º de uma lei celerada ainda vigente, mas inválida e ineficaz: "considera-se que perfilham a ideologia fascista... os que mostrem adoptar, defender, pretender difundir ou difundir efectivamente os valores, os princípios, os expoente, as instituições e os métodos dos regimes fascistas que a história regista, nomeadamente o belicismo, a violência como forma de luta política, o colonialismo, o racismo, o corporativismo ou a exaltação daqueles regimes". É a lei nº 64/78 de 6 de Outubro, que o PSD, até pela voz "pasionaria" de Helena Roseta, qualificou como "lei celerada". O bom senso nunca a aplicou, até porque ministros e governantes fascistas, tecnicamente falando, conforme o preâmbulo da Constituição, foram recrutados para governos socialistas e sociais-democratas. Aliás, a televisão pública, ao admitir a figura de Salazar a um concurso sobre grandes portugueses, deveria ter sido processada...
Setenta anos de Cavaco. Ainda tem mais dois para se recandidatar. E serão intensos. Especialmente depois das outonais eleições, quando começar a cair a folha, seja qual for o resultado. Do mais do mesmo, da alternância deste disco riscado, à eventual alternativa, entre Manela a coordenar, ou Jerónimo e o Bloco no poder.
Esperemos que Cavaco não queira ficar na história como o coveiro do regime e que ajude o povo a mandar o bloco central de interesses para o caixote de lixo da história.
Só que o povão é quem mais ordena e tem sempre o governo que merece. De qualquer maneira, do alto da sua maturidade, Cavaco tornou-se um desses árbitros que também joga. Como defesa central, ou avençado de centro, mas sem poder ser treinador. Jesus já foi recrutado e Mourinho não quer voltar.
Resta saber se a maioria do eleitorado prefere o situacionismo, mantendo o que está, ou optando pela alternância do vira o disco e toca o mesmo riscado, do tira PS mete PSD, tira PSD mete PS
Pode também surgir reviravolta. Há um PS que quer abrir as portas ao PCP e ao BE. Chame-se António Costa e tem o apoio de Alegre. Por enquanto só tem Saramago e pode conquistar Roseta. Reconheço a mudança, mas não vou por aí. Mas se o povão quiser, reconheço humildemente a alternativa. Em verso épico, voltaríamos ao contraciclo relativamente aos principais parceiros europeus, embora fosse possível a viagem para uma Índia que não vem nos mapas.
Setenta anos de Cavaco. O regime está velho. Basta recordar que Marcello Caetano tinha sessenta e oito anos quando Salgueiro Maia o meteu dentro de uma Chaimite. E Salazar, quando caiu da cadeira, tinha menos idade da que agora têm Soares e outros “senadores da democracia”. Alegre nasceu em 1936. Cavaco, três anos depois.
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Todas as frases que eu podia ter escrito sobre a Constituição que nos rege já as escrevi quase todas. Sempre considerei que a melhor forma de cumprirmos a ideia de constituição passa por não termos a mania das grandezas de pormos em código rígido o próprio dever-ser comunitário, muito à maneira britânica
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Hayekianamente falando, sou um frontal adversário dos construtivismos, especialmente daqueles falsos progressistas que se consideram como o promontório dos séculos e amarram o futuro ao respectivo pensar baixinho
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Claro que deve haver leis fundamentais do pacto de constituição. Mas este deve ser inferior ao pacto de união, a matriz de qualquer contrato social. E este não ter a ver com o poder, mas antes com a autoridade e só tem autoridade quem é autor…
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Ai do povo se se deixar prender pelos constitucionalistas, por mais geniais que estes sejam. Aliás, mesmos as leis fundamentais nem deviam ser escritas por engenheiros de conceitos, como normalmente são os juristas formados por estes seminários do regime que vamos tendo. Deveriam ser os poetas a escrever as sucessivas actas das cortes de Lamego que deveríamos reassumir…
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Insisto, muito à maneira dos clássicos defensores do contrato social: o pacto de governo ou de sujeição deve estar sujeito a um pacto de constituição, mas este é inferior ao pacto de união, ao “original compact” de Locke, e este último só os poetas da pátria o conseguem decifrar…
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Porque a primeira palavra da nossa Constituição é “Portugal” e esta coisa essencial é normalmente indecifrável pelos hermeneutas que se assumem como os primeiros sacerdotes da república. Por mim, sempre disse que mesmo a lei fundamental de 1976 deveria ter sido passada a palavras por Sophia de Melo Breyner, Natália Correia e Manuel Alegre, com a ajuda de António Manuel Couto Viana e música de Adriano C. de Oliveira..
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Estas partilhas de sábado matinal têm a ver com as palavras que daqui a minutos vou pronunciar no debate da Constituição 2.0 do Instituto da Democracia Portuguesa. Peço perdão aos que ainda estão na onda do telejornal da TVI, mas há coisas na pátria mais importantes do que a corrupção dos CTT…
(texto emitido no meu Facebook)