Eis um bom exemplo do que não deveria escrever, conforme a teoria que tentei revelar no anterior postal. Com efeito, recebi alguns "mails" de leitores costumeiros que estranham a minha não referência ao caso da pantouflage que tem sido referenciado pelo anúncio da nomeação de certo ex-ministro para um alto cargo numa grande empresa. Daí que repita o que, antes da moda, escrevi e publiquei sobre a matéria, aqui, ali e acolá, mais adiante ou mais atrás. Porque, no estudo dos grupos de interesse e dos grupos de pressão, coloca-se neste momento o problema da regulamentação da actividade dos lobbies, tanto no plano intra-estadual, como no domínio das relações internacionais, no âmbito da chamada sociedade civil internacional.
Vive-se, com efeito, o abandono do anterior general good sense, com a introdução de formalized rules, nomeadamente com a criação de um sistema de registo de interesses dos parlamentares e com o estabelecimento de regimes de incompatibilidades. No mesmo sentido, estudam-se formas de controlo da pantouflage, nomeadamente com o estabelecimento de regras sobre o emprego dos membros do governo, depois dos mesmos abandonarem as funções. Sobretudo, num país, onde o importante não é ser ministro, mas tê-lo sido.
Na verdade...
... por dentro das coisas (interrupção kafkianamente involuntária provocada pelo fantasma do intendente Pina Manique).
Há, aliás, uma tendência para englobar os grupos de pressão no conceito mais vasto de grupos de interesse, começando a ser raros os trabalhos que utilizem como elemento central a expressão grupos de pressão, apesar de a politologia francesa persistir nesta terminologia. A partir dos trabalhos de Piker e Stritch [1974], Schmitter [1975 e 1979], Wilensky [1976], Wiarda [1977], Panitch [1980], Cawson [1982 e 1986], Katzenstein [1984], Grant [1985], Keeler [1987], Lehmbruch [1987], Scholter [1987], Magagna [1988], Colas [1988], e Crepz [1992], começou a delinear-se a teorização do neocorporatism, isto é, de um especial processo sócio-político distinto do pluralismo, em que os grupos de interesse voltam a ser uma espécie de corpos intermediários entre a sociedade e o Estado, constituindo organizações quase monolíticas, em número limitado.
Trata-se de uma teorização, iniciada a partir dos Estados Unidos, que visa responder à crise da representação política, do sindicalismo e da própria cidadania activa. Contrariamente ao pluralismo, no qual as organizações são rivais, no corporatism seria o centro do aparelho de poder estadual a decretar quais são as associações representativas, independentemente da autenticidade associativa das mesmas. No fundo, o corporatism é uma degenerescência do pluralismo e constitui um fenómeno pós-capitalista em que existe uma economia privada, mas não uma economia de mercado.
Porque, um grupo de pressão é um grupo de interesse que exerce uma pressão, que passa do mero estádio da articulação e da agregação de interesses e trata de influenciar e pressionar o decisor político, saindo do âmbito do mero sistema social e passando a actuar no interior do sistema político.
Na verdade...
... por dentro das coisas (interrupção kafkianamente involuntária provocada pelo fantasma do intendente Pina Manique).
A pressão pode ser aberta ou oculta, pode actuar directamente sobre o decisor ou, indirectamente, sobre a opinião pública. Entre as pressões abertas, destaca-se a acção de informação, a de consultadoria, bem como a própria ameaça. As duas principais formas de pressão oculta, isto é, não publicitada, são as relações privadas e a corrupção. As relações privadas passam pelo clientelismo, pelo nepotismo e pela pantouflage.
A corrupção, como processo de compra de poder, tanto pode ser individual como colectiva, nomeadamente pelo financiamento dos partidos. Entre as acções dos grupos de pressão sobre a opinião pública, temos tanto o constrangimento como a persuasão. Na primeira, temos a greve, as manifestações, os boicotes ou os cortes de vias de comunicação. A persuasão tem sobretudo a ver com a propaganda e a informação.
Reparo apenas que seria bem útil um estudo global sobre o fenómeno em Portugal nos últimos trinta anos. Bastava elencar todos os membros do governo numa folha de "excel", colocando duas colunas para os anteriores empregos e outras duas para os empregos posteriores ao exercício de funções públicas. Poderíamos acrescentar outras altas funções políticas nacionais, autárquicas e regionais. Ou uma simples tese de doutoramento sobre as empresas de consultadoria anexas ao processo. Apenas concluiríamos que, na prática lusitana, com alguns anos de atraso e muitas traduções em calão, a teoria não pode ser outra
Para quem quer estudar a matéria de grupos de interesse, alguma literatura do outro século:
Berry, Jeffrey M., The Interest Group Society, Boston, Little, Brown & Co., 1984 [reed., Glenview, Scott, Foresman & Co., 1989].
Cigler, Allan J., Loomis, Burdett A., eds., Interest Groups Politics, Washington D. C., CQ Press, 1991.
LaPalombara, Joseph, Interest Groups in Italian Politics, Princeton, Princeton University Press, 1964.
Moe, Terry M., The Organization of Interests. Incentives and the Internal Dynamics of Political Interest Groups, Chicago, The University of Chicago Press, 1980.
Mundo, Philip A., Interest Groups. Cases and Characteristics, Chicago, Nelson A. Hall Co., 1992.
Olson, Mancur, The Logic of Collective Action. Public Goods and the Theory of Groups, Cambridge, Massachussetts, Harvard University Press, 1965 [trad. fr. Logique de l’Action Collective, Paris, Presses Universitaires de France, 1978].
Petracca, Mark P., The Politics of Interests. Interest Groups Transformed, Boulder, Westview Press, 1992.
Wooton, Graham, Interest Groups, Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1970.
Para grupos de pressão:
Basso, Jacques, Les Groupes de Pression, Paris, Presses Universitaires de France, 1983.
Bentley, Arthur Fisher, The Process of Government. A Study of Social Pressures, Chicago, 1908 [reed., Cambridge, Massachussetts, The Belknap Press, 1967].
Castles, Francis G., Pressure Groups and Political Culture, Londres, Routledge & Kegan Paul, 1967.
Celis, Jacqueline, Los Grupos de Pressión en las Democracias Contemporaneas, Madrid, Editorial Tecnos, 1963.
Eckstein, Harry, Pressure Group Politics, Londres, Allen & Unwin, 1960.
Fisichella, Domenico, ed., Partiti e Gruppi di Pressione, Bolonha, Edizioni Il Mulino, 1972.
Key Jr., Vladimir O., Politics, Parties and Pressoure Groups, Nova York, Thomas Y. Crowell, 1942 [trad. cast. Política, Partidos y Grupos de Presión, Madrid, Instituto de Estudios Políticos, 1962].
Mckeean, D. D., Party and Pressure Politics, Boston, Houghton Mifflin, 1949.
Meynaud, Jean, Os Grupos de Pressão [ed. orig. 1960], trad. port., Mem Martins, Publicações Europa-América, 1966.
Idem, Les Groupes de Préssion Internationaux, Paris, Presses Universitaires de France, 1961.
Idem, Nouvelles Études sur les Groupes de Pression en France, Paris, Librairie Armand Colin, 1962.
Idem, com Sidjanski, Dusan, Verso l’Europa Unita. Strutture e Compiti dei Gruppi di Promozione, Milão, Ferro Edizioni, 1968.
Idem, Les Groupes de Pression dans la Communauté Européenne, Montréal, Université de Montréal, 1969 [reed., Bruxelas, Université Libre de Bruxelles, 1971].
Millard, Frances, Ball, Alan R., Pressure Politics in Industrial Societies, Atlantic Highlands, Humanities Press International, 1987.
Odegard, Peter H., Pressure Politics. The Story of the Anti-Saloon League, Nova York, Columbia University Press, 1929.
Richardson, Jeremy John, Governing Under Pressure. The Policy Process in a Post-Parliamentary Democracy, Oxford, Martin Robertson, 1979.
Idem, Pressure Groups, Oxford, Oxford University Press, 1993.
PS: Pedimos desculpa pelas secções de auto-censura que afectaram hoje o meu blogue. Julgo que elas se prolongarão por muito mais tempo, atendendo ao que me informou o centro de previsões pulhitológicas do micro-autoritarismo.