a Sobre o tempo que passa: janeiro 2008

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.1.08

Parábola de Saint-Simon contada aos socrateiros e menezentos


Imaginemos que, por estes dias, sem prévio aviso da CIA ou do SIS, um comando de extraterrestres aterrava em Lisboa e assassinava todos os conselheiros de Cavaco, todos os ministros e directores-gerais, todos os parlamentares, todos os membros dos órgãos directivos do PS, PSD, CDS, PCP e BE, bem como todos os bispos e presidentes de câmara. Seria bem pior do que assassinarem os primeiros cinquenta cientistas, professores, empresários, engenheiros, negociantes, operários, agricultores, artistas e banqueiros. O primeiro assassinato não fazia mal nenhum à república, porque chegaríamos à conclusão que a fachada do governo não é o governo real, dado que apenas nos interessam os que são verdadeiramente produtores, isto é, os sábios, os industriais, os banqueiros, os negociantes e os operários...


A parábola que brevemente enumerei já tem barbas. Foi publicada pela primeira vez por Saint-Simon em 1819, quando ainda se acreditava numa organização social que poderia eliminar o ócio, criando-se um grande partido nacional de verdadeiros produtores, embora se admitisse um grupo restrito de padralhada, para que houvesse meia dúzia de pregadores da moral. Assim, as capacidades poderiam substituir o poder e o governo reduzir-se à dimensão de uma simples máquina "chargé d'affaires de la societé" visando a "harmonie uiniverselle", nomeadamente com um parlamento europeu, desde que se praticasse o "a chacun selon sa capacité, à chaque capacité selon ses oeuvres", mas também desde que houvesse o "souvenez-vous que pour faire quelque chose de grand, il faut être passioné".


Foi isto que me apeteceu lembrar, depois de assistir a nova manobra propagandista do governo remodelado e da oposição renovada. Até para recordar que o velho Marx, retomando Saint-Simon, veio proclamar o "de cada um segundo as suas possibilidades, a cada um segundo as suas necessidades". Uma antiquísima tese, já expressa por Aristóteles e pelos juristas romanos, os quais disseram que importava o "honeste vivere" da justiça geral ou social, o "suum cuique tribuere" da justiça distributiva e sempre o "alterum non laedere" da justiça comutativa dos contratos.


O problema sempre esteve na circunstância de cada homem nunca se repetir, de sermos todos iguais, mas de haver alguns que são mais iguais do que outros. Ora, sendo a justiça o mesmo que igualdade, ela tem que tratar desigualmente o desigual e medir a diferença segundo um critério constitucional oculto, o padrão que afere das desigualdades. Porque dar a cada um segundo os seus méritos é ir para a meritocracia e dar a cada um segundo as suas obras é proclamar-se que quem não trabalha não come, São Paulo "dixit". Daí, os diferentes programas ideológicos dos social-istas e dos liberalões que também procuram a justiça, mais em nome dos contratos do que da distribuição dos bens acumulados no erário, dizendo que a intervenção da caixa geral de recolha dos impostos deve ser apenas supletiva, em nome do princípio da subsidiariedade.


Como não chegámos ao fim da história, haverá ainda discussões programáticas nos próximos séculos, pelo que acho mais curiosa a parábola de Saint-Simon misturada com o "mandarim" do Eça. Proponho, portanto, que cada um dos cidadãos portugueses imagine que pode carregar num botão e fazer desaparecer quinhentos dos hierarcas inúteis que nos consomem o imposto. Façamos este exercício académico, apenas para concluirmos como seria útil extinguirmos grande parte dos aparelhos e dos ocupantes dos mesmos, os tais donos do poder que nos consomem até com discursos de música celestial.


Ou então sugerir à governação e à classe política que façam greve. Descobriríamos que vivemos em governança sem governo e que a pilotagem automática nos conduziria à realidade. É perfeitamente inútil tirar o Sócrates e colocar lá o Menezes Santana, acolitado pelo Portas. Todos eles teriam que, um dia, remodelar o Correia de Campos, para ouvirmos, depois, os sermões de um qualquer Pinto Ribeiro. Por mim, prefiro carregar num qualquer botão assassino de mandarins, mesmo que se chame Marinho Pinto. Logo, tanto não irei comemorar, hoje, o 31 de Janeiro, no Prado do Repouso, como não irei, amanhã, comemorar o 1 de Fevereiro, na esquina da Rua do Arsenal, não por causa de Basílio Teles ou de D. Carlos, mas por causa das consequências, isto é, dos magnicídios de 1918, 1921 e 1965. Prefiro recordar que o péssimo regime que temos é o único onde não houve assassinatos do terrorismo de Estado ou do contraterrorismo subsequente. Acho que a rainha Dona Maria Pia é que teve razão quando optou pela loucura de sempre dizer o que pensava...


30.1.08

Há um silencioso coro de revolta que está prestes a explodir na planura dos súbditos dos que invocam o privilégio do senhorio


E lá se foram mais dois ministros. Nada digo sobre os aparentes vencidos pela nora da política, nem conheço suficientemente o sangue na guelra dos renovadores da política de imagem, sobretudo o advogado dos Gatos Fedorentos, especialista em direitos humanos e direito bancário. Sei apenas que todos os estudos de opinião apontavam Correia de Campos como um desastre e que já nem era ponto de fixação da usura do poder, apenas servindo para almofada de fixação dos ódios populistas.


Noto como antigos adversários de Marinho Pinto, na corrida às eleições da Ordem dos Advogados, decidiram apoiá-lo na vaga de declarações sobre a moralização da política. Ainda ontem, António Arnaut o manifestou na televisão. O bom senso talvez aconselhe que digamos o seguinte: se há corrupção na classe política, ela tem que ser exactamente igual à que existe entre os advogados, face aos tradicionais vasos comunicantes existentes entre os dois submundos. Por outras palavras, não vale a pena que ambos sejam afectados pelo complexo de avestruz e, muito menos, pensar que será o Ministério Público a limpar a classe política, ou os órgãos disciplinares da Ordem a fazer o trabalho correspondente. Só se houver vontade política para a necessária revolução de mentalidades.


Tanto advogados como políticos profissionais navegam nos interstícios do poder do negocismo situacionista. E sendo realista, tenho de reconhecer que não somos governados por um bando de corruptos, e nem sequer considero que a classe política está generalizadamente corroída pelo vício. Daí não compreender o nervoso miudinho que a invadiu, depois do estrondo da marinhada. Deviam todos assumir que o tema já não consegue ser abafado pela tradicional mistura da água benta com a música celestial. Há um silencioso coro de revolta que está prestes a explodir na planura dos súbditos dos que invocam o privilégio do senhorio.


Imagem picada aqui

28.1.08

A maior parte da corrupção da política não é, por enquanto, corrupção criminal



A endogamia neocorporativa que nos vai apodrecendo parece não conseguir responder à provocatio ad populum lançada por alguém que se quer assumir como tribuno da plebe da magistratura republicana, mas que não dispõe do necessário direito de veto e assim corre o risco de ser remetido para a simples categoria da pólvora seca do populismo radical, depressa domado pelos habituais expedientes dilatórios da retórica politiqueira. A voz tribunícia de um esquerdista, com a verbe coimbrã e camiliana, que ainda não ficou sujeito ao tradicional conformismo da queda dos anjos, pode ser mais um dos necessários indisciplinadores desta paz de cemitérios de bonzos, endireitas e canhotos, onde costuma pagar o justo pelo pecador, através da técnica kafkiana, onde os dirigentes do aparelho de Estado até têm direito a advocacias e parecerísticas pagas pelos contribuintes.


O senhor bastonário, passeando entre porcelanas, apesar de não ser elefante, já partiu alguma loiça, só porque não quis ser mais uma virgem no bordel dos intocáveis e tratou de falar no centro da política, enquanto monopólio da palavra pública, pela técnica da metáfora. Não apresentou, nem tinha que apresentar, um único facto novo sobre o processo da compra e venda do poder, apenas deu nome a bois que são públicos e notórios e que, por isso mesmo, não precisam de denúncia nem de provas, mesmo que as condutas não sejam criminalmente tipificáveis.


Sabendo todos os políticos experimentados que a maior parte da corrupção da política não é corrupção criminal, nada mais hipócrita do que meter na matéria a PGR, quando grande parte do discurso de Marinho diz respeito a leis a haver. Não apenas porque os magistrados não podem mexer no que já está prescrito, como também não podem lançar o necessário debate sobre o que deve ser criminalmente tipificado, nomeadamente algumas das condutas que agora escapam às polícias e aos tribunais, incluindo as que são usuais entre polícias e magistrados.




Por nós, gostaríamos que a justiça comandasse o direito e que os princípios gerais de direito conformassem leis e regulamentos, fecundando a lei posta na cidade, a que chamamos direito positivo e que é flagrantemente injusto em muitos dos respectivos segmentos, agora reduzidos à defesa dos interesses dos instalados. Esperemos que este gémito imenso do bastonário não dê à luz os habituais ratinhos, para gáudio dos arrazoadores dos donos do poder, isto é, os representantes do PS e do PSD, acolitados pelo CDS. Porque teremos de concluir como um dos nossos patriarcas pós-revolucionários: em Portugal o importante não é ser ministro, é tê-lo sido, especialmente se, depois, se passar para a banca, acumulando assim aposentadorias.




Não gostaria que os políticos do regime reclamassem por uma Ordem da Classe Política. Porque de outro modo, teria que vestir-me de jacobino e procurar estabelecer uma nova Lei Le Chapelier que lhes enfiasse o belo barrete do nosso Zé Povinho. Porque as Cortes Gerais não podem continuar a reunir-se apartadamente, com segundos camaralismos clandestinos. O Terceiro Estado tem que se livrar desta sucessão de corporações que explodiram em vitalidade, exactamente quando se declarou oficialmente extinto o corporativismo.




A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10. Julgo que, desde 1998, tenho abordado a matéria no mesmo tom. Na altura, tentavam alguns lançar um enraizado movimento da sociedade civil, em ligação à "Transparency International", quando as ervas daninhas já começavam a tapar o trigo da seara democrática.

27.1.08

Corrupção 10 - O político usurpado pelo doméstico


E foi-me dado concluir:


Tanto têm culpas os arquitectos do sistemismo vigente, desde os constitucionalistas aos ordinários legisladores, como os sucessivos executivos da máquina, porque todos foram transformando as mesmas em rotinas degenerativas.

Já não temos apenas a velha corrupção do negocismo, onde abundam os jagunços e patos bravos, esses que foram ocupando, anos a fio, os interstícios do aparelhismo, mas também a própria corrupção dos ditos intelectuais, incluindo os que fazem discursos contra a primeira forma de corrupção.

Surgiu, com efeito, uma casta de "intelectuários" que deram corpo a uma nova forma de "intelligentzia", esse pretensa nova classe que se assume como uma espécie de clube fechado, onde abundam os que, sem carreira de legal "cursus honorum", mas com todo o carreirismo, vivem endogamicamente na subsidiodependência desse sindicato de citações mútuas que elevou a cunha ao requinte dos clubes de reservado direito de admissão. Uma zona que não é passível de análise pelas velhas lentes da teoria da conspiração, onde tudo se continua a explicar pelas invocações protectivas dos maçons e "opus Dei", dado que talvez importe detectar outros modelos de feudalização, bem mais eficazes.

Julgo que está fundamentalmente em causa o medo que muitos sentem pelo abismo do proletariado intelectual, num país onde ninguém consegue viver dos produtos do respectivo pensamento, do literário e artístico ao científico. Basta notarmos as bichas do encómio que notáveis artistas, homens de letras e jornalistas fazem às portas de certas fundações e de outros locais de distribuição da prebenda, coisa que afecta o próprio sistema público de financiamento da chamada investigação científica, onde ninguém avalia os avaliadores oficiais. Basta notar como muitos têm transformado a zona das ciências sociais e humanas e novas formas de ciências ocultas, principalmente quando gente nomeada partidariamente se deixa enredar nas teias da sedução de certos pretensos gurus de mão bem sujas, nomeando-se gente sem curriculum apenas por fidelidades pessoais, alguns dos quais sem um único grau de suor na área onde distribuem tostões.

Quando a governação se enreda nas teias do doméstico, a racionalidade meramente técnica dos chamados peritos, gestores organizadores e tecnocratas pode fazer regressar o Estado ao regime da administração das casas privadas

E assim corremos o risco de voltar às boas intenções do despotismo, de que o inferno da história está cheio.

A corrupção não vem apenas de cima para baixo, mas, sobretudo, de baixo para cima.

Ela nasce dos patos bravos, da federação dos pequenos e médios compradores do poder autárquico que encheram os partidos com “apparatchikini” sem qualidade, transformados em traficantes de influências.

Resta-nos semear revolta individual, sem esperança na revolução colectiva.

Resta-nos o poder singular da palavra.

Mas com o realismo de reconhecermos que um dos principais segmentos da corrupção passiva campeia entre os intelectuais, à espera de sinecura e de subsídio.
A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Corrupção 9 - o Estado a que chegámos, apesar de ser grande demais na subsiodiocracia e na empregomania, não é suficientemente forte para a combater


E mais disse:


Um grupo de pressão é um grupo de interesse que exerce uma pressão. Quando passa do mero estádio da articulação e da agregação de interesses e trata de influenciar o decisor político.


Quando larga o âmbito do mero sistema social e trata de actuar no interior do sistema político.

A pressão pode ser aberta ou oculta, exercendo-se directamente sobre o decisor ou, indirectamente, lançando-se sobre a opinião pública.

As duas principais formas de pressão oculta, isto é, não publicitada, são as relações privadas e a corrupção.

As relações privadas passam pelo clientelismo, pelo nepotismo e pela pantouflage.

A corrupção, como processo de compra de poder, tanto pode ser individual como colectiva, nomeadamente pelo financiamento dos partidos.

Porque o Estado a que chegámos, apesar de ser grande demais na subsiodiocracia e na empregomania, não é suficientemente forte para combater a corrupção, a evasão fiscal ou o indiferentismo que nos seca a cidadania.

Porque o sistema de financiamento da política, da partidocracia às campanhas presidenciais, passa pela habitual complacência do Bloco central de interesses face aos patos-bravos locais, aos lóbis das consultadorias e empresas de estudos, não deixando de passar pelos colarinhos brancos das oligarquias financeiras e burocráticas, em torno das quais circulam, em procissão, alguns intelectuais, jornalistas, universitários e homens de letras que andam de mão estendida ao subsídio ou à avença.

As plataformas giratórias que fazem comunicar a economia e a política costumam ser bem mais circunspectas do que as articulações que se têm estabelecido entre a futebolítica e os autarcas de sucesso.

E as leis que pretendem controlar a coisa chegam sempre no "day after", dado que os criadores da tipificação penal, de tanta "tradução em calão" das tabelas fornecidas pelo direito comparado, não conseguem assentar os olhos no laboratório lusitano das manigâncias.

A rede de dependências e medos vai continuar enquanto não assumirmos que em situações pós-totalitárias e pós-autoritárias, mesmo depois de se eliminarem os aparelhos visíveis da repressão e da corrupção, permanecem os subsistemas de medo e de venalidade que os mesmos geraram.

Podem proliferar os micro-autoritarismos sub-estatais e modelos de temor reverencial que podem ser substancialmente agravados e fomentados

Assim, a activação dessa permanecente repressão, visível ou invisível, pode até levar a que os mesmos finjam que estão a ser vítimas de perseguições imaginárias, para que muitos caiam no engodo e alinhem num processo de instauração do espírito de seita, a que não faltam coisas como o revisionismo histórico, a literatura de justificação e o abundante recurso a milhentas hipóteses de teoria da conspiração, através de encenações cientificamente orientadas, nomeadamente pelo recurso ao boato, à difamação, à insinuação e à própria ameaça, através de um processo que seria ridículo se não fosse trágico e não gerasse amplos prejuízos pessoais a todos aqueles que não aceitam alinhar na procissão.
A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Corrupção 8 - O problema da corrupção em Portugal é uma questão mais cientificamente politológica do que juridicamente criminal


Na mesma conferência, observei:


Há um tradicional conúbio do feudalismo financeiro e do negocismo com o comunismo burocrático e o subsistema de medo autoritário, dominantes na nossa dona Administração Pública.

Um problema que não resulta da crise dos valores, mas no facto do dinheiro se ter transformado no principal dos valores, o que leva alguns a proclamar que quando me falam de “inteligências”, puxo logo do meu livro de cheques...

O problema da corrupção em Portugal é uma questão mais cientificamente politológica do que juridicamente criminal,

Porque não podemos pedir aos senhores polícias, às estruturas do Ministério Público e aos juízes que façam um adequado levantamento de todos os grupos informais que circulam, numa sociedade aberta, entre aquilo que é o dinheiro que quer comprar poder e aquilo que são os agentes do poder, executivo, legislativo, autárquico, regional, partidário, judicial, policial, cultural, universitário ou comunicacional, que estão disponíveis para compra.

Mas o poder não se compra apenas com o dinheiro, mas também com a troca directa de favores.

O clientelismo, o nepotismo ou a distribuição de lugares visando dar jobs aos boys do respectivo partido é tão corrupção quanto as luvas recebidas por um manga de alpaca para que certo"dossier" seja mais rapidamente sujeito a despacho.

Não há maneira de entendermos a democracia de forma poliárquica e pluralista, onde o poder não é coisa que se conquiste, mas antes uma relação entre a sociedade civil e o aparelho de poder, onde o exercício da pressão e a manifesta exposição dos interesses é inevitável.

A “black box” do sistema político, que visa produzir decisões políticas, tem como "inputs" o jogo dos apoios e das reivindicações, onde a actividade de influência no processo decisório, através dos chamados grupos de interesse e grupos de pressão, constitui o normal dos anormais da política.


Aliás, um processo político entra em derrapagem quando quem manda deixa de obter o consentimento de quem é mandado pelo processo espontâneo da persuasão.

Quando isto acontece, quem manda não foge, passa a utilizar a técnica da manipulação, invocando a ideologia ou promovendo a propaganda.

Só na fase três é que pode assumir o autoritarismo, antes de atingir o clímax dos estados de excepção que utilizam a violência

Todo o processo político, de todos os tempos, sempre foi uma moeda com duas faces, uma visível e outra oculta, uma fingindo, no teatro do Estado-Espectáculo, outra jogando nas teias invisíveis da pressão.
A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Corrupção 7 - O que é a corrupção? Conselhos aos que são pessoalmente incorruptíveis, mas que, contudo governam pela corrupção


Numa conferência que proferi na Assembleia da República em 18 de Abril de 2006, disse:


Essa clássica degenerescência do poder, é susceptível de ser definida como todo o processo de venda do poder enquanto mercadoria

O que implica a existência de um vendedor e de um comprador

O primeiro é o burocrata ou o actor político investido de poderes

O segundo tende a ser uma bandocracia possuidora de dinheiro,

Nos intervalos pululam os híbridos, os estratos corrompidos que pertencem ao mesmo tempo à burocracia, incluindo a dos partidos, e à bandocracia, incluindo a da evasão fiscal e, eventualmente, a do branqueamento de capitais

E tudo isto no seio de um sistema, onde grande parte dos factores de poder até já nem são nacionais.

Neste sentido, só uma restrita minoria de condutas corruptivas se enquadra nos tipos do Código Penal e pode cair sob a alçada do poder judicial

A banda larga do processo tem a ver com o financiamento indirecto e com a promoção dos partidos e candidatos a lugares políticos.

Um cancro que só pode ser superado pela necessária revolução de mentalidades face aos métodos da plutocracia

Por cá vamos fingindo que tal degenerescência não existe

Se na teatrocracia existem altos figurantes corruptos que vão nomeando muita gente honesta

Há também protagonistas honestos rodeados de gente corrupta. Os tais que, como Guizot, são pessoalmente incorruptíveis, contudo governam pela corrupção (Vítor Hugo).


Mas quase todos lavam as mãos como Pilatos em nome da hipócrita legalidade

Como se o Estado de Direito não fosse um Estado de Justiça.
A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Corrupção 6 - ONU, Transparency International e Social Watch dizem pior que o bastonário


Consta que o Estado português, depois do discurso do senhor bastonário dos advogados, vai processar internacionalmente a ONU, por dar guarida a estudos de certas ONGs que confirmam a existência de corrupção em Portugal, em termos gerais e abstractos. Lendo os relatórios, diremos que obviamente há corrupção em Portugal. Tem-no proclamado a "Transparency International", confirmando que, entre os primitivos quinze da UE, éramos os terceiros mais corruptos, de acordo com os índices de percepção universalmente aceites.

Num dos últimos relatórios anuais da tal Transparency International regista-se, com efeito, que, no campeonato europeu do Índice de Percepção da Corrupção, continuamos apenas à frente da Grécia e da Itália.

Basta consultarmos uma qualquer cartilha de combate à corrupção noutras paragens do mundo, para verificarmos como para os nosso poderes instalados tal processo continua a ser música celestial.

Continuamos na cauda da Europa, apesar de abundarem os discursos ditos de "ética republicana" sobre matéria. E também são os países tradicionalmente liberais que estão nos lugares cimeiros dos bons princípios. Porque, na prática, a teoria não é posta na gaveta.

Apesar de estarmos na União Europeia, não andamos muito longe da média mundial, o que é péssimo. Também aqui os partidos vão na vanguarda, tal como as forças armadas e estruturas religiosas parecem também ter mais autenticidade (mas aqui, a tropa está à frente das igrejas). Parece que em matéria de impostos as coisas andam mal, enquanto os parlamentares e os polícias sempre são menos maus.

Segundo um estudo do Banco Mundial basta eliminarmos a corrupção para triplicarmos o rendimento "per capita" e colocar-nos ao nível da Finlândia. Porque desemprego, corrupção, imigração, saúde e consumo são factores apontados como obstáculos para a segurança humana em Portugal, de acordo com dados do relatório da Social Watch.


Cresce a impressão de que na democracia portuguesa reina uma cultura de irresponsabilidade e impunidade. Apesar de indicadores sócio-económicos, como educação, informação, ciência e tecnologia, colocarem Portugal entre os países em melhor situação ou acima da média, o Social Watch alerta para o problema da corrupção no país. Os casos de corrupção incluem subornos, grandes delitos económico-financeiros, tráfico de influências, fraudes em licitações e encobrimento de responsabilidades penais.
A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Corrupção 5 - O bom exemplo dos grandes vale mais que os códigos criminais


O antigo ministro António Alberto Morais de Carvalho, ilustre jurista e liberal, em Aphorismos e Pensamentos Moraes, Religiosos, Politicos e Philosophicos, publicados em Lisboa, no ano de 1850, utilizou a irregular técnica da generalidade e abstracção, para insinuar o seguinte:



O empregado com pequeno ordenado, que vive com luxo, se não herdou, furtou (293)


Os cargos do Estado, em mãos de probidade, dão proveito, e honra: em mãos de corrupção, dão proveito sem honra (300).


A probidade do empregado público não pode viver, nem com o luxo, nem com a miséria (297).


Os escritores assalariados, de ordinário, são como as rameiras; prostituem-se a quem lhes paga (312).

Se a honra de representar a nação pela deputação fosse estéril de empregos, e distinções, haveria menos quem a ambicionasse (220).


Aos déspotas nunca faltam mandarins, que sejam vis executores dos seus decretos (235).


Os mais elevados estadistas dificilmente se conservam, e morrem no poder (315).

Qualquer grumete se reputa habilitado a dirigir o leme da nau do Estado; por isso, ela, muitas vezes, sofre avarias (317).


O bom exemplo dos grandes vale mais que os códigos criminais (326).


Um governo sábio deve criar homens para empregos e não empregos para homens (384).


Há honras sem honra, assim como há honra sem honras (437).


As maiorias parlamentares são muitas vezes minorias nacionais (607).


Os partidos de princípios podem ser razoáveis; os de pessoas são, de ordinário, execráveis (779).


Ordinariamente os maiores inimigos dos homens que se acham no poder são aqueles que desejam subir a ele (804).
A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Corrupção 4 - Arte de Furtar, Espelho de Enganos, Teatro de Verdades, Mostrador de Horas Minguadas, Gazua Geral dos Reinos de Portugal


Aliás, acabou agora de publicar-se anonimamente, neste ano de 1652, um livro, dito, Arte de Furtar, com o subtítulo Espelho de Enganos, Teatro de Verdades, Mostrador de Horas Minguadas, Gazua Geral dos Reinos de Portugal. O mesmo deve ser imediatamente apreendido.

Porque a Senhora Dona Política é filha da Senhora Razão de Estado e do Senhor Amor Próprio

E ambos dotaram‑na de sagacidade hereditária e de modéstia postiça. Criou‑se nas cortes dos grandes Principes, embrulhou‑os a todos, teve por aios a Maquiavel, Pelágio, Calvino, Lutero e outros doutores dessa qualidade, com cuja doutrina se fez tão viciosa que dela nasceram todas as seitas e heresias que hoje abrasam o mundo.

Ora, todos falam de política, muitos compõem livros dela e no cabo nenhum a viu, nem sabe de que cor é.

Até porque: a primeira máxima de toda a política do mundo que todos os seus preceitos encerram em dois, como temos dito, o bom para mim e o mau para vós

Ao aceitar a regra de viva quem vence. E vence quem mais pode, e quem mais pode tenha tudo por seu, porque tudo se lhe rende

Neste ponto, errou o norte totalmente, porque tratou só do temporal sem pôr a mira no eterno

Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos.

Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, este sem temor nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.
A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Corrupção 3 - Uma sociedade pós-revolucionária de videirinhos e interesseiros


O senhor Procurador-Geral da República apenas inquiriu um tal Fernando Pessoa, porque ele disse o seguinte:


Uma sociedade pós-revolucionária é ao mesmo tempo desorganizada e corrupta.

O partido que, sendo corrupto, for melhor capaz de organizar a desorganização, e melhor organizar a anarquia, prevalecerá

Os partidos políticos, em determinado país e determinada época têm todos virtualmente o mesmo grau, pouco ou muito, de corrupção...

Os partidos de governo – isto é, os partidos que frequentemente governam, e por isso, em geral, os maiores – agregam mais videirinhos e mais interesseiros, pela simples razão de que os videirinhos e os interesseiros buscam naturalmente os partidos que os podem empregar e recompensar, e esses são, naturalmente, os partidos que governam, ou frequentemente governam, e não os que nunca vão ao poder
A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Corrupção 2 - Quem enriquece sem se ver donde lhe vem tanta riqueza, terá de passar a explicar à República


O senhor Procurador-Geral da República não instaurou processo quando o ex-presidente Jorge Sampaio, uma das pessoas mais informadas de Portugal, declarou o seguinte:


Parte significativa dos casos que chegam aos Tribunais indiciam que os dinheiros, ou pelo menos parte deles, não se terão destinado, apenas, a aproveitamento pessoal

A regeneração da imagem dos partidos, essencial para o bom funcionamento da democracia e para a participação empenhada dos cidadãos na vida política, exige, por isso, um tratamento adequado da questão da corrupção

A moralidade mais elementar e o sentimento de justiça continuarão gravemente diminuídos, enquanto for possível exibir altos padrões de vida, luxos, e até reprováveis desperdícios, e, ao mesmo tempo, apresentar declarações fiscais de indigência

Que se impõe por isso, a revisão criteriosa das leis anti-corrupção, que estabeleçam com maior precisão e rigor os casos a que se aplicam e tornem mais severa a punição dos infractores. Depois, não me cansarei de o repetir, é preciso reforçar os meios de investigação, pois sem investigação não há provas e sem provas não há punição. Mas não chega. A defesa da República exige mais. Quem enriquece sem se ver donde lhe vem tanta riqueza, terá de passar a explicar à República “como” e “quando”, isto é, a ter de fazer prova da proveniência lícita dos seus bens". Hoje soa a tardio e exige-se mais.
A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Corrupção 1 - Do polvo da corrupção à corrupção sistemática


O senhor Procurador-Geral da República não instaurou processo quando o ex-presidente Mário Soares, uma das pessoas mais informadas de Portugal, declarou o seguinte:


O polvo da corrupção alastra os seus tentáculos no Estado, na sociedade, nos partidos e nas autarquias

Há que desencadear a censura moral dos portugueses

Acho que o sistema está a seleccionar, para baixo e para o mal, os políticos. Já me questionei porque houve, após o 25 de Abril, tantos políticos de excepção, moralmente inatacáveis, e agora só vemos figuras menores

Deixar correr o indiferentismo perante os abusos, as injustiças e as corrupções é o pior que pode suceder

Começou a criar-se uma osmose na sociedade portuguesa entre negócios fáceis e tráfico de influências que é muito preocupante.

A justiça mostra-se incapaz de agir. As polícias sabem muita coisa mas só actuam por critérios pouco claros

O processo da Casa Pia é numa vergonha nacional. Tornou-se numa máquina de fazer dinheiro para os media. A continuar assim a vida nacional, vamos assistir a revoltas e a um mal-estar incontrolável na sociedade

Será necessária muita coragem e algum tempo para pôr cobro à situação...mesmo no tempo da ditadura havia alguns casos conhecidos, mas não havia uma corrupção sistemática

A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

25.1.08

Marinho Pinto: contra a desordem bem organizada, uma anarquia ordenada


Dois anos depois do facto consumado, o Tribunal Constitucional veio confirmar que, à excepção de Garcia Pereira, nenhum dos candidatos presidenciais, incluindo o eleito, cumpriu a lei. Não consta que algum deles tenha sugerido aos partidos apoiantes uma simples tentativa de aproximação do direito eleitoral da vida, procurando mais autenticidade naquilo a que os mesmos agentes do principado se vincularam. O único que viola as regras continua a ser a cigarrilha do director da ASAE nos primeiros minutos do ano novo. Num Estado de Direito, o príncipe está sujeito à própria lei que faz e nem tudo o que príncipe diz tem valor de lei.


O povão vai ouvindo e confundindo essas irregularidades com o apito dourado, ou com a impunidade face à corrupção, hoje denunciada por Marinho Pinto, o novo bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista à "Antena Um", onde também prometeu apresentar, dentro em breve, casos concretos de pessoas em cargos de destaque nos órgãos de poder. Vale-nos que somos definitivamente um país de escritos e escritores, sobretudo quando, também hoje se confirma que publicamos 12 500 livros por ano, mais de mil por mês, mais de três dezenas por dia, quase cinco por cada hora de trabalho, isto é, em cada quarto de hora sai um livro do prelo...


Mas voltando ao bastonário, o mesmo também decidiu partir a loiça no velho partido dos becas, isto é, dos licenciados em direito, atacando as fábricas institucionais que lhes dão canudo e que têm direito a um órgão de soberania próprio. Marinho fala em negócio que dá milhões a muita gente, insurgindo-se, em particular, contra os catedráticos e outros professores de direito, pelo exagerado número de alunos que têm nas respectivas faculdades, porque se instalam nas cátedras e criam um exército de servidores, com gastos escandalosos e vontade de controlar a Ordem. Contactado, o senhor ministro da ciência e das universidades, acusado de representante de tais corporações no governo, emitiu comunicado, onde, lavando as mãos como Pilatos, declarou que nunca recebeu reclamação do bastonário. Ficámos esclarecidos.


Marinho, o bastonário anarquista, porque saudoso de várias ordens perdidas, veio assim, muito corporativamente, introduzir a desordem num dos clássicos segmentos do nosso permanecente corporativismo, reclamando o regresso ao desespero do "numerus clausus". Muito democraticamente, tratou de denunciar os lucros cessantes e os danos emergentes da democratização do ensino, na sua vertente de reino da quantidade. Espero que os conselhos directivos, científicos e pedagógicos das escolas de direito, públicas, privadas e concordatárias, inspirados pela táctica do senhor ministro, não façam como a avestruz e metam a cabeça na poeira dos códigos, nas regras de Bolonha e nas leis que apelam para o autofinanciamento das escolas.
Já agora, será que alguém, que foi convidado a sair das universidades públicas e privadas portuguesas, por manifesto plágio de dezenas e dezenas de páginas numa dissertação de doutoramento, pode agora exercer o título obtido em Espanha e aqui apenas registado, contribuindo para essas fábricas denunciadas por Marinho Pinto? Eu descobri um deles, noutro dia, ao consultar a Internet... apenas espero que não vá para secretário de Estado das universidades, até porque o partido onde milita ocupa o governo de Portugal.


Se houvesse por aí uma qualquer mentalidade liberalmente pública, talvez alguém pudesse sugerir que as escolas de direito passassem mesmo a pessoas colectivas públicas, verdadeiramente corporativas. O governo largava-as das reitorias e dos ministérios e dava-lhes um estatuto equivalente ao da Ordem dos Advogados. O Estado ficava com a maioria das quotas, passando as outras para os advogados, magistrados e antigos licenciados, fazendo interferir, nos actos de avaliação dos alunos, magistrados judiciais, como outrora acontecia. Julgo que esta privatização por corporações, seria passível de revestir uma forma especial de fundação, onde as principais receitas até podiam vir da indústria dos pareceres. Para culminar o processo, também sugiro que se realize uma espécie de concordata entre o principado e estes novos clérigos do neocorporativismo...

24.1.08

Como o totalitarismo doce desta democratura vai lançando as suas teias de medo


Qualquer observador das cenas de teatrocracia do regime, se quiser ir além da face visível da politiqueirice pode, um dia, compreender as causas profundas que moveram o novo aeroporto da Ota para Alcochete, ou melhor: a razão que ditou a decisão governamental quanto à não utilização do Campo de Tiro para fins militares, permitindo um novo comparativismo técnico. Julgo que, neste momento, só o chefe do governo e o presidente da república têm suficiente informação global sobre a matéria, dado que os portugueses que vão pagar a coisa só dentro de alguns anos terão direito a adequadas explicações sobre os segredos desse negócio de Estado que talvez vá além da mera especulação imobiliária e dos interesses dos grandes empresários federados pelo presidente da CIP. E também não vale a pena a imaginação criadora das grandes teorias da conspiração.


Basta-me notar como a nossa independência é cada vez mais uma gestão de dependências, não apenas no contexto da hierarquia das potências, mas, sobretudo, na flexibilidade que temos de usar face a uma reviravolta nos investimentos de uma ou outra rede de firmas transnacionais. Quando a Autoeuropa tem a dimensão que é confirmada pelas estatísticas, podemos, sem dificuldade, compreender que quem manda em Portugal é quem sabe das reais boas intenções de certos potenciais grandes investimentos que aqui podem aterrar. Sobretudo, quando o interior está desertificado e despovoado e os aparelhos definidores da estratégia nacional não parecem ter em linha de conta essa grande vulnerabilidade.


Com efeito, os grandes consultores do nosso desenvolvimentismo pós-revolucionário, entre as lições de estratégia do saudoso comandante Virgílio de Carvalho e as grandes opções dos planos e de Valente de Oliveira e Ernâni Lopes, a que chamaram integração europeia, ainda não fizeram aquele crescimento interior que nos devia recordar a política de D. Sancho I, sem que se caia no habitual folclore do ecologismo e do regionalismo, mal digeridos. Por outras palavras, a culpa não está na decisão de Sócrates e no consenso que lhe deu Cavaco, a culpa está numa estratégia que teve consequências negativas para o entendimento da pátria como um todo de terra e de gente.


Agora, estamos dependentes do rebentar da bolha da especulação imobiliária, na precisa altura em que a maioria das famílias se entregou às hipotecas bancárias, por causa da casita que compraram e que pensavam ser um investimento seguro. E a coisa é mais cultural do que económica, embora a prometida lei das rendas facilitasse as opções. Daí que continuemos em contraciclo mental face aos nossos parceiros que mais crescem para cima por dentro, onde os lucros da banca são directamente proporcionais ao endividamento dos indivíduos, propiciando o alastrar do negocismo e dos caloteiros.


Até grande parte da crise universitária tem a ver com a questão das assoalhadas. Ainda ontem, circulano à hora do almoço pelo meu "campus", contava a um jovem despedido pelos recibos verdes quem havia sido a firma construtora que entregara ao Estado os edifícios antes do prazo, com equipamento electrónico e mobiliário que a ninguém serviu, dando-lhe o nome do docente que o director nomeara para acompanhar as obras, por acaso uma célebre figura gestora de uma fundação gestora de habitações sociais. E depois, lá lhe mostrava o ginásio da instituição, onde o gestor não era a faculdade, cientificamente ligada ao processo, mas uma firma qualquer onde pontificava um qualquer ex-líder de uma associação de estudantes, membro daquela geração que também elevou colegas a directores de relações públicas de marcas de cerveja e a recentes firmas de informática, gestão de páginas internéticas de grandes políticos e, mais recentemente, a fornecedores de serviços docentes a mestrados de província.


O meu jovem companheiro de ontem acabava de ser despedido sem direito ao conceito de despedimento, por parte de um ilustríssimo serviço público, sem qualquer prévio aviso, à boa maneira do tratamento de escravos e não sabe como vai arranjar os cerca de mil euros mensais para pagamento da hipoteca, das assoalhadas onde tem que educar o recente bébé. Vítima desta bolha, faz parte daquela geração flutuante que os juros do Euribor e o emprego precário do sistema bancoburocrático lhe propicia. Se alguém não entender como o totalitarismo doce desta democratura vai lançando as suas teias de medo, continue a discutir a não aprovação do regime de unidose proposto pela Teresa Caeiro...


23.1.08

Sobre os correias que acamparam no aparelho de Estado


Sócrates teve ontem dois dos seus heterónimos em palco: António Nunes, no parlamento, e Correia de Campos, na televisão. O primeiro optou por ser homem comum, confessando que pecou por palavras, mas não por obras. O segundo continuou nos seus malabarismos de verbosos saltos em frente, brincando com mártires, a quem chamou vitimazinhas.


Mesmo quando, aqui e além, se discorda do primeiro, nem por isso temos de concordar com todas as diatribes a que está sujeito, mesmo que venham de um antigo ministro da mesma fiscalização económica do primeiro governo soarista, agora esquecido que, quando assumia o estadão, até emitia despachos proibindo membros de comissões de trabalhadores da prestação de declarações públicas, assim confirmando como o poder significava ter o monopólio da palavra. Eu próprio, quando era meio sindicalista do ministério em causa, fui vítima desse autoritarismo e, portanto, não esqueço os tempos do cabaz de compras e dos tabelamentos.



No caso da ministerial figura que nos trata da saúde, julgo que qualquer especialista em estudos de opinião reconhece que ele bateu os recordes do Guiness em termos de baixa em sondajocracia, mesmo quando o aconselharam a elogiar a sua antecessora Leonor Beleza. Aliás, já recebeu, de dois ilustres socialistas, Manuel Alegre e António Arnaut, o adequado tratamento de pesadelo. Porque mesmo o Lino do "jamé", apesar de tudo, tem pinta de gajo porreiro e até eu era capaz de lhe confiar a carteira, não subscrevendo os ataques hipócritas de que tem sido vítima por parte de alguns "bem pregas, frei tomás" que foram para a televisão insinuar que o mesmo depois de uma refeição bem tocada ficou a ver camelos em sítios que nunca foram deserto.




O mais me aflige no segmento correiacampista da nossa administração pública é mesmo o facto de ele ser professor de administração pública da saúde e de ter sido presidente do emblemático Instituto Nacional de Administração, julgando que a "era dos managers" ainda é chão que dá uvas. É que muitos destes gestores de obra feita pelos operacionais e criativos acamparam na máquina gerando correias de cogumelos pouco comestíveis, poluindo o sentido de serviço público e transformando importantes segmentos do aparelho de Estado em grevistas de zelo.

22.1.08

De boas intenções higienistas, está o inferno da nossa história cheio...


Assisti ontem e na madrugada de hoje ao célebre debate do Prós e Contras sobre a lei da proibição de fumar em locais de trabalho e de paparoca, num programa que costuma ter a função que devia caber ao Canal Parlamento. Lá não estava o meu amigo António Nunes, mas antes o DGS e o director da Escola Nacional de Saúde Pública, com estes dois últimos a tentarem, cerca de cem anos depois, repetir o magistério de Ricardo Jorge, isto é, a tentarem actualizar a versão do clássico Estado Higienista, daquele que, entre nós, emitiu, em 1905, pioneiras leis de defesa da qualidade alimentar, mesmo antes da França, ou que permitiu aos republicanos elegerem os deputados da peste, só por causa de uma necessária quarentena imposta à cidade do Porto, para não falarmos da famosa proibição da Coca Cola, porque o produto, se seguisse o nome, em conteúdo, era droga ou, se o não seguisse, não passava de publicidade enganosa, como o daquele "slogan" do publicitário Pessoa, o tal "primeiro estranha-se e depois entranha-se".

Julgo que os nossos bem intencionados inquisidores do tal Estado Higienista devem compreender que os bons fins não conseguem remendar os péssimos meios de legiferação que têm de utilizar. Porque a lei proibitiva vigente não obedece aos mínimos de generalidade e abstracção e até parece admitir a analogia em matéria penal, gerando, ao mesmo tempo, uma espécie de direito de segunda ordem, onde as dúvidas e casos omissos parecem poder ser resolvidos por circulares de directores-gerais e inspectores-superiores, eventualmente acordados por pactos e protocolos neofeudais, estabelecidos com associações ditas representativas das chamadas forças vivas, como tal reconhecidas por um burocrata-mor.

O espectáculo deu uma péssima imagem tanto dos defensores do Estado de Direito como até de alguns liberais, só porque uma carunchosa legiferação até permite que possa florescer a indústria privada da parecerística, levada a cabo por servidores públicos, em regime de acumulação, coisa que apenas é escandalosa quando se trata de engenheiros autárquicos. Assim se confirmou como, apesar de sermos todos iguais, há alguns que são mais iguais do que outros.

Porque a justiça deixou de corresponder ao clássico tratar desigualmente o desigual, ao tal exigir de cada um conforme as suas possibilidades, para que a república possa dar a cada um conforme os seus méritos e, subsidiariamente, conforme as suas necessidades. Por outras palavras, estou a traduzir palavras de Aristóteles e São Tomás de Aquino, repetidas por Karl Marx e que um qualquer Adam Smith subscreveria.

Nenhum deles admitiria que uma lei urgente caísse na ratoeira de dar a imagem de estar ao serviço da justa reivindicação tecnocrática dos engenheiros do ar condicionado, isto é, aos únicos que podem refazer todos os sistemas de extracção do ar de todos os prédios existentes em Portugal.
Tal como um simples director-geral não pode cair na tentação de ter o privilégio da interpretação autêntica da letra e do espírito de uma lei da República, invocando leis de outros país ou directivas comunitárias, para mandar a ASAE proibir ou permitir o mais comum dos actos dos viciados em tabaco, que podem ser vinte por cento dos cidadãos. De boas intenções está o inferno da nossa história cheio, quando se diz que os meios justificam os fins, desde o enterramento em cemitérios, com Costa Cabral a promover a Maria da Fonte, a Ricardo Jorge a ser expulso do Porto, por causa da peste bubónica. Só ganhou a guerra à Cola Cola, porque estávamos em Ditadura...

Por outras palavras, refaçam a lei, senhores deputados! Não permitam que o nosso DGS continue a passar as presentes passas do Algarve, só porque quer cumprir o seu dever. Porque não tardará que muitos tratem de reler as memórias de Zita Seabra para compararem métodos celulares de militância com modelos de serviço público, assumidos pelo mesmo estilo e o mesmo actor...

21.1.08

Viva o sol de inverno...em dia da mudança da capital para o Brasil


Ontem, foi dia de sol de Inverno e não fomos obrigados a vestir a farpela para aturarmos discursos de estadão, emitidos em pleno delírio doméstico pelo primo da tia do sobrinho do senhor banqueiro, como tal nomeado depois de ter sido secretário de estado, a fim de garantir um suplemento de reforma. Ontem o sol venceu o cinzento e não houve notícias. Aliás, Luís Filipe Menezes não mostrou a queixada no telejornal e o "agenda setting" foi marcado por Sócrates a inaugurar uma biblioteca municipal e por Jerónimo a defender o SNS, apoiado pelo cunhado de sua excelência o professor catedrático de saúde pública, ex-director do INA. Afinal o Sporting e o Benfica lá ganharam os primeiros jogos oficiais de 2008.


A semana passou, com Lisboa em sobressalto pelo ataque de mau-cheiro de um frasquinho de enxofre que uma empregada da limpeza defenestrou para um baldio dos traseiros da faculdade de farmácia e que espalhou o pânico na capital, obrigando à mobilização de polícias e serviços de protecção civil e defesa do ambiente, com a evacuação de edifícios públicos. Isto é, os paquistaneses terroristas foram apenas detidos em Barcelona, mas por cá as televisões fizeram emocionantes directos sobre a matéria.


Hoje é mais uma semana que começa. Neste dia da morte de Lenine (1924) e de Orwell (1950), quando Galvão e a sua equipa começaram o assalto ao "Santa Maria" (1961) e, sobretudo, quando a capital de Portugal foi de barco para a América do Sul e desembarcou no Brasil (1808), nessa operação inédita que nos tornou no único país da Europa que já teve a cabeça noutro continente, há duzentos anos. Na altura, a integração europeia obedecia ao ritmo imperialista de Paris, com um italiano afrancesado chamado Napoleone que, só por acaso, não estava casado com a Carla Bruni, embora também já tivesse a intenção de se assumir, pelas parangonas, rei do continente.

18.1.08

A ignóbil porcaria destes partidos de Estado, procurando o sistema fechado do Estado de Partidos


Corria o ano de 1901. Em 8 de Agosto, por proposta de um governo regenerador, melhor dito hintzáceo, fabricava-se uma lei eleitoral, previamente acordada com os progressistas, melhor ditos lucianistas, onde o bloco central do situacionismo de então procurava evitar a subida ao parlamento de dissidentes e republicanos. Chamaram-lhe a ignóbil porcaria. Porque, como assinalava Júlio de Vilhena: o sistema, que se tornou geral nos partidos, de viver bem com todos, de corromper os mais renitentes, chamando-os ao governo e aos grandes cargos do reino, foi viciando os costumes e os caracteres, de sorte que nos últimos tempos não havia senão interesses e nenhuma dedicação sincera por ninguém. Todos procuravam o seu sossego e as suas comodidades e ninguém tinha coragem para sacrificar a vida. O exército estava corroído pela propaganda, e na classe civil não havia força para arrostar com o elemento demagógico (Júlio de Vilhena).


Em 11 de Novembro, eleições, com inevitável vitória dos regeneradores hintzáceos. Foi manifesta a política dos galopins e caiques, dominando a tal querida máquina que ia prometendo mais sinos e campanários. Não são eleitos deputados republicanos. Já havia 551 437 eleitores (10,3 % l; 40,3% da população masculina maior de 21 anos).





2007, o mais do mesmo do eterno rotativismo, com dois partidos de Estado a quererem capturar o Estado de Partidos. O Estado são eles, como o demontraram no não ao referendo europeu, nas jogadas da banca e no processo de liquidação dos chamados pequenos partidos. Querem uma ditadura das respectivas maiorias, não querem a poliarquia e a consequente protecção das minorias, em flagrante abuso de posição dominante. Sete anos depois matavam o rei. Outros tantos anos depois, seguia-se o presidente da república e o chefe de governo. Salazar estava prestes a encerrar o ciclo demoliberal e a instituir quase meio século de autoritarismo e inquisitorialismo, com fanatismo, intolerância, ignorância e tirania.


Em 1901, o espanhol Joaquin Costa, publicava Oligarquia y Caciquismo: a forma de governo em Espanha é uma monarquia absoluta cujo rei é sua majestade o cacique... Não há parlamento nem partidos; só há oligarquias. Até José Luciano, em 1902, observava: A que se deve atribuir esta situação? Digamos tudo ao País, para que ele possa julgar a todos: - vem dos desperdícios, da necessidade de se alimentarem as clientelas? Vem, em parte. Todos temos culpa nisso. A começar no País, a acabar nos homens públicos.

Entretanto, surge Democracy and the Organization of Political Parties de Moisei Ostrogorski (1854-1919), onde se desencadeia a escola elitista de análise política, partindo do princípio que a propriedade natural de todo o poder consiste em concentrar-se, e o liberal John A. Hobson edita Imperialism, ideia que, depois, Lenine vai aproveitar.






Porque, como depois vai analisar José Agostinho: Havia grande corrupção, na verdade, mas muito menos devorismo do que cepticismo. A Monarquia estava, sim, à mercê de alguns bandos que exageravam tudo para bem ou para mal, segundo os interesses da patrulha, porque, a rigor, já não havia verdadeiros partidos. Em 1903, já Bernardino Machado clamava na Sala dos Capelos de Coimbra: Estamos no ensino como no governo da nação: salvo raras excepções, os governantes pouco se importam com os governados; mal os conhecem, tiranizam-nos, a cada passo; reciprocamente, os governados não respeitam nem estimam quase nunca os governantes, e ao despotismo de cima respondem a má vontade e a rebelião de baixo...Corrupção e opressão, eis o sistema que, insistentemente, por toda a parte, intenta reger-nos. De aí o abatimento do ensino e da nação. Como havemos de reagir? Pelo nosso civismo.

Se sair o Zé Luciano, entra o Hintze, mesmo que apareça disfarçado de João Franco e nem sequer alguma coisa mudaria se vestíssemos o chefe progressista de Alpoim. Acabam todos numa esquina do Terreiro do Paço, na estação do Rossio ou no Arsenal, antes de chegar a tentação da ditadura da cavalariça que o génio da sacristia pode domar.

Nas imagens, caricaturas de Alfredo Cândido, representando D. Carlos, Hintze e Bernardino, picadas aqui



17.1.08

Só é novo aquilo que se esqueceu


No dia de São Miguel Torga, o nosso senhor ministro da Justiça veio dizer que Portugal não é uma república de procuradores-gerais adjuntos. O senhor ministro da economia poderá depois declarar que não somos uma república de comerciantes. O da saúde que não somos uma república de médicos. O das finanças que também não somos uma república de banqueiros. Tal como o primeiro-ministro gostaria que o governo não fosse uma confederação de ministérios, onde cada ministério não passa de uma federação de direcções-gerais, assentes em partidos, feitos ajuntamentos de boys à procura de jobs através de cunhas, pressões e grupos de interesse. Seria melhor que voltássemos a ser uma simples república, à maneira de Cícero, isto é, uma harmonia entre a liberdade, a autoridade e o poder, onde a libertas deve estar na participação directa do povo na decisão política, a auctoritas, nos órgãos que conservam a memória da fundação da cidade e detêm o poder legislativo, e a potestas, no poder executivo da governança.


Seria melhor que recordássemos os primeiros escritos sobre política, pensados e escritos em português, os do Infante D. Pedro, quando este já considerava que o dominium politicum não tem a mesma natureza do dominium servile. O primeiro tem a ver com a república, o segundo com o dono. Porque nós inventámos a política para deixarmos de ter um dono.

Aliás, ele já visionava a comunidade política como uma espécie de concelho em ponto grande, proclamando deverem os príncipes promover o bem comum, dado que por esto lhe outorgou deos o regimento, e os homees conssentiron que sobrelles fossem senhores.

Salientava que, então, já não se vivia no soingamento do dominium servile, tendo algo da liberdade do dominium politicum, daquele que institui o aliquod regitivum, que não nasce do pecado original, mas é outorgado ao rei pelo consentimento dos homens. Porque já éramos república antes de haver republicanos e monárquicos, e de os monárquicos, feitos bobos de uma corte que não há, fazerem política de imagem com adesivos republicanos e viracasacas monárquicos, esses ecléticos que variam conforme as conveniências e que detestam todos os monárquicos que, antes de o serem, já eram republicanos, só porque aqueles caquéticos do costume confundem a monarquia com a tirania, ou o mais doméstico despotismo, mesmo que seja o da teocrática mistura do trono e do altar, ou da mesa do orçamento e do mecenato, benzida pela sacristia do mais do mesmo.


Seria melhor que se relesse o Leal Conselheiro (1437) do mano do Infante, el rei D. Duarte, para quem, no reino, haveria cinco estados ou classes: o clero (os oradores), os guerreiros (defensores), os lavradores e pescadores, entendidos como pees em que toda a cousa publica se mantem e soporta, os oficiais, considerados os mais principaaes consselheiros, juizes, regedores, veedores, scrivãaes e semelhantes e os que usam de algumas artes aprovadas e mesteres.


O mesmo D. Duarte que abordava outros problemas políticos, nomeadamente as relações entre a prudência política e a justiça. A prudência, a qual se pinta com três rostos, porque se entende lembrança das cousas passadas, consideração das presentes e providência para o que pode acontecer ou esperamos que seja.


Considerava mesmo três virtudes: saber, crer e poder. O saber por prudência se rege, o crer por justiça, e o poder por temperança nas cousas deleitosas e por fortaleza em contradizer, cometer e suportar os feitos de temer, ou sentir perigos, trabalhos, nojos grandes, despesas, desprazimento de algumas pessoas, se cumprir por guardar ou percalçar virtudes.


É que os reinos não são outorgados para folgança e deleitação, mas para trabalhar, de espírito e corpo, mais que todos. Porque aos Príncipes cumpre de reger e encaminhar seu povo em ordenado e devido fim e isto faz prudência. Mas o Príncipe não pode encaminhar o povo a bom fim, não conhecendo o fim. Até porque, destruído o povo, destruído é o principado. Só é novo aquilo que se esqueceu, só é moda aquilo que passa de moda.


15.1.08

Laissez faire, laissez aller, le monde va de lui même


Face a esta nossa tyranny of the Status Quo, Milton Friedman dixit, o tal que também dizia que não há free lunch, vamos verificando que, no torneio capitaleiro do BCP, Cadilhe perdeu por 9 a 1 com o situacionismo político-financeiro. Do mesmo modo, a aliança de Sócrates com a CIP esmagou a opção da Ota, enquanto Menezes clama por mais opinion makers da sua facção, porque Marcelo e Pacheco o não representam e Alberto João brinca ao independentismo, em puro acto de chantagem, típica dos bobos da Corte. Isto é, depois do furor de governar, o furor do oposicionismo, quando, na realidade, apenas se atingiu a fase do laissez faire, laissez aller, le monde va de lui même.


Porque também Quesnay assumiu a defesa do despotismo dito legal, considerando funesto o sistema de contraforças num governo. Tal como contrariou a ideia de Montesquieu sobre a divisão dos poderes, também não se mostrou adepto do garantismo de Locke e distanciou-se das perspectivas mercantilistas de Colbert. Num célebre episódio, o memso Quesnay, quando consultado pelo Grande Delfim de França, filho de Luís XIV, sobre o que deveria fazer quando fosse rei, responde: Senhor, eu não faria nada. Cada regime tem sempre o seu madeirense de serviço.