a Sobre o tempo que passa: setembro 2004

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

29.9.04

Da rumsfeldização à auto-dissolução



A bushodependência, se levou Barroso à presidência da comissão da UE, ainda não nos deu as prometidas contrapartidas financeiras e tecnológicas que poderiam lobrigar-se na Carlyle ou na renovação das oficinas de material aeronáutico de Alverca. Por enquanto, apenas se nota a elevação ao mais alto cargo do delgado paginador do regime, a fernandesização mental e muitas cenas de ciúmes do patriarca Mário, dado que os "favorites" parecem agora ser outros, apesar de Rumsfeld ser o mesmo.

Mas desenganem-se os que pensam que haverá nova era com o eventual acesso à casa branca de Kery com molho de Heinz. A alteração radical das circunstâncias que propiciem a boa-educação da necessária vontade de independência nacional só acontecerá quando as chamadas elites não nos transformarem em ilotas.

Se estas ditas elites continuarem a repetir o capitulacionismo que marcou a classe política monárquica diante do Ultimatum, não haverá novo grito de "A Portuguesa". Logo, a política de educação continuará a enredar-se nas desavenças de novos Justinos, de novos Abílios e de novas Comptas. E a nossa sociedade dita hiper-informada só topará o desastre depois do factos consumados. Quem pensa baixinho não vê um boi à frente dos olhos.

Se continuar esta ditadura da incompetência, poderá acontecer que a nossa criatividade constitucional resolva o problema do presidente Sampaio, dado que tudo aponta para a emergência de uma auto-dissolução do sistema.

Viva a filosofia!



Quando se vai assitindo impassivelmente à destruição das nossas escolas superiores públicas de filosofia, história e literatura, só porque alguns as reduziram a meras fábricas de professores, há que temer. E dizer não a um mais amplo processo de terceiro-mundização do nosso lugar no mundo.

Poderemos transformar-nos em mais uma das repartições de reparadores de "hardware" e em meros repetidores e pirateadores de "software" alheio, perdendo a capacidade de criação de um pensamento enraizado no nosso tempo, no nosso espaço, no chão moral da nossa história e no sentido dos que querem continuar a ter saudades de futuro.

Se a universidade portuguesa se transformafr numa grande federação de centros de mera formação profissional, teremos notáveis papagaios que apenas monitorizam manuais de programação de outras ecologias. E mesmo que os ditos papagaios sejam doutores de exportação, o mais certo é que nem sequer propiciem as tais saídas profissionais.

O construtivismo dos decretinos



Certas engenheirais epistemologias podem continuar a pensar baixinho, supondo que as ciências humanas e as ciências sociais não passam de execráveis, obscurantistas e tolas ciências ocultas. E lá pensam que conseguem captar o sentido da coisa, apenas porque conseguem elevar à categoria conselheiral os pseudo-manitus que julgam deter o monopólio das áreas científicas onde não produzem há décadas. Pena que tais engenheirais notáveis do decretino continuem a ir além da respectiva chinela. Correm o risco de terem entrada na história do nosso pensamento como quem destruiu a pluralidade de paradigmas.

O proibicionismo caceteiro e a persiganga, só porque assentam nos donos do subsidiável e do inspeccionável e que nem sequer têm que registar interesses e acumulações, podem continuar a inspirar muitas transpirações serôdias, inumeráveis côrtes de salamaleques, lisonjas e engraxamentos, mas acabam por contribuir para o nosso fenecer sem honra nem humildade.

O decretino e o mediático podem ter, no curto prazo, a razão da eficácia, mas nem por isso se livram de poderem ser um clamoroso erro no médio prazo e até uma estupidez destrutiva no longo prazo.

De boas intenções está o inferno do pseudo-reformismo cheio

Não há meio de compreenderem que a história, mais do que o produto da intenção de certos homens que dizem deter o monopólio das boas intenções, é, sobretudo, o produto da acção dos homens livres. A história é sempre uma co-criação de homens livres e raramente é detida pelo caixilho teórico dos que apenas pensam que pensam.

O fim do Portugal do senão, não...


Cantam-se loas às glórias governativas e ninguém pode dizer o contrário. O Portugal legítimo do "senão, não" foi substituído por um Portugal artificial, espécie de títere, de que o Governo puxa os cordelinhos. Vela a Polícia e o lápis da censura. Incapacitados uns por esse regime de proibições, entretidos outros com a digestão que não lhes deixa atender ao que se passa, e jaz a Pátria portuguesa em estado de catalepsia colectiva. Está em perigo a integridade nacional. É isto que venho lembrar

(Paiva Couceiro, em carta a Salazar, de 22 de Outubro de 1937, antes de ser posto no exílio; para os jovens educados pelos modelos do estalinismo revisionista de Fernando Rosas e Mário Soares, convém dizer que o senhor Couceiro não era do PCP nem na esquerda republicana, era monárquico e liberal e terá sido um dos primeiros e consequentes oposicionistas do despotismo)

Janelas com tabuinhas e ministros acusados de homossexualidade militante



Em Dezembro de 1893, o jornal O Tempo, então sob o controlo do grupo de José Dias Ferreira, referindo-se à nomeação do seu fundador, Carlos Lobo d´Ávila, o Carlotinha, para ministro, diz, de forma insidiosa: passando ontem nas Arcadas, notámos, com espanto, que ainda não estavam colocadas as respectivas tabuinhas verdes nas janelas do sr. ministro das obras públicas...

Mais de um século depois, a imprensa há-de revelar mais digna compostura, apesar dos vícios da intriga se terem refinado em profundidades subversivas. A mesma casta social do situacionismo que provoca tais circunstâncias mantém idêntica cobardia e hipocrisia morais.

A situação moral é muito má...


Marcello Caetano, numa carta dirigida a Salazar, em 28 de Janeiro de 1943, reconhece que a situação moral é muito má e cada vez pior. Está-se a criar um ambiente favorável a qualquer coisa que já se anuncia em voz alta, como em voz alta se exprimem opiniões contrárias ao governo e à ordem social no meio do silêncio ou com consentimento gerais.

Esperemos que, desta, não sejam precisos mais trinta e um anos... seria um grande trinta um do ...tenente Coelho.



27.9.04

Fortes p´rós ministros...



Até há pouco, a politologia contemporânea dizia que o spoil system, o sistema dos troféus, correspondia ao sistema norte-americano de nomeação de novas equipas, depois da eleição de um presidente. Dizia-se também que o modelo fora instituído por Andrew Jackson no primeiro quartel do século XIX.

E Max Weber definia-o como a atribuição de todos os postos da administração federal ao séquito do candidato presidencial vitorioso e que, a partir de então, surgiu um novo modelo de partido, entendido como simples organização de caçadores de cargos, sem convicção alguma.

Com António Guterres, o spoil system passou a ser traduzido em português por jobs for the boys, antes de Durão Barroso o volver em boys for the jobs. Terá sido com base nesta experiência que Bailey considerou a política como um jogo onde os competidores actuam numa arena visando a conquista de troféus.

O que levou ao aparecimento, no modelo norte-americano, do boss, do empresário político capitalista que procura votos em benefício próprio, sem ter uma doutrina e sem professar qualquer espécie de princípios. Um político profissional típico que trata de atacar os outsiders que lhe podem ameaçar os futuros rendimentos, isto é o futuro poder.

Com a gestão de Pedro Santana Lopes e Paulo Portas, deu-se uma necessária revisão politológica e, depois de passarmos a ter cardos e cardonas no banco do Estado, chegou agora a vontade de todos os ministros terem um adequado forte no fim-de-semana.

Somos totalmente favoráveis à boa intenção manifestada, começando evidentemente pelos que estão ao serviço das nossas forças armadas. Sugerimos que tão patriótico desiderato seja acompanhado por uma ampla distribuição de cadeiras de realizador, modelo 1968, dado que não é possível transformar os ditos fortes em jangadas de pedra...

Monsieur Alcagautes en Lisbonne



Passou ontem por Lisboa o renomado escritor, filósofo, pensador, predador e milionário Monsieur Alcagautes (leia-se g-ô-t-e-s). E Lisboa pensou. Bárbara Guimarães entrevistou-o, segundo guião. Maria Jota Avillez radiografou-o, sem guiador. A revista do Expresso psicanalisou-o, sem sofá. E Lisboa pensou, no auditório da FNAC. Lisboa só pensa quando Alcagautes cá vem dar uma volta pelo Pirigaitas. Não que a cabeça de Alcagautes não pense. Quem não pensa são os que dizem que só Mário Soares é que pode dizer quem pensa em Lisboa, na Europa, no mundo, no cosmos. Antes de Alcagautes ser moda, Gautes Alca era moda. Hoje Gautes Alca morreu e Alcagautes está vivo.

Lisboa, um quarto de hora antes de morrer já está morta. Vale-nos Mário Soares e a sua Fundação para a Restauração Racionalista. E os amigos todos da dita cuja, à espera dos restos que sobrem de Monjardino e Stanley Ho. E de quem vai gerir o novo Casino da Expô.

Robespierre, ao menos, inventou a guilhotina. E o Terror. O Estado Terrorista. O Terrorismo da Razão. E saneou as ideias em França, com isso da Vendeia.

Alcagautes é filho do Maximilien. E de uma concièrge Máriá, natural de Alcagaitas, nome de uma aldeola, lá prós lados da Lourinhã. Gaita p'rós gaijôs! Viva a alibábá democráciá!

Rudolfo, a cunha e a compra



Um tal Rudolfo, pato bravo bem relacionado, tratou de meter cunha bem explícita, junto de um tal Adolfo, ilustre membro da direcção de um dos partidos governamentais. Acontece que o tal Rudolfo se enganou no número do destinatário e o texto acabou escarrapachado na redacção de um jornal. O Rudolfo nunca devia ter escrevinhado, que essas coisas fazem-se de voz a ouvido, até para evitar as escutas. E as comissões devem ser em metálico, à maneira clássica, isto é, pelas coisas que os ourives fazem ou, mais solidamente, com pedras, tijolos e cimentos. Nunca em cheque ou transferência bancária que deixe rasto. Além disso, o político em compra deve ter carreira profissional liberal ou neo-liberal, isto é, com pretextos para branqueamento lícito de súbitos afluxos de rendimento. Corrupção como deve ser só através de uma fecundação de dois elementos da classe dos activos, isto é, daqueles que não ganham através de outrem, mas sempre sem livro de registo de entradas e saídas...

26.9.04

Da teledemocracia à canalhocracia



A recente vitória esmagadora de José Sócrates, faz-me recordar que quem quiser ser político está dependente dos principais donos do poder na comunicação social portuguesa, principalmente dos que, comandando as televisões, podem controlar decisivamente a opinião pública e orientar a luta política, ao escolherem os comentadores que hão-de interpretar aquilo que os mesmos decretam como a direita e a esquerda da democracia.

Quase se estabelece uma espécie de condomínio entre donos da comunicação, de viscondessas origens, e a nascente burguesia dos novos ricos da província, a quem é deixado o controlo dos clubes de futebol e do dirigismo federativo, duas das principais redes, em torno das quais se feudalizam os novos dirigentes políticos, onde se recrutam governantes e deputados.

Desta mistura, manipulada pela tríade da imagem, sondagem e sacanagem, para utilizar palavras de Manuel Alegre, resulta o status quo daquilo que o rei D. Carlos definia como o tal país de bananas governado por s.... Daí que a democracia corra o risco de volver-se em mera canalhocracia, para citar outra figura real, da casa de Bragança, neste caso D. Pedro V.

Como dizia uma recente directora de jornal na televisão: coitados...andam tantos anos na oposição que, depois, quando chegam ao poder, merecem a recompensa....




Ramalhando: 122 anos depois...



O Estado não é mais que uma grande ficção através da qual toda a gente se esforça por viver à custa de toda a gente
(Ramalho Ortigão, em 1882, parafraseando Bastiat)

Um governante não é mais que o resto anacrónico de uma velha liturgia hoje extinta...um velho monstro paleontológico, desenterrado das florestas carboníferas e reposto, com palha dentro, no meio do espanto da flora e da fauna do mundo moderno
(Ramalho Ortigão, em 1882)

Os bancos são os lugares de perdição em que os países pobres e ambiciosos se arruínam trocando a sua pequena riqueza real por uma maior riqueza contingente e fictícia, abdicando o trabalho e criando o jogo, dando dinheiro e recebendo papéis

(Ramalho Ortigão)

A instrução de um povo não pode ser aquilatada pelo número dos bacharéis formados que as ordens religiosas ou os institutos oficiais derramam em cada ano sobre a massa da população, para o fim de a explorarem pela chicana jurídica ou de a embaírem pelo palavrão dogmático ou metafísico
(Ramalho Ortigão em 1882)

Pós-revolução e corrupção



Uma sociedade pós-revolucionária é ao mesmo tempo desorganizada e corrupta. O partido que, sendo corrupto, for melhor capaz de organizar a desorganização, e melhor organizar a anarquia, prevalecerá
(Fernando Pessoa)

Os partidos políticos, em determinado país e determinada época têm todos virtualmente o mesmo grau, pouco ou muito, de corrupção... Os partidos de governo – isto é, os partidos que frequentemente governam, e por isso, em geral, os maiores – agregam mais videirinhos e mais interesseiros, pela simples razão de que os videirinhos e os interesseiros buscam naturalmente os partidos que os podem empregar e recompensar, e esses são, naturalmente, os partidos que governam, ou frequentemente governam, e não os que nunca vão ao poder
(Fernando Pessoa)

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24.9.04

O político usurpado pelo doméstico




A governação enreda-se nas teias do doméstico, com tecnocratas da finança e da economia a ditatorializarem os ministérios, fazendo regressar o Estado ao regime da administração das casas privadas, nesse vício tipicamente salazarista que nos faz voltar às boas intenções do despotismo, de que o inferno da história está cheio.

E o Portugal que resta é, definitivamente, um regime de anarquia bem organizada por neo-feudalismos, por falta de autenticidade e pelo apagamento deliberado de memórias. Por outras palavras, o zé povinho continua a ter que pagar impostos, enquanto os que partem e repartem o bolo tirado aos que trabalham vão ralhando sem razão, não apresentam as contas dos respectivos partidos e ocultam os financiamentos que os podem comprometer com os “lóbis que não uivam”.

Abundam, com efeito, muitos invertebrados, situados entre o batráquio que coaxa e o cefalópode que lança nuvens de tinta negra, os quais, em tempos de crise, tratam de acolher-se à sombra de grupos com imagem moral forte, a fim de garantirem formais certificados de bom comportamento cívico e excelente acesso à mesa porca do orçamento, mesmo que chamem polvo a quem os nomeia.

O despudor dos agentes políticos, que se consideram superiores às instituições que dizem servir, só atinge os actuais níveis de decadência, porque tanto não é possível um golpe de Estado, à maneira do 5 de Outubro, do 28 de Maio ou do 25 de Abril, como uma subversão comunista, com guerra fria, KGB e cunhalismo.

Os potenciais golpistas, dos militares revoltados aos comunistas activíssimos, apenas conspiram com anedotas porcas e “nicknames” nos comentários “on-line” dos semanários políticos, enfrentando a fúria defensiva dos jotas do Caldas, mobilizados para a salvaguarda do chefe.

A corrupção não vem apenas de cima para baixo, mas, sobretudo, de baixo para cima. Ela nasce dos patos bravos, da federação dos pequenos e médios compradores do poder autárquico que encheram os partidos com “apparatchikini” sem qualidade, transformados em traficantes de influências.

Golpe de Estado, em sentido clássico, tem como paradigma o que foi levado a cabo por Luís Napoleão em 1851, quando, depois de eleito presidente da II República Francesa se proclamou como Imperador.  Isto é, mudaram-se os titulares do poder, mas dentro dos mesmos quadros de legitimidade, ao contrário do que acontece numa revolução quando se muda a legitimidade estabelecida.

Em sentido estrito, golpe de Estado é o ataque directo aos detentores do poder, conduzido pelos chefes das forças armadas. Com efeito, sob tal nome, abarcam-se outras movimentações como os pronunciamentos (intervenção de oficiais de carreira e de unidades, ou fracções de unidades regulares, que pretendem substituir um governo ou um regime, pela violência ou pela ameaça de violência, podendo também ser levados a cabo por milícias, com a passividade das forças armadas regulares), os levantamentos (um pronunciamento que depende da colaboração de guerrilhas ou de corpos de milicianos, bem como do apoio de populares, utilizando a violência à partida), a insubordinação colectiva de oficiais, os motins (desobediência colectiva de praças ou oficiais de patente inferior de uma dada unidade militar, com propósitos políticos ou simplesmente sócio-profissionais).

Diverso é o conceito de rebelião, do lat. rebellione, recomeço das hostilidades, de rebellis, de re+bellum, aquele que recomeça ou retoma uma guerra. Através do cast. rebelde.

Diz-se hoje da acção de resistência violenta a uma autoridade. Próximo do conceitos de revolta, sedição e insurreição. A rebelião é sempre uma oposição violenta, tem de mobilizar um conjunto significativo de pessoas e entra em confronto com uma autoridade legitimamente estabelecida. Alguns apontam que a rebelião se distingue da revolução, porque nesta se visa substituição dos governantes por membros de outra classe, enquanto a rebelião se joga dentro do mesmo grupo situacionista.


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Deus, Inquisição, Razão



Em nome de Deus nos deram a Santa Inquisição. Em nome da Santa Razão nos deram a Junta da Providência Literarária e a Dedução Cronológico-Analítica. Absolutismos de sinal contrário, bem expressos pela topografia de Lisboa que colocou o Marquês de Pombal como cúpula tutelar da chamada Avenida da Liberdade.

Este acaso de uma liberdade feita à imagem e semelhança de um déspota esclarecido não é simples coincidência. O esclarecimento põe as tais luzes dos fins que se pretendem positivar na cidade no plano superior aos meios.

Daí o paradoxo: queremos fazer reinar a tolerância com muitos chicotes de intolerância; queremos fazer perdurar a razão através da anti-razão. Sempre carradas de apelos a pretensas éticas da responsabilidade contra as humaníssimas éticas da convicção. Que venha o Diabo e escolha. Que venha Santana Lopes e nos governe. Que venha Paulo Portas e nos defenda.

Há partidocracia, mas não há democracia liberal

Aqui e agora, há partidocracia, mas não há democracia liberal. Porque um bom sistema liberal é aquele onde a evasão fiscal é altamente reprimida e onde os infractores temem efectivamente avisita do inspector do IRS.
Aqui o chamado sistema fiscal é música celestial que a demagogia politiqueira vai entoando... Logo, quando a chamada direita dos interesses decide proclamar guerra aos ricos a coisa cheira a esturro....

23.9.04

A direita que está, não é


Fim de tarde nas furnas da Ericeira, quando as ondas, cheirosas de algas e espuma, vão batendo, suaves, nas pedras negras. Fim de tarde, quando, depois da chuva, vamos sofrendo a solidão do tempo que vai passando. E passando vou passeando em meu passado, enquanto meu país me vai doendo.

Sempre a mágoa de não apetecerem os caminhos confusos dos falsos grupos, das instituições que não obedecem às ideias de obra, com regras de processo que ninguém cumpre e sem que manifestações de comunhão permitam a solidariedade e a identidade.

Assim nossa direita que a esquerda proclama mandar no governo. Que o governo está à direita, mas não é de direita, como não é de esquerda, como não é do centro. Está. É stare. É sato. Status quo. Ditadura do estado a que chegámos, ditadura da incompetência.

E os que estão à direita sofrem mais com a falta de autenticidade. E os que sendo de direita são à oposição destes que estão à direita, mais marginais se sentem.

Os partidos que usurparam a direita não passam de grupos de amigos que se odeiam cordialmente e, pior do que isso, são objecto das manigâncias dos velhos marechais da dita, sempre lestos a prestarem menagem aos vencedores e sempfre disponíveis para perseguirem os que se mantêm rebeldes face aos doces encantos da distribuição do tacho.

Do Estado de Bem-Estar ao estado de mal-estar


In illo tempore, ainda quando o dito ainda era um velho Estado Novo, o monstro, apesar de forte e despótico, não tinha penetrado tanto nos domínios da educação e da saúde, como nos dias que correm. Agora, com o abuso do intervencionismo, do concentracionarismo e do centralismo, regressam naturalmente os atavismos do Leviathan.

Pedro Santana Lopes que se cuide. Se perder totalmente o norte na zona das políticas públicas da educação e da saúde, toda a nau da governança começará a meter água e a viagem para a terra prometida não se realizará. A guerra dos cartões, o delírio da colocação dos professores e outras engasgadelas demonstram bem o modelo a que estamos sujeitos.

Vivemos em plena ditadura da incompetência e no absurdo concentracionário de um centralismo. E tudo vai sendo gerido pelo ministro aposentado xis-pê-tê-ó, conversando com o aposentadíssimo colega ó-pê-tê-xis, com um que diz que é social-democrata, por causa dos tractores, e outro que diz que é democrata-cristão, por causa das celestes que nomeia.

Portugal que resta não aguenta mais a desvergonha deste spoil system do rapó-tacho. Os cargos e recargas com que vão presenteando as respectivas clientelas são sustentados pelo suor dos milhões de cidadãos. O dique controleiro da teledemocracia com que aguentam a revolta dos justos pode ter inesperadas fissuras e quando todos formos inundados pela verdade, entraremos no habitual descontrolo dos que têm sede de justiça.

Os bem-educados pela má educação



A nossa expressão bem-educado, mais ou menos equivalente à imperialista noção de civilizado, implica sempre a existência de um outro que colocamos na categoria do bárbaro que vive em selvajaria, de alguém que precisa de ser colonizado, apagando-lhe as respectivas memórias identitárias, através de um processo de lavagem ao cérebro e obrigando-o a constantes exercícios de pavloviano mimetismo.

Aqui e agora os chamados bem-educados foram quase todos mal-educados por gente dita fina de colégios ricos, entre o elitismo congreganista e o elitismo anticongreganista. E continuam a traduzir essa perspectiva imperialista, através do confronto entre os urbanos e os rurais, onde os superiores chamam aos inferiores saloios e parolos.

A dialéctica, contudo, não se reduz ao combate entre a capital e a província, dado que se difundiu por todo o território, outrora dito nacional, através de um confronto mental entre sucessivos centros e as respectivas periferias.

E tudo se agravou depois de 1974, porque o que era violentamente frontal se volveu em hipocrisia, com gente da casta devorista a penetrar em partidos de esquerda, mui revolucionários, a fim de obterem os conseguidos certificados de boa adesão às massas populares, para poderem continuar a garantir o parasitismo, através da política de imagem, apesar dos pés no lodo.

A persiganga

Odeio sentir que posso cair na tentação de odiar. Especialmente quando há gentes desvairadas que sitiam o que represento e que pensam poder deter a corrente de ideias que procuro servir, removendo-me como um obstáculo. E sinto que as tenazes da persiganga me vão tentando enclausurar.

Sei dos muitos homens pequeninos que contra o que penso usam de seus despóticos trejeitos. Esses que continuam a mandar por causa da cobardia dos que preferem a pretensa comodidade da servidão aos incómodos e aos riscos da revolta individual.

Sei dos muitos invertebrados que se diluem na massa moluscular donde auferem os rendimentos. Esses que preferem os sucessivos empates técnicos que marcam este apodrecido situacionismo.

E neste pobre Portugalório que usurpa o nome de Portugal, séculos de inquisição foram a causa desta sucessão de pombalismos, caceteirismos, devorismos, cabralismos, fontismos e afonsismos, até atingirmos o negrume salazarento, com as consequentes pós-revoluções de um antifascismo hipócrita, simbolizado em patriarcas e marechais, de esquerda e de direita, com os seus amiguinhos, cumplicidades, jagunços e pandilhas.

Os vícios inquisitoriais, pombalistas e da viradeira manifestam-se logo em 5 de Dezembro de 1823 quando é criada na universidade de Coimbra uma junta expurgatória (entre os seis elementos da mesma, Frei Fortunanto de São Boaventura) que propõe a expulsão de catorze docentes (um deles é Manuel António Coelho da Rocha) e de trinta e sete alunos. Estávamos num tempo contraditório, posterior à derrota dos apostólicos na Vilafrancada, mas quando se procedia à revogação da efémera ordem vintista, sob um governo moderado, liderado por Palmela e Subserra. Viviam-se os choques das perseguições aos maçons, intensas no mês de Julho, mas começando a atenuar-se em Agosto, até porque dois dos principais governantes são irmãos. O pretexto para a perseguição foi a Carta de Lei de 20 de Junho de 1823 que suprimia as sociedades secretas e proibia a adesão de funcionários à s associações em causa para o futuro, deixando imunes as adesões passadas. Aliás, a polícia apenas expulsou formalmente duas pessoas do país, embora tenha deportado trinta para fora de Lisboa. O processo ainda vive as contradições do perído e por decreto de 5 de Junho de 1824, durante o governo dominado por Lacerda e Barros, também dois irmãos, estabelece-se uma amnistia que identa de perseguição todos quantos tivessem pertencido a sociedades secretas.

Logo em 1828, nos primeiros tempos do governo de D. Miguel, são expulsos oito lentes da Universidade de Coimbra, tidos como maçons: Joaquim António de Aguiar; António Camelo Fortes de Pina; António Nunes de Carvalho (todos da faculdade de leis); Manuel Joaquim Cardoso Castelo Branco (da faculdade de cânones); Caetano Rodrigues de Macedo (filosofia); Joaquim Maria de Andrade e Tomás de Aquino (os dois de matemática).

Em 15 de Julho de 1834 eram demitidos inúmeros doutores em direito: Alexandre Dias Pessoa, Bernardo José de Carvalho, António Caetano de Sousa Faria Lobo Girão, Miguel Gomes Soares, Cândido Rodrigues Alves de Figueiredo e Lima, José Pedro Moniz de Figueiredo, António Vasconcelos e Sousa, José Maria de Lima e Lemos, José Lopes Galvão, Joaquim José Pais da Silva, José Feliciano da Fonseca Teixeira, Francisco Lebre de Vasconcelos, Joaquim Maria Taborda Falcão Tavares.

Por decreto do dia anterior nomeiam-se Basílio Alberto de Sousa Pinto, Manuel António Coelho da Rocha, José Machado de Abreu, Francisco Maria Tavares de Carvalho, Frederico de Azevedo Faro Noronha e Meneses, António Nunes de Carvalho.
Os pedristas demitem os miguelistas, tal como antes os apostólicos haviam demitido os liberais. Os primeiros serão para sempre condenados ao silêncio. Dos segundos já reza a história. Mas a cultura e a universidade portuguesas minguavam.

Mas novas vagas de saneamentos de universitários ocorre com o salazarismo em 1947 com a aposentação compulsiva de quinze professores, entre os quais Mário Silva, Francisco Pulido Valente, Francisco da Fonseca, Remy Freire (ISCEF), e oito assitentes, entre os quais Andrée Crabée Rocha, Luís Dias Amado e Orlando Morbey Rodrigues, para não falarmos noutros processos que afectaram certas escolas de regime, mobilizadas para a conquista do poder de um qualquer dos seus inspiradores. E tudo se repetiria com o tempo do processo revolucionário em curso de 1974-1975, restando saber, com precisão, qual a presente forma de continuação dos saneamentos por outros meios, onde saneados e saneadores, num conúbio de oportunismo situacionista, tentam vingar-se do tempo perdido em tolerâncias.

As alimárias da sub-tecnocracia



Que tipo de orgulho criativo levará para a tumulação alguns dos nossos ministros e ex-ministros marcados pelo burocratismo amarelado?

Porque essas alimárias da sub-tecnocracia apenas servem como trampolim para o acesso ao poder de muitos perdulários e bandoleiros, apesar de pintalgarem o quadro com caras de honestidade e sorrisos dinâmicos, para gáudio dos patriarcas e padrinhos que vão manejando os cordelinhos.

Contra o Estado-Ladrão



Há por aí um sub-Bloco Central de interesses mais imorais do que ilegais, onde todos se vão perpetuando em roubalheiras, clientelismos e favoritismos que permitiram a presente pouca vergonha expressa pela fina-flor desse entulho a que dão o nome de "jet set" que nos continua a amarrar em indignidade.

Por isso me sinto cada vez mais um campónio que sente as garras do Estado-Ladrão. Estou, definitivamente, do outro lado da barricada e como a Maria da Fonte sinto a tentação de lançar fogo às bilhetas. É que esta nossa última pós-revolução, porque não sabe ou não quer combater a evasão fiscal, acaba por pactuar com toda essa fauna das economias místicas, das isenções e das amnistias, fazendo com que a palavra portuguesa mais próxima do conceito de injustiça volte a chamar-se imposto.

Assim, como qualquer rural oprimido por fidalgotes e mercadores de grosso trato, quando recebo o papel amarfanhado da direcção-geral dirigida por um quadro do BCP, no ministério dirigido por um também quadro do BCP, aliás aposentado e dado à espiritualidade escrivá, ponho-me logo em campo a caminho de uma caixa multibanco, para pagar e me livrar da coisa. Porque quando pago, já posso denunciá-los e voltar a ser um homem livre.

Assim, vou odiando este Estado-Aparelho com todas as forças emotivas da alma e, neste sentido, me sinto um anarquista místico, saudoso da verdadeira ordem e alguém que tem de ser nacionalista contra o estadualismo, sonhando que a nação pode um dia assumir-se comunitariamente como povo e lancetar o vértice dos aparelhismos, neste momento representado pelo ministerialismo e pela partidocracia do PSD e do PP.

O profeta do a posteriori

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O supremo vencedor é o que tem a ilusão de estar sempre com o lado certo da história só porque nomeia como linha justa o prognóstico que faz depois do fim do jogo. Ei-lo, o profeta a posteriori, o que não cultiva o sentido do risco, o que teme a vertigem da incerteza, temendo a derrota.

Ei-lo o educador do calculismo, o que nunca se engana e que raramente erra. Ei-lo especialista na gestão dos silêncios, apenas exagerando no elogio fácil do salamaleque de salão.

Entre a bernadização e o teofilismo, não passa de baço espelho de astrais iluminações alheias. Magro em reflexões próprias, apenas engorda a obra com alienígenas citações.

Mas conseguiu vencer entre os pobres de espírito, porque em terra de burros quem tem coice é cavalo garboso.

Modas que passam de moda



Muitos pensam que o tempo é o tempo que eles pensam que controlam, só porque mandam no mundo do agenda setting, só porque são moda que passa de moda.

E faltam os necessários homens livres.

Não serei de direita se tiver de reconhecer como símbolos da direita um tal John Marx que o ministro Alacagaitas fez director intelectual da repartição de pesos e batatas, um tal Pierre Socócó que se diz dono da vanguarda só porque dialoga com o William Pita e Pata no mundo dos blogues, ou um tal Peter MacTable que se pensa o novo super-Camões dos começos deste milénio lusitano.

Este país continua a ser este país sempre que vive na tristeza do seu quintal burguês, sempre que vive nesta fria clausura de uma classe de pretensos intelectuais que querem a sinecura e a prebenda, venha do Estado ou da empresa que gere a "pay list" dos donos do mundo.

Onde antigamente havia propaganda, há agora assessores de imagem e agenciadores de subsídios, neste ambiente de permanecente devorismo, nesta estúpida falta de autenticidade que nos continua a esfacelar.

O sindicato das citações mútuas



A primeira regra a seguirmos para termos êxito social, ascensão política e capacidade de vencermos na história continua a ser percebermos esta eterna contradição entre os notáveis intelectuais do curto prazo, medidos pelo critério de notabilidade do chamado interesse jornalístico...

Que neste manda e impera o princípio fundador do sindicato das citações mútuas, esse novo modelo de inquisição que nos continua a acabrunhar...

Ainda hoje podemos dizer, como Álvaro Ribeiro, que quem não escreve "em papel pautado por qualquer ortodoxia", quem não está "inscrito numa congregação de elogio-mútuo", quem está disposto a lutar contra "a sindicalização do trabalho intelectual" que "ameaça o pensamento livre" pela "recíproca defesa das mediocridades e pela agressividade da inveja" que se manifesta "pela humilhação", corre o risco de nem sequer poder comunicar com outros que gostariam de fugir dos pretensos canalizadores da opinião crítica e da opinião pública.

Ministerialismo sem vergonha

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Contra este ministerialismo em que se continua a enredar o despotismo esclarecido, há também a eterna frustração dos que estão sempre no contra e que nem sequer podem ter o saudosismo dos anteriores homens do reviralho...

A insubmissão transformou-se na prebenda de uma qualquer ordem da liberdade, num Mercedes preto, numa secretária de carne e osso, num gabinete de pau preto, com promessa de reforma dourada, nesse engodo para papalvos dito oficialismo...

E tudo se volveu no texto obrigatório dos novos livros únicos, com que se fingem perpetuar todos os situacionismos.

Até transformámos Sérgio numa efígie ornando notas de banco, antes de com o seu nome baptizarmos burocráticas instituições.


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Sempre esta lei do Portugal Contemporâneo que pretende cristalizar a rebeldia, fazendo-a nutrida citação para um qualquer artigo de um qualquer propagandista intelectual do regime, ex-ministro, ex-deputado, ex- esperança da memória de futuro.

22.9.04

(1) A má-educação desta ditadura da incompetência...



Acabei de assistir à patética intervenção da senhora ministra da educação que, coitada, tem de arcar com a pesada herança Se fosse crente, apenas acenderia uma velinha ao santo da devoção dessa estimável colega.

Ouvi, depois, que tudo era uma questão de Compta e passei os meus olhos sobre o novo código penal francês, onde é punida a chamada "pantouflage"...

A conduta daquele que, através do trabalho, da consulta ou da participação no capital se liga a uma entidade que, antes, como funcionário público ou agente do Estado, estava encarregado de vigiar ou controlar...

Verifiquei, mais uma vez, que, em Portugal, o importante não é ser ministro. É tê-lo sido.

E eis como os comunistas e bloquistas sorriem diante desta ofensiva neo-liberal do "outsourcing".

Porque um qualquer burocrata verbeteiro vai agora ter que resolver à mão, as ineficiências dos pretensos controladores da sociedade da informação.


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